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sábado, 17 de dezembro de 2022

Contos - Afonso Arinos


Infelizmente me faltou profundidade acadêmica para aproveitar em sua grandiosidade o maravilhoso extrato da obra de Afonso Arinos (1868-1916) presente no recorte feito pela Profa. Walnice Nogueira Galvão, (Profa Emérita da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP) no livro "Contos" de Afonso Arinos (Coleção Contistas e Cronistas do Brasil, Ed. Martins Fontes). Qualquer um que tenha a mínima relação com a natureza, ou alguma memória de infância com a terra, entenderá a grandeza do texto de Arinos que, em contos tão autocontidos, conseguiu condensar uma quantidade universal de percepções. Retirado das publicações "Pelo Sertão" (1898) e "Histórias e Paisagens" (1921 - Póstumo), não há adjetivo a ser dado que possa traduzir a grandeza das pérolas que são os contos "Buriti Perdido", "Assombramento", "A Esteireira", "Manuel Lúcio", "Paisagem Alpestre", "A Velhinha", "Pedro Barqueiro", "Feiticeira", "A Árvore do Pranto"...

Filho da burguesia, Arinos furou a "bolha" e trouxe o obscuro sertanejo e o regionalismo para os salões de baile. Mago das palavras cuja voz ainda ecoa forte depois de 106 anos. 

quinta-feira, 22 de julho de 2021

O Deserto dos Tártaros


Livros nos formam, nos constroem, nos moldam... Mas mais importante que tudo isso acontece quando determinado livro dá "voz" ao nosso interior. Para que isso aconteça muitas coisas devem ocorrer no momento certo, ou seja, você deve ser encontrado por determinada obra com o amadurecimento certo. Infelizmente é possível que muitos livros tenham passado por cada um de nós sem que aproveitássemos sua essência, ou sua mensagem mais profunda. Isso não é culpa nem do leitor nem do escritor... É apenas a assincronia inerente à vida. Mas às vezes isso ocorre, e o efeito é gigantesco dentro do espírito humano. Mas há ainda outra faceta desta reflexão: Há livros que dado sua grandeza forçam a barreira da "falta de amadurecimento" pessoal e conseguem tocar o âmago de praticamente todos, independente do momento pessoal pelo qual passamos. Acho que O DESERTO DOS TÁRTAROS é um livro assim. Escrito em 1940 pelo jornalista Dino Buzatti Traverso, ou simplesmente Dino Buzatti. E de onde vem a grandeza da obra? Bem... Acompanhe-me um pouco nesta jornada e você descobrirá.














A história (sem spoilers) de Buzatti acompanha a vida do jovem Tenente Giovani Drogo que assim que, se forma na academia militar, é enviado ao Forte Bastiani, uma distante fortaleza localizada em um determinado extremo do país. O Forte fica voltado para a planície dos Tártaros, um local de onde se pressupõe uma eventual invasão de povos hostis que parece nunca de concretizar. Drogo vai vivendo sua vida no Forte e é nesse contexto que o livro cresce. Buzatti com uma escrita fácil e extremamente poética avança para dentro da alma de Drogo, suas expectativas de vida, seus sonhos, desejos e, nesse painel interior que o tempo exterior (cronológico) se expande e ao mesmo tempo se esgarça. Mas Buzatti vai além, ele consegue algo muito difícil para um escritor, que é colocar em descrições a complexidade do sentimento humano. Surpreendi-me em vários pontos do livro ao ler frases que me deixaram sem palavras por traduzirem sentimentos profundos e complexos de forma tão simples e ao mesmo tempo profunda. Esta característica eu já tinha observado em dois outros autores H.P. Lovecraft em seu Nas Montanhas da Loucura e John Williams em seu Butcher´s Crossing.











Alcançar a linguagem do coração é algo muito difícil. Na maioria das vezes o que vemos é a palavra escrita ou falada apenas perverter a sacralidade de nossos sentimentos. Uma das únicas formas de arte que consegue realizar com certeza facilidade a façanha da materialização de sentimentos é a poesia. Porém, quando um autor associa esta rara capacidade à uma história de vida, temos então uma obra eterna. Buzatti em O Deserto dos Tártaros converte o que parece ser uma narrativa aparentemente simples (a vida de um soldado em um forte onde pouco ou nada acontece) em uma oportunidade de se decodificar em certa medida a alma humana. Há trechos do livro em que nos sentimentos totalmente traduzidos, como por exemplo, em um momento em que o autor reflete, tendo o Tenente Drogo como pano de fundo, acerca de nossos anseios não concretizados, sonhos não realizados, esperas não satisfeitas... Um dos textos mais tocantes que já li.
















Há um ponto decisivo no livro sobre a decisão de Drogo permanecer no Forte ou retornar à vida da cidade no qual fiquei a pensar o quanto nos escapa a capacidade de nos maravilharmos com o "simples", com o "tempo", com o "nada" (representado na obra pela planície imutável à frente do forte). Levado às telas em 1976 sob a direção de Valerio Zurlini, O Deserto dos Tártaros tem no elenco célebres atores como Max Von Sydow (O Exorcista, O Sétimo Selo), Giuliano Gemma (O Dólar Furado, Tex) além de trilha sonora do monumental Ennio Morricone. Um conselho: a experiência profunda do livro deve, em minha opinião, vir antes da visualização do filme. O Deserto dos Tártaros já figura entre os melhores livros que li em minha vida. Sua infinita beleza, seus trechos profundos sem serem (em nenhum momento) cansativos revelam até onde a escrita pode chegar em sua jornada abstrata pela alma humana.

The Red Tower - Óleo sobre Tela (Museu Guggenheim)


















quinta-feira, 8 de julho de 2021

O Melhor do Terror dos Anos 80

A Editora Skript vem se notabilizando pela qualidade e cuidado com suas obras. Dialogando de forma muito precisa com os fãs de bons quadrinhos e adaptações das obras de H.P. Lovecraft, a Editora tem buscado colocar todo o acabamento gráfico a serviço da narrativa, promovendo uma experiência de expansão da obra original. Um lançamento que entrou para meu radar cinematográfico no início de 2021 foi O Melhor do Terror dos Anos 80. Como a maioria dos lançamentos propostos pela Editora, a obra foi financiada pela Plataforma de Financiamento Coletivo "Catarse" e foi organizada dividindo-se os filmes ali resenhados levando-se em consideração 5 categorias: Cabanas; Fantasmas; Maldições; Monstros; Slashers. Seguindo os filmes em ordem cronológica (do início da década até seu final), cada um deles é comentado ao lado do seu cartaz. São 80 filmes que nos permitem mergulhar de cabeça em um gênero que teve nos anos 80 uma das décadas mais interessantes e criativas. Uma criatividade movida por baixos orçamentos e uma safra de cineastas imaginativos e inquietos.


As análises foram feitas por um time de 25 pessoas ligadas de alguma forma à 7ª Arte. De uma maneira muito peculiar, O Melhor do Terror dos Anos 80 fala profundamente àqueles que viveram os anos 80 e ao mesmo tempo abre um portal para aqueles que não testemunharam de perto o "espírito" oitentista. Uma década que, justamente em função da ausência da internet, trazia uma "aura" de mistério por traz de cada filme. Isso porque era difícil receber informações precisas de cada lançamento. Embora isso possa parecer algo negativo em se tratando de "marketing" atualmente, na verdade tinha um efeito relativamente contrário para mim. Pelo fato de não conseguirmos devassar uma obra em seus mínimos detalhes (bastidores, elenco, pormenores do lançamento...), ela acabava por cair num território mítico. Fui catapultado diretamente para este sentimento ao ler O Melhor do Terror dos Anos 80.


Passando por obras emblemáticas como O Iluminado, Poltergeist - O Fenômeno, Gremlins e A Mosca, o livro traz também outros filmes excelentes que foram de certa forma esquecidos (ou pelo menos passaram a ser comentados apenas em um círculo mais restrito de fãs), tais como A Pequena Loja dos Horrores, A Morte pede Carona, Phenomena, O Enigma de Outro Mundo, Coração Satânico entre outros. Mas talvez o grande mérito tenha sido trazer uma outra gama enorme de títulos pouco conhecidos e extremamente representativos. Obras que são a quintessência do gênero "terror/horror" na sua concepção artística primordial, a saber: marginalidade, liberdade, contracultura, imaginação e a possibilidade de encarnar os medos e fobias sociais. Dentre essas obras podemos citar O Vingador Tóxico, Um Lobisomen Americano em Londres, Cujo, Natal Sangrento, A Bolha Assassina entre outros.


Como toda boa editora que dialoga com os fãs, não poderia deixar de haver alguns brindes. Dentre eles o check-list que postei acima, além de uma folha no tamanho A4 com os cartazes de todos os filmes resenhados (também acima) e o marca-página frente e verso (acima e abaixo). Para o leitor mais gourmet, no entanto, pode ser que o papel mais simples no qual a obra foi impressa seja um ponto negativo, além do fato dos cartazes em tamanho maior (apresentados ao lado de cada resenha) terem sido impressos em preto e branco. Tenho meu lado gourmet também, porém, ao longo da leitura é interessante notar que tais características se alinham em certa medida com o caráter contra cultural, marginal e de baixo orçamento de muitas obras ali comentadas. Olhando por este lado tais aspectos podem até contribuir para o mergulho no ambiente oitentista.


Emolduram o liveo ótimos textos introdutórios e de finalização onde são colocados interessantes pontos de vista acerca do gênero terror. São eles: Terror, ou o Melhor Amigo/Inimigo do Homem; A Mais Inusitada Reação que o Terror pode Causar; e a própria Apresentação da Obra. A última página traz uma promessa: "Em Breve: O Melhor do Terror dos Anos 90". Se depender de mim esta inciativa seria vitoriosa. E como fã desse gênero sugiro um passo a mais à Editora Skript, quem sabe "O Melhor do Terror dos Anos 70"!!!????

domingo, 5 de julho de 2020

A Ressonância Mórfica e a Presença do Passado - Os Hábitos da Natureza


A Ciência formal moderna se ancora em determinados pilares dentre os quais podemos citar dois: a verificação empírica e seu caráter reprodutível. Traduzindo... 1) a capacidade de se produzir dados relevantes (pesquisa empírica) acerca de algo, e 2) que essa produção de dados possa ser feita outras vezes por outras pessoas (reprodutibilidade) para se atestar sua veracidade. Mas e aqueles fenômenos para os quais a Ciência não tem explicação? Em geral, tais fenômenos são deixados de lado ou então tratados como pseudo-ciência ou simplesmente sugestionados como "fraudes" (não que elas realmente não existam). Mas um dos grande mistérios da vida relaciona-se à "Morfogênese". Por exemplo, em nosso DNA estão contidas as informações para que sejam produzidos os "tijolos" (proteínas) que nos formam. Mas o fato de termos os tijolos não quer dizer que já temos uma "Casa" pronta. É preciso que exista um plano, uma planta da casa, um "script" para que as proteínas saibam como se relacionar entre si para nos construir. Mas de onde vem, ou onde está esse "script"? Aí está uma coisa que a Biologia tem dificuldades de explicar, pois esses "planos" que fazem tudo em nosso corpo se associar para verdadeiramente funcionar, não está contido em nossos "genes" como muitos pensam. O genes, ou nossa genética, apenas possuem as informações para se fabricar os "tijolos".


No início da década de 80 um Biólogo inglês chamado Rupert Sheldrake produziu uma elegante teoria a qual chamou de "Ressonância Mórfica". Por ser uma teoria difícil de ser verificada pela Ciência em seu princípio empírico, a teoria de Sheldrake simplesmente tem sido ignorada ou sido tratada como pseudo-ciência. Porém em seu livro  A Ressonância Mórfica e a Presença do Passado - Os Hábitos da Natureza, Sheldrake ancora sua teoria em bases extremamente científicas, permitindo que o leitor a compreenda de forma até mais viável do que as hoje aceitas teorias existentes acerca da morfogênese. Teorias estas que usam os genes como fonte única de nossa existência. Não precisamos ser experts para perceber uma ordenação incrível em tudo à nossa volta. Abelhas sabem exatamente como extrair o pólen, cupins sabem exatamente como construir suas casas, formigas sabem exatamente como se portar dentro de um formigueiro, grandes mamíferos possuem uma ordenação social e de hábitos que nos deixam boquiabertos. Mas como sabem isso? Em geral jogamos todas nossas fichas nos genes, ou nas moléculas de DNA que, sabidamente, não trazem esses planos morfológicos e comportamentais que tais animais apresentam.


É nesta lacuna incrível deixada pela ciência formal que Rupert Sheldrake estabelece sua elegante teoria. Conforme muito bem explanado em seu livro, Sheldrake chama atenção para os HÁBITOS. Quando um indivíduo, sociedade, povo ou nação desenvolve determinado hábito, é interessante perceber que tal hábito passa a fazer parte dos constituintes daquelas pessoas. Obviamente que há a transmissão cultural de pai para filho, mas evidências mostraram que tais hábitos apareceram em outros povos que não tinham nenhum contato com o povo responsável por primeiramente desenvolve-lo. Isso acontece, inclusive em animais. Na década de 70 foi observado que um grupo de pássaros aprendeu a abrir garrafas de leite deixadas às portas das casas inglesas. Incrivelmente, outros pássaros em regiões muito distantes daquela onde foram registrados os primeiros casos de abertura, também passaram a adotar o mesmo comportamento. O livro de Sheldrake traz inúmeros exemplos como esse. Mas como tal comportamento teria sido transmitido?  


A resposta seria: por ressonância mórfica. O hábito aprendido passaria a se organizar em campos de influência. Assim como existem campos magnéticos (que ninguém vê) mas sabemos que existem, os hábitos seriam alocados em campos de influência ao nosso redor que passariam a influenciar a vida dos integrantes daquela sociedade. Esta memória ou hábito intangível, alocado dentro destes campos de influência (campos morfogenéticos) seriam transmitidos à todos os indivíduos daquela espécie por meio da ressonância mórfica (um eco daquele comportamento). Agora pense em hábitos que foram consolidados por inúmeras sociedades animais e vegetais ao longo de milênios. Hábitos e memórias que se consolidaram em campos e, por conta disso fortaleceram cada vez mais a presença do hábito ou comportamento. Bem... Nesse caso teríamos verdadeiros "scripts" que nos rodeiam e que nos influenciariam a adotar comportamentos que hoje temos individualmente e como espécie. Isso estaria também presente, inclusive no comportamento de células. Por exemplo: como uma pequena célula formado de um óvulo e um espermatozoide sabe que tem que se dividir de determinada maneira para gerar um ser vivo complexo?! Como essa única célula sabe como se dividir e gerar as dobras necessárias para formar nossos órgãos internos (base para a ciência da embriologia)!? Segundo Sheldrake, as primeiras células de seres vivos adotaram determinados caminhos que, após serem trilhados centenas de bilhões de vezes, conduziram a formação de uma campo de influência, um campo mórfico, um "script" para aquelas células.

Creodo (caminho obrigatório)

A vida estaria, portanto, organizada e sendo influenciada a seguir caminhos obrigatórios (creodos) que se consolidaram a partir dos campos mórficos. Na imagem acima temos um exemplo do que seria um creodo. Percebe-se que há uma esfera (ou célula) que possui alguns caminho a seguir para se transformar em algo. Mas qual caminho trilhará? A célula ou esfera (no caso da figura) percorreria o caminho que foi trilhado mais vezes e se aprofundou ao longo do tempo. Como uma trilha em um campo que de tanto ser percorrida formou ali um vale. Na visão científica mecanicista as leis da natureza seriam eternas mas, segundo Sheldrake, não é que são eternas, mas é que determinados caminhos foram percorridos tantas vezes que foram estabilizados e, portanto, nos parecem imutáveis. Estes creodos, ou caminhos obrigatórios, estariam presentes em tudo à nossa volta, até mesmo nos fenômenos físicos e químicos, explicando porque determinados átomos se juntam de determinadas formas para formar determinada molécula. Por exemplo: quem ensinou o oxigênio a se associar à dois átomos de hidrogênio para formar a água? Segundo a teoria da Ressonância Mórfica ou Causalidade Formativa o oxigênio tem esse comportamento porque depois de ter se associado inúmeras vezes com dois  átomos de hidrogênio, consolidou-se ali um hábito, ou campo de influência forte, ou caminho obrigatório (creodo), facilitando o aparecimento subsequente da mesma reação.

Diagrama representativo do ordenamento proposto por Rupert Sheldrake

Este entendimento torna a vida à nossa volta muito mais rica, poderosa e interessante em contraponto à teoria mecanicista das leis eternas da natureza. Ao nosso redor há bilhões de campos que nos influenciariam em relação à nossos comportamentos e ações em âmbito social, cultural, químico e físico. No diagrama acima podemos ver que os Campos Morfogenéticos influenciariam os organismos vivos (ou seja, nós e tudo à nossa volta), mas também seriam influenciados por eles. O ambiente à nossa volta também seria fonte de influência e poderia, por exemplo, alterar os campos morfogenéticos. Quem nunca viu notícias de fenômenos da natureza que forçaram nações inteiras a mudarem seus hábitos? Por fim, o papel atribuído ao gene fica muito claro no diagrama, ou seja, ele se comporta como nosso "HD", ou seja, carregam as informações dos "blocos" ou "tijolos" que precisam ser fabricados, mas o plano de construção viria dos campos mórficos ou morfogenéticos. Desta forma, assim como um campo eletromagnético influencia a maneira como um elétron deve se comportar, assim também o campo mórfico influenciaria o comportamento daquela estrutura animal/vegetal, elemento químico ou processo físico. Nos libertaríamos, enfim, do determinismo imutável das leis físicas estanques. Expandindo esta reflexão, obviamente, isso em nada fere à crença pessoal das pessoas em um Ser Superior (como no meu caso que sou cristão). Mas pelo contrário, expande esta compreensão e a catapulta para um maior maravilhamento.

Incrível estrutura do lar de Cupins do Campo - Permite a ventilação e abastecimento rápidos

Extrapolando agora a teoria de Sheldrake, eu conseguiria finalmente responder, por exemplo à reflexão do androide Roy Batty, personagem do ator Rutger Hauer no final do filme Blade Runner - O Caçador de Androides de Ridley Scott de 1982. Em seus minutos finais de existência o poderoso androide conversa com o detetive Rick Deckard, personagem de Harrison Ford, e diz: 

"Eu vi coisas que vocês, humanos, nem iriam acreditar. Naves de ataque pegando fogo na constelação de Órion. Vi Raios-C resplandecendo no escuro perto do Portão de Tannhäuser. Todos esses momentos ficarão perdidos no tempo, como lágrimas na chuva. Hora de morrer...."

Existiria um contexto muito maior em nossa existência. Um contexto que reverberaria à nossa volta por meio da ressonância mórfica, organizado em campos nos quais, possivelmente nossa existência estaria atrelada. Os hábitos de comportamento e, possivelmente de pensamento, de toda a humanidade (e da vida como um todo) estariam contidos nos inúmeros campos mórficos que nos rodeiam. Talvez, quem sabe, as memórias tão caras ao androide Roy Batty.


Alguns autores tem se servido das ideias de Sheldrake e construído narrativas excepcionais, como é o caso de Alan Moore e sua passagem pelo personagem Monstro do Pântano na década de 80. Uma obra que entende a modelagem da vida à nossa volta a partir de uma estrutura intangível organizada. No caso, do Monstro do Pântano, a consciência "verde" ou, conforme Sheldrake diria, "os campos mórficos que estabilizam o mundo vegetal à nossa volta". Alan Moore trata o "verde" com um respeito sagrado, e personifica na figura do Monstro esta sacralidade eterna e viva. Uma obra que todos deveriam conhecer (para conhecer mais sobre ela clique aqui e aqui). Uma outra obra, esta sim científica, que recomendo e que dá suporte às teorias dos Campo Morfogenéticos, é o recente livro do Engenheiro Florestal alemão Peter Wohlleben, "A Vida Secreta das Árvores - O que elas sentem e Como se comunicam". Um livro maravilhoso que nos desperta para um respeito sagrado pela vida vegetal, nos mostrando evidências científicas acerca da milenar "vida", "sentimentos" e "comunicação" das árvores. Seres que vivem sob a perspectiva de uma outra passagem de tempo e que, por isso, sempre foram percebidas pela maioria das pessoas como mero ornamento. 

Nebulosa de Órion a cerca de 1500 e 1800 anos-luz do Sistema Solar

Concluindo, as ideias apresentadas por Sheldrake me explicam, particularmente, muitas coisas. Especificamente memórias, ou melhor, sensações que sempre me aparecem e que não exatamente parecem fazer parte da minha estrutura mental pessoal. Mas de onde viriam? Não seria estranho pensarmos que somos rodeados de uma vida pulsante, milenar e cheia de experiências passadas e consolidadas nos campos mórficos que nos rodeiam. Talvez precisássemos ter apenas o "radar" ou "instrumentos" corretos para captar estes ecos. Em seu onírico livro O Oceano no Fim do Caminho, Neil Gaiman traz uma maravilhosa estória onde a figura do oceano personificaria (em minha interpretação) esta vastidão de vida intangível à nossa volta. Talvez precisássemos apenas ser mais humildes para percebe-la.

segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

O 100º Aniversário de Isaac Asimov. O que temos no Brasil hoje?


No dia 02 de Janeiro de 1920 nacia em Petrovichi, Rússia, Isaak Yudavich Azimov, o nosso Isaac Asimov. Escritor prolífico, Asimov ajudou a moldar a face da Ficção Científica no século XX escrevendo livros que viriam a figurar entre as maiores obras de ficção e fantasia de todos os tempos. O autor escreveu ou editou aproximadamente 500 livros durante sua vida e, embora eu não conheça todos (obviamente), posso dizer que sou seu fã. No Brasil, atualmente, Asimov está nas competentes mãos da Editora Aleph, que vem lançando obras importantes (em uma velocidade que poderia ser maior pensando como fã). Em comemoração ao seu 100º aniversário de nascimento, este post visa trazer o que temos hoje do autor no Brasil em se tratando de livros impressos em circulação em português, excluindo e-books ou livros já publicados há muito tempo e que estão hoje fora de catálogo.

Deixarei links para compra na Amazon (caso você tenha interesse). Comprando pelo link você ajudará o Blog a manter sua periodicidade e qualidade. 

Começarei pela obra mais importante de Asimov (em minha opinião) atualmente em circulação no Brasil: A Saga Fundação. Nas imagens abaixo você verá os livros e a sequência de leitura que recomendo para a obra.

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Livro 1 - Fundação: https://amzn.to/2FlnhaV

Livro 2 - Fundação e Impériohttps://amzn.to/35oTZCF

Livro 3 - Segunda Fundaçãohttps://amzn.to/2ZTi9nC

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Trilogia Fundação Volume Único: https://amzn.to/2QOJIKS

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Livro 4 - Limites da Fundaçãohttps://amzn.to/2ZSz6Ph

Livro 5 - Fundação e Terrahttps://amzn.to/2tCJOwZ

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Livro 7 - Origens da Fundação: https://amzn.to/2sFDGnT

Box Fundação - Declínio e Ascenção: https://amzn.to/39KxawP

Além da Saga da Fundação, outra importante série do autor trata de um de seus temas mais frequentes, Robôs. A Série dos Robôs é constituída de 04 livros, As Cavernas de Aço, O Sol Desvelado, Os Robôs da Alvorada e Robôs e Império, dos quais apenas os 3 primeiros possuem edição atual no Brasil pela Aleph. Porém, acredito que o 4º livro (Robôs e Império) deva estar nos planos da editora.

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Livro 1 - As Cavernas de Aço: https://amzn.to/2ujSKrv

Livro 2 - O Sol Desvelado: https://amzn.to/37BVTBi

Livro 3 - Os Robôs da Alvorada: https://amzn.to/2ZT1ZLa

Os livros abaixo são independentes e, embora Asimov tenha, mais para o fim de sua vida, vinculado todas as tramas que escreveu à um mesmo Universo coeso, ou seja, todas suas histórias se passariam no mesmo universo ficcional em momentos distintos, os livros abaixo podem ser lidos sem qualquer preocupação cronológica. É muito interessante, no entanto, o leitor tentar descobrir em que momento determinada história do autor se passa no vasto período de tempo do Universo Asimoviano.

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Pedra no Céu: https://amzn.to/2tvPtoT

Eu, Robô: https://amzn.to/2uoEUEt

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Os Próprios Deuseshttps://amzn.to/2ZUtuny

Bem amigos, isto é o que temos de Asimov atualmente no Brasil pela Editora Aleph. Existem outras edições do autor (disponíveis em sebos) lançadas no passado por outras editoras circulando em nosso país. No entanto, no que se refere à edições recentes e modernas, é isso. Que a Editora Aleph tenha vida longa e traga muito mais do autor. Este é meu desejo para a editora em tempos de reinvenção do mercado editorial brasileiro.

Gde. Abc.

segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

Viagem Literária - 2019


Olá amigos, este ano iniciei minha viajem literária me aprofundando no interior da rede mundial de raízes. Isso mesmo, em A Vida Secreta das Árvores pude me aprofundar em uma consciência abrangente, viva, verde e pulsante! Continuei minha viagem ao lado do personagem Ragle Gumm no livro O Tempo Desconjuntado de Philip K. Dick, investigando a possibilidade da realidade em que vivemos ser apenas um simulacro. Depois, mergulhei em uma jornada lisérgica ao ler As Portas da Percepção de Aldous Huxley, livro que instigou uma geração inteira a expandir sua consciência por meio de experiências com alucinógenos. Com a aproximação do lançamento da continuação cinematográfica de O Iluminado, li Doutor Sono do Mestre Stephen King. Logo depois, acompanhei um experimento para expandir a inteligência de alguém com um QI muito baixo no livro Flores para Algernon. O filme Interestelar me tocou profundamente quando foi lançado por enxergar o tempo de uma forma que eu sempre achei possível, por isso quando a adaptação literária do roteiro saiu no Brasil não pude deixar de ler Interestelar - O Livro. Por fim, mergulhei fundo em uma aterradora casa mal assombrada em A Maldição da Casa da Colina, viajei para fora da Terra em uma estranha experiência cósmica em Além do Planeta Silencioso e terminei o ano ao lado dos delírios da brilhante mente de Philip K. Dick na biografia Eu Estou Vivo e Vocês Estão Mortos. Refaçam comigo agora esta viagem! Caso se interessem por alguma destas obras deixarei o link para compra na Amazon. Se comprarem pelo link estarão ajudando o Blog em sua jornada!


Instigado pela estranha visão do escritor Alan Moore em sua passagem pelas histórias em quadrinhos do Monstro do Pântano, sempre tive vontade de investigar mais a fundo o que a ciência diz a respeito das árvores como seres vivos. Teriam elas uma consciência coletiva? Viveriam sob uma outra perspectiva do tempo-espaço e por isso mesmo inacessíveis à nós? Se comunicariam? O livro A Vida Secreta das Árvores do Engenheiro Florestal Peter Wohlleben responde praticamente a todas essas perguntas e para nosso espanto a resposta é "SIM" para todas elas. O livro nos dá uma perspectiva totalmente diferente da botânica e nos envergonha pelo fato de tratarmos de forma tão displicente estes seres que dividem conosco esta grande nave espacial que é nosso planeta.



Um dos temas mais recorrentes na obra de Philip K. Dick é a natureza da realidade. Viveríamos em uma Matrix? Estaríamos apenas sonhando uma realidade? O Tempo Desconjuntado é uma obra ainda do início da carreira de Dick que traz a experiência de um homem (Ragle Gumm) que vive em uma pequena e pacata cidade norte-americana nos anos 50. No entanto, detalhes muito sutis vão preenchendo a mente de Gumm com a ideia cada vez mais clara de que tudo não passa de um simulacro, ou seja, tudo é "fake". O próprio autor, Philip K. Dick, vivia sob esta ideia e, neste livro, acompanhamos seu personagem (que poderia muito bem ser apenas um alter ego do autor) em um grande esforço para descobrir o que há por trás da cortina.



Aldous Huxley, autor de Admirável Mundo Novo escreveu As Portas de Percepção para contar suas experiências com drogas alucinógenas. O livro influenciou uma legião de pessoas nos anos 60 ao validar o uso controlado de substâncias como indutoras de uma percepção maior e melhor da realidade à nossa volta. Bandas como The Doors, por exemplo, tinham esse livro como grande obra de inspiração. Huxley parte do princípio que nosso cérebro evoluiu de maneira a funcionar como um filtro para nos proteger de uma maior percepção da realidade, algo que poderia até nos esmagar tendo em vista tudo que nos cerca. Determinadas substâncias (usadas inclusive em rituais místicos) seriam uma forma (mas não a única) de minimizar o efeito limitador de nosso cérebro, nos libertando para uma maior percepção. Gostei muito do livro que traz um 2º ensaio complementar do autor acerca deste tema chamado Céu e Inferno. Uma obra para ser lida e contextualizada.



Stephen King revela no prefácio de Doutor Sono que sempre quis saber o que teria acontecido com o pequeno Danny Torrance, o iluminado de seu livro de 1976. Em Doutor Sono o autor finalmente resolve dar vazão à sua criatividade e encontra o destino de Danny. Gostei do livro e consegui enxergar o bom e velho King nesta continuação. As primeiras páginas conseguem dar uma ideia do que aconteceu com Danny logo após os eventos no Overlook Hotel para logo nos apresentar um Danny já crescido, por volta de seus 40 anos. Alguém sofrido e sem destino por não conseguir lidar com seu dom e com fantasmas que o acediam. King se aprimorou no uso de metáforas para descrever sentimentos e emoções, e como saldo final Doutor Sono é uma continuação à altura do original, embora, obviamente não o suplante. Mas isso é natural em sequências de grandes obras como foi O Iluminado.



Flores para Algernon é um delicado e pungente relato da vida de Charlie, um homem com um intelecto muito abaixo da média e que viveu sua vida servindo de chacota para os outros. Alguém que, em sua ignorância infantil, nunca percebeu isso. O sonho de Charlie é se tornar inteligente e para isso acaba servindo de voluntário para uma experiência que conjuga uma avançada técnica cirúrgica e psicoterapia. O resultado é um incremento absurdo em seus níveis de inteligência. Um aumento tão gigantesco que até mesmo os cientistas que o trataram passam a ser limitados diante de Charlie. O autor do livro, Daniel Keyes, adota a estratégia de narrar a história pela perspectiva de Charlie, revelando a montanha russa de emoções a que o personagem é submetido ao reinterpretar tudo o que fizeram com ele desde que era criança. É um livro muito bom e que foi adaptado para o cinema em 1969 com o título de CHARLIE, rendendo Oscar de melhor ator para Cliff Robertson (sim ele mesmo, o Tio Ben do 1º filme do Homem-Aranha do Diretor Sam Raimi). Flores para Algernon também ganhou o aclamado prêmio Nebula Awards em 1967, ou seja, uma obra realmente singular.



Sei que não foi para todos que o filme Interestelar foi bom, mas no meu caso houve uma conexão muito profunda com a obra, sobretudo em função da forma com que pude ver, pela primeira vez, algumas ideias que eu tinha acerca das dimensões do universo e sua relação com o tempo serem narradas. A história mostra que há coisas que transcendem o tempo, e mais, apresentam a deformidade do tempo, espaço e seus efeitos na frágil espécie humana. Talvez o ponto mais importante para mim foi a experiência do astronauta Cooper dentro do Buraco Negro Gargântua, de onde pôde observa seu próprio passado. A trilha sonora de Hans Zimmer emoldurou e potencializou perfeitamente a experiência que tive no cinema. Por isso foi natural que quando a adaptação do roteiro saiu em livro (Interestelar - Editora Gryphus) eu me interessasse. Se você foi tocado pelo filme como eu, sugiro fortemente a leitura do livro, pois por meio dele pude me aprofundar em cada nuance da história.




Quando vi que o livro A Assombração da Casa da Colina de Shirley Jackson seria adaptado para a TV em formato de série pela NetFlix, decidi que era hora de ler o livro antes de ver a série. Prática esta que acho sempre conveniente, já que gosto de ter a minha opinião acerca de uma obra, e não ser influenciado pela visão do diretor. O livro conta a história de um experimento psicológico conduzido por um cientista no qual algumas pessoas são convidadas a passarem um tempo em uma casa sabidamente assombrada. A obra foi adaptada outras duas vezes para o cinema, uma em 1963 no filme Desafio do Além e outra em 1999 com o nome A Casa Amaldiçoada. O livro termina de uma forma estranha e confesso que fiquei com certa dúvidas acerca de algumas coisas. Mas talvez seja esta a intenção da autora, ou seja, deixar o leitor com dúvidas acerca da natureza da casa. De qualquer é um livro celebrado por grandes mestres do gênero, inclusive Stephen King, que classifica o livro como a melhor obra de casa mal assobrada que ele já leu. Vale a pena conferir.




Desde muito jovem eu ouvira falar de uma certa obra de C.S. Lewis envolvendo ficção científica. Assim, sempre tive o desejo de um dia ver esta obra ser lançada no Brasil. Há algum tempo fiquei sabendo que a Trilogia Cósmica, da qual Além do Planeta Silencioso é o primeiro livro, foi uma obra fruto de uma aposta entre C.S. Lewis e seu amigo J.R.R. Tolkien (sim, ele mesmo, o autor de O Senhor dos Anéis). Na aposta um escreveria sobre viagem no tempo e o outro sobre ficção científica. Para Lewis caiu este último tema. Além do Planeta Silencioso consegue associar temas espirituais de forma muito sutil à uma trama envolvente acerca de uma viagem à um Planeta que depois ficamos sabendo se tratar de Marte, ou Malacandra, na língua local. Mas o Planeta Silencioso do título não é Malacandra, mas sim o Planeta Terra, que o leitor será levado a entender porque. Para quem tem o mínimo de experiência espiritual ou alguma referência cristã, a obra é simplesmente excelente. Caso esse não seja seu caso, ela funciona tão bem quanto obras como a de Edgar Rice Burroughs, Uma Princesa de Marte, em que são narradas as aventuras de John Carter. Recomendo muito Além do Planeta Silencioso para entendermos qual era a visão de Lewis (da qual eu partilho) acerca do plano cósmico.



O que filmes emblemáticos como Blade Runner - O Caçador de Androides, O Vingador do Futuro, Minority Report e séries como O Homem do Castelo Alto e Sonhos Elétricos teriam em comum? Na verdade todas estas histórias saíram da mente inquieta, delirante, brilhante e paranoica de Philip K. Dick. Escritor prolífico de ficção científica que passou a vida em busca do significado da realidade e do papel do ser humano em meio à tudo. Philip, morto em 1982, passou por uma experiência mística em 1974 a partir da qual formulou uma grande teoria apresentada na França em 1976 em um congresso de escritores de ficção científica. Em seu discurso, para uma plateia boquiaberta, o autor dava como certo a ideia que vivemos em uma Matrix, em um simulacro da realidade. Em Eu Estou Vivo Você Estão Mortos, o francês Emmanuel Carrè nos traz uma biografia excelente, uma tentativa de esquadrinhar a mente ao mesmo tempo paranoica, atormentada e brilhante de Dick. Um livro imprescindível para todo fã do autor ou de sua obra!


Bem amigos, caso desejem informações mais específicas (mas sem spoilers) acerca de cada livro acima, fiz posts específicos de quase todos. Para acessa-los basta clicar sobre o nome dos livros (em vermelho). E você? Qual foi a sua viagem literária em 2019? Deixe aqui nos comentários! Desejo à todos um feliz ano novo e um excelente 2020, ano em que o Blog Marcelo - Antologias fará 10 anos de existência.

Abraços à todos!!

domingo, 22 de dezembro de 2019

Eu Estou Vivo e Vocês Estão Mortos


Paranóico, lúcido, brilhante, imaturo, perspicaz, confuso, visionário, obtuso, profético e, acima de tudo genial, Philip K. Dick já foi chamado pela escritora Úrsula K. LeGuin de Jorge Luis Borges da ficção científica. Mas como alguém pode ter tantos adjetivos contraditórios e ser reconhecido desta forma? Por muitos anos  enxerguei Dick como uma lenda da ficção científica (e ele realmente o é) que avançou para campos polêmicos em seus livros, tais como: Qual a verdadeira natureza da realidade? Vivemos em uma Matrix? Quais atributos fazem de nós seres humanos? Podemos sair da caverna para a verdadeira realidade para a qual fomos criados? Dick fez parte de um tipo de sub gênero da ficção científica conhecido como New Science Fiction. Um subgênero do qual a própria Úrsula K. LeGuin e autores como Robert A. Heinlein fizeram parte, e que usava a ficção científica para abordar questões filosóficas e até espirituais. Lançado no Brasil pela Editora Aleph há algum tempo, o livro Eu Estou Vivo e Vocês Estão Mortos do francês Emmanuel Carrère se propôs a mergulhar fundo na psiquê do escritor. Na minha estante há um bom tempo, o livro me convidava a mergulhar no universo que foi a mente de Dick. Finalmente percebi que era a hora de descobrir quem realmente ele foi, além de tentar entender a mística experiência cristã que ele alegava ter passado.


Caso você não tenha reconhecido, Philip K. Dick, falecido em 1982, é a mente por trás de histórias que ajudaram a dar forma à boa parte do imaginário ficcional moderno, abordando questões profundas e filosóficas. Só para citar alguns de suas obras que viraram filmes: Blade Runner - O Caçador de Androides de 1982 (baseado no livro Androides Sonham com Ovelhas Elétricas?); Minority Report de 2002 (baseado em um conto de mesmo nome); O Vingador do Futuro de 1990 (baseado no conto We Can Remember It for You Wholesale); a série Sonhos Elétricos de 2018 (baseado no livro de mesmo nome), entre outros. Inquieto e paranoico, Dick construiu ao longo da vida uma densa malha de conjecturas a respeito de si próprio e da realidade ao nosso redor. O livro de Carrère vai fundo nesses delírios e apresenta-os dentro da lógica do autor, segundo a qual existem significados profundos nas pequenas idiossincrasias de nosso dia a dia, como um programa de computador de uma Matrix que eventualmente passa por falhas. Caso você tenha percebido alguma similaridade entre esta forma de pensar e o filme MATRIX, já adianto que o filme dos Irmãs Wachowski com Keanu Reeves no papel principal foi lançado em 1999, enquanto as ideias de Dick surgiram nos anos 60 e 70.


Dick era gêmeo da pequena Jane, irmã que faleceu ainda bebê em função da falta de orientação de sua mãe que não complementava a alimentação da filha. Assombrado por isso a vida inteira, Dick já mostrava sinais de uma imaginação fértil e uma inteligência ímpar ainda criança. Capaz de entreter uma plateia facilmente com seu carisma, ele se divertia em defender pontos de vista e, ao convencer seus interlocutores acerca de alguma questão, mudava de opinião imediatamente, deixando a todos desnorteados. Desde cedo ele enveredou pela dependência de medicamentos, o que se aprofundou com a consolidação de seu status de escritor. Embora sonhasse com um lugar na literatura dramática (gênero adotado e reconhecido como "literatura séria" pelos acadêmicos desde sempre), foi na ficção científica que ele percebeu que conseguiria dar vazão às suas conjecturas. Ainda jovem, um de seus primeiros livros de sucesso O Homem do Castelo Alto, foi sucedido por uma estranha experiência na qual foi surpreendido por um imenso e medonho rosto que o observava do céu. Esta experiência, que se repetiria algumas vezes, o aproximou da fé cristã, para a qual se converteu e foi fiel (dentro de seu modo de pensar) até sua morte.


O livro de Carrère nos permite mergulhar na mente de Dick a partir de seus livros, ou seja, é possível entender a evolução do pensamento do autor a partir do que cada livro aborda. Em O Tempo Desconjuntado de 1959, por exemplo, percebemos que nossa realidade pode ser simplesmente um simulacro universal, temática que evoluiria em seus livros na década de 60. Como parte de seus questionamentos e consequente evolução deles, em Androides Sonham com Ovelhas Elétricas? de 1968, Dick escreve mais que um livro, escreve um tratado de teologia cibernética com direito à profundos questionamentos filosóficos. O sucesso do filme derivado, Blade Runner, apenas confirma a qualidade dos delírios/conjecturas do autor. É muito prazeroso acompanhar o desenvolvimento da mente de Dick, e conseguir enxergar seu reflexo em sua obra. Mas toda esta criatividade viria acompanhada de casamentos desfeitos (em geral pela imaturidade emocional de Dick) e pela paralisante convivência com pessoas complicadas. Durante uma grande fase dos anos 60/início de 70 o autor ficaria em companhia de drogados. O próprio Dick sempre fizera uso, dentre os vários medicamentos, de anfetaminas e metanfetaminas.


Mas foi em 1974 que ele passaria por uma experiência única pela qual Deus havia se comunicado com ele. Dick sempre fugiu de nomear Aquele que lhe contatou como Deus, pois sabia da conotação religiosa e fanática que essa declaração poderia sugerir nas pessoas. Por isso preferia chama-Lo de outros nomes que não vou mencionar aqui para não entregar spoilers da biografia. A experiência é descrita no livro de Carrère e é moldada a partir de sonhos, imagens, visões e línguas que chegavam a Dick. Carrère procurou manter uma postura de respeito diante da experiência, mas não deixa de apresentar as diversas medicações (o que poderia explicar o que aconteceu) que Dick fazia uso. O que, de certa forma, não invalidaria a legitimidade das possíveis teofanias. A partir de destas experiências Dick passaria a entender porque teria escrito o que escreveu em seus livros anteriores, passando a considera-los mensagens a serem entregues ao mundo, mensagens acerca da grande conspiração que estaria por trás do simulacro de realidade no qual vivemos. Não à toa, ele passaria a se sentir perseguido por pessoas que, ao seu julgamento, não queriam que tal verdade fosse conhecida das pessoas.


Toda esta sensação de perseguição de Dick foi validada pela forma como foi desmascarado o então presidente Norte-Americano à época, Richard Nixon. Toda investigação que desembocou em seu processo de Impeachment validava as várias teorias de Dick a respeito de agentes que operam à nossa revelia para nos manter em um estado de ignorância a respeito de quem somos. Em todo esse contexto vale ressaltar que Dick acreditava na divindade de Jesus Cristo e entendia sua vinda à Terra como parte do plano de Deus para nos salvar de uma mentira que sempre nos corrompeu enquanto humanos. E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará, fazia todo sentido dentro da perspectiva de vida de Dick. Ao longo dos anos 60, ele arrebanhou diversos admiradores de vanguarda, que viam em sua visão ímpar, o ressoar da contracultura que se instalava na América. Por exemplo, o ressignificar de dogmas e modelos de pensamentos arcaicos. Mas este mesmo grupo de vanguardistas o abandonou quando ele passou a defender sua visão de mundo em que Deus passava a ter protagonismo em suas ideias. Isto ficou claro em um histórico discurso que Dick fez na França à convite de escritores para discursar em uma Universidade, onde revelou como realidade o fato de vivermos em uma matrix, e citou a Bíblia em vários momentos do discurso.


Obviamente minha interpretação da visão de Dick aqui é muito simplória e superficial, se considerarmos o espaço que tenho e o objetivo do post. Fica fácil de entender, por exemplo, a reação de rejeição de seus fãs diante do acirramento de seus posicionamentos delirantes adotados na segunda metade da década de 70 a respeito do grande plano de Deus. Não posso deixar de dar minha opinião, no entanto, do que acho da mente de Dick, concorde você comigo ou não. Acredito que a visão dele era única dentro de uma teologia pessoal, e que seus sentimentos eram, apesar de confusos, genuínos e honestos na busca de um sentido maior para a vida. Nesse sentido, Philip parecia dar mais valor à sacralidade de sua busca do que à fama derivada dela. Isso o coloca acima de vários autores, infelizmente muito mais interessados em chocar seu público e polemizar assuntos em benefício próprio. Dick realmente queria descobrir o sentido das coisas, sua busca era honesta e verdadeira, e isso já o coloca acima de uma legião de escritores.


Talvez exista mesmo uma mensagem escondida no conjunto de sua obra. Algo que deva ser ainda decodificado e nos coloque dentro de uma percepção nova a respeito de quem somos e de nosso lugar em meio à tudo. Eu Estou Vivo e Vocês Estão Mortos é um livro que não exclui os pontos fracos e fragilidades de Dick, e talvez justamente por isso eleve suas ideias.

Recomendo muito o livro de Carrè, e caso alguém se interesse, deixei o link na Amazon que está com ótimos preços. Se você for compra-lo, faça pelo link aqui do Blog, assim você estará ajudando na sua manutenção.


Um grande abraço à todos!
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