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sábado, 18 de novembro de 2023

Pílula Literária #16: Amityville - 1977


Escrito em 1977 pelo escritor e roteirista Jay Anson, o livro Amityville narra, dia a dia, as 4 semanas durante as quais a família Lutz morou no Nº 112 da Avenida Ocean Drive em Amityville, Long Island, EUA. O momento em que Anson decidiu escrever o livro ainda guardava muita proximidade dos acontecimentos vivenciados pelos Lutz no inverno de 1975. Mas para entendermos um pouco o que aconteceu realmente em Amityville temos que retornar para o ano de 1974, mais precisamente 13 de novembro de 1974. À época a casa era habitada por outra família, os DeFeo. Nesse fatídico dia, Ronald DeFeo, o filho mais velho da família, pegou um rifle de grosso calibre e matou seus dois irmãos mais novos, suas duas irmãs mais novas e seus pais. Todos chacinados enquanto dormiam. Condenado à prisão perpétua, Ronald disse várias vezes durante seu julgamento que fora fortemente influenciado por vozes que habitavam a casa para que executasse os assassinatos. Pouco mais de 01 anos depois, no dia 18 de dezembro de 1975, George Lee Lutz de 28 anos, um ex-fuzileiro naval, dono de uma empresa de agrimensura, mudou-se para o Nº 112 da Ocean Drive aproveitando a pechincha pela qual a casa estava sendo vendida. Embora George soubesse do terrível crime que a casa fora palco, sua personalidade pragmática não levou isso em conta. Assim, George, sua esposa Kathleen (Kathy) de 30 anos, e os filhos de Kathy (que George assumira como seus), Christopher de 7 anos, Daniel de 9 e Melissa (Missy) de 5 mudaram-se com grandes expectativas e planos. O livro de Jay Anson segue então os acontecimentos vivenciados pela família Lutz nos 28 dias que ali estiveram, quando em 14 de janeiro de 1976 foram obrigados a saírem correndo da casa apenas com a roupa do corpo, deixando todos seus pertences para trás, apenas carregando a ideia fixa de jamais pisarem o local. O caso Amityville (como passou a ser chamado) viria a ser alvo de filmes e derivados, sempre explorando o terror e o sobrenatural. Mas para saber o que realmente aconteceu lá, Anson baseou seu livro no extenso material gravado pelos Lutz no qual descreveram todas as experiências ali vividas. O relato da família foi corroborado por policiais que estiveram envolvidos tanto no caso dos DeFeo quanto no dos Lutz. Além dos policiais, o padre Frank Mancuso, sacerdote que abençoara a casa por ocasião da entrada da família no dia 18 de dezembro de 1975, não apenas atestou o relato da família como também sofreu terríveis experiências pessoais (descritas no livro) de natureza espiritual em retaliação ao seu envolvimento com "seja lá o que" habitava a casa. O número 112 da Ocean Drive ainda existe, muito embora os atuais habitantes tenham solicitado a mudança de número na tentativa de despistar os inúmeros curiosos que até hoje vão ao local. Inesperadamente como começara, a casa deixou de manifestar a presença que ali esteve à época dos DeFeo e dos Lutz. De forma muito curiosa, entretanto, todos os acontecimentos ali relatados coincidem em muito com aquilo que foi observado em outros locais do mundo, conforme descritos em interessantes livros como Assombrações do Recife Velho (1955) de Gilberto Freire, 1977 - Relatos Sobrenaturais - O Caso Enfield (1980) de Guy Lyon Playfair e Demonologistas (1980) de Ed & Lorraine Warren. Mergulhos em realidades estranhas e aterradoras.

A Família Lutz

quarta-feira, 15 de novembro de 2023

Pílula Gráfica #33: O Vale do Terror (2019)


Lançada de 2016 à 2020, A Coleção Tex GOLD da Editora Salvat não para de surpreender. Muito provavelmente porque para mim foi meu ponto de entrada no Universo Texiano. Em o Vale do Terror (La Valle del Terrrore), edição Nº 26 da coleção, Cláudio Nizzi coloca Tex Willer e seu amigo Kit Carson no rastro de uma seita de fanáticos que cometem assassinatos cruéis e violentos. Porém, esta narrativa cairia no lugar comum não fosse vários elementos da história. Além da costumeira sagacidade de Tex, a arte do saudoso Roberto Raviola (desenhista italiano mais conhecido como Magnus) salta aos olhos, sobretudo na concepção das paisagens, das cenas amplas, da arquitetura das construções e da ambientação interna. Não conhecia muito seu trabalho, mas a concepção artística de Magnus brilha a cada página. Considerando que este é um dos últimos trabalhos do artista, a história também serve como uma despedida. Mas há mais em O Vale do Terror. Um peculiar aventura em que TexKit se envolvem em uma investigação dentro de um núcleo familiar. Um microcosmo dentro do qual o ranger e seu amigo, acostumados com embates diretos com seus inimigos, têm agora que administrar uma investigação em um contexto de afetos, perdas, desilusões e brigas familiares. Um terreno minado e de difícil manobra. Cláudio Nizzi é mesmo um grande roteirista, pois constrói a narrativa fornecendo ao leitor um ambiente crível e passional. A concepção de uma das principais vilãs da história é incrível. A sensual, ardilosa, fiel e violenta chinesa May-Ling. Governanta da casa de Victor Sutter, antigo magnata do Vale do Rio Yuba e que agora amarga uma ruína financeira, May-Ling entende a dor e a raiva de seu patrão que foi levado à derrocada financeira por famílias que contribuíram para sua situação. Como governanta, ela compra a vingança de Sutter e se alia à misteriosa e cruel seita. Uma verdadeira teia de intrigas e dramas dentro da qual Willer e Carson se veem enredados. E tudo, como já mencionado, emoldurado pela excelente arte de Magnus. Concebida inicialmente em preto e branco, O Vale do Terror saiu colorizado para esta coleção. Algo que em minha opinião deu muito certo, muito embora para alguns isto possa deslegitimar a originalidade artística de Magnus. Embora este seja apenas mais um volume dentro da Coleção Tex Gold, eu poderia dizer que é um dos pontos altos de minhas leituras de 2023.




domingo, 12 de novembro de 2023

Pílula Gráfica #Especial 2: Dose Tripla


A pílula gráfica especial de hoje será voltada para três obras bem diversas entre si. Monolith publicada no Brasil em fevereiro de 2020 pela Panini, Sonhonauta e Vida nas Sombras, ambas publicadas pela Editora Conrad no ano de 2022. Meu comentários, entretanto, seguirão a minha ordem de leitura.


Sonhonauta é um quadrinho autoral do artista Shun Izumi. A obra traz Mendel, um cara comum que começa a sofrer da difícil situação de misturar seus sonhos com a realidade à sua volta. Em seu delírio, Mendel se lembra de um grande amor de um possível passado que foi assassinada brutalmente. Alternando realidade e fantasia, o protagonista tenta separar o que é ou não real e vai juntando as peças ao seu redor para tentar compor um cenário minimamente razoável. A arte é do próprio Izumi, que produz um traço diferente à cada capítulo, buscando com isso trazer estranhamento e dissociação ao leitor. Esta estratégia custou grande trabalho à Izumi, como ele mesmo descreve ao final da obra. A arte cumpre este papel, embora particularmente eu pouco aprecie a estilização extrema que por vezes ocorre ao longo da narrativa. O desfecho final traz a trama para realidade, ancorando-a à eventos do mundo real, embora eu buscasse algo mais transcendente. De qualquer forma Sonhonauta atende à uma ampla gama de leitores, tendo sido uma obra que chamou atenção à época de seu lançamento em 2020, época em que a pandemia pelo novo coronavírus estava em ascensão, algo que exerce influência de certa forma na narrativa do autor.


"Se a morte chegar mais cedo, jogue sujo!". Com esta frase Vida nas Sombras busca um retrato da finitude da vida tendo como epicentro a idosa e viúva Kumiko de 76 anos. Colocada no asilo pelas filhas que querem maior proteção, segurança e cuidados para a mãe, Kumiko não se adapta à vida do local. Esta pequena sinopse já ocorre na primeira e segunda páginas da história. A protagonista foge e invade um apartamento (essa parte não é bem explicada) e passa a morar ali sem avisar para ninguém, o que causa pânico nas filhas. A autora, Hiromi Goto, traz muito da sua experiência pessoal nesta obra que se concentra na luta de Kumiko contra sombras que começam a acua-la no dia a dia, uma metáfora para a aproximação da morte. A protagonista empreende então uma luta doméstica contra esta aproximação e, nesse interim, encontra novas pessoas do bairro e ao mesmo tempo acaba por recorrer à um antigo amor do passado. Torna-se muito claro na obra que o grande trunfo de Kumiko é permanecer fiel ao seu modo de ver e viver o mundo, mantendo sua rebeldia ativa até o fim. A construção narrativa busca levar o leitor à uma leitura suave e sem grande percalços. Vida nas Sombras, tal qual Sonhonauta, é uma menção honrosa dentro de minhas leituras de 2023, mas não as colocaria como melhores de 2023. Porém alerta: esta interpretação é minha e se associa ao meu histórico e expectativas como leitor.


Com desenhos esplendidos de Lorenzo LRNZ Ceccotti e Mauro Uzzeo, Monolith saiu originalmente pelo selo Sergio Bonelli Edittore na Itália. Originalmente concebida simultaneamente como HQ e roteiro para cinema, Monolith é um quadrinho que narra as decisões da inconsequente e jovem mãe Sandra, que em busca de espaço dentro do casamento com o marido Carl, se lança em uma viagem junto com seu filhinho David, dentro da última maravilha da tecnologia automobilística, o carro Monolith. Uma fortaleza inexpugnável sobre 4 rodas. Sandra, entretanto matem seu comportamento inconsequente, o que leva o carro a trancar-se com o pequeno David em seu interior sob o sol causticante em uma estrada deserta. O que se segue então é a desesperada tentativa da mãe em abrir o carro, tendo que enfrentar sua culpa, os perigos do deserto ao seu redor e a tecnologia do Monolith. O leitor é levado à extremos de ansiedade frente à luta de Sandra. O destaque vai para a arte e para os momentos nos quais Sandra alucina e delira frente aos eventos que lhe sucedem. O roteiro é do também italiano Roberto Recchione que concebe uma história já pronta e desenvolvida de uma vez só, como ele mesmo narra no prefácio. Uma história que lhe chegou como um bólido e logo se desenvolveu simultaneamente como HQ e filme, este último lançado em 2017 como uma produção italiana, dirigida por Ivan Silvestrini e estrelada por Katrina Bowden como Sandra. Com finais diferentes (não assisti ao filme, apenas li a HQ) o filme e o quadrinho parecem ser complementares. Monolith merece ser conhecido e apreciado na perspectiva do thriller que é.

sábado, 4 de novembro de 2023

Pílula Gráfica #32: O Complô - A História Secreta dos Protocolos dos Sábios do Sião (2005)


Em tempos de Guerra, a primeira vítima é mesmo a Verdade

Ao lado de uma história do Spirit em crossover com o herói O Escapista, a obra O Complô - A História Secreta dos Protocolos dos Sábios do Sião foi escrita e desenhada por Will Eisner em 2004, sendo estas suas duas derradeiras histórias. Original e atualíssimo, o O Complô se distancia dos tradicionais trabalhos de Eisner ao trazer um material denso, profundo e cheio de idas e vindas cronológicas. Uma colcha de retalhos políticos, bélicos e sociais que tentam traçar a origem de uma das maiores farsas já elaboradas na história, Os Protocolos dos Sábios do Sião. Uma peça política que se baseou num documento escrito por volta de 1850 por um ativista político francês chamado Maurice Joly. Em O Diálogo no Inferno entre Maquiavel e Montesquieu, Joly buscava atacar o então autodenominado Imperador da França, o Rei Luís Napoleão (sobrinho de Napoleão). Após Joly cometer suicídio em 1878, o livro circulou em diversos países e chamou atenção de dois políticos russos em 1894, Gorymikine e Rachkovsky. Gorymikine conhecia o livro de Joly, e viu nele a oportunidade de ouro para produzir um segundo livro que atacaria os judeus e os colocaria como conspiradores mundiais. O principal objetivo de Gorymikine era reduzir a influência do judeu Sergei Yulievich Witte sobre a visão de mundo do então Czar Nicolau II. Para esta tarefa de elaboração de um livro político secreto, crível, embora mentiroso, Gorymikine viajou à França para encontrar Mathieu Golovinski, jovem ambicioso  de ascendência russa que já produzira reportagens mentirosas em jornais voltados para russos na segunda metade do século 19 na França. Foi assim que o jovem e ambicioso escritor Golovinski escreveria em 1898 Os Protocolos dos Sábios do Sião baseando-se em O Diálogo no Inferno entre Maquiavel e Montesquieu de Maurice Joly. O livro de Golovinski (Os Protocolos dos Sábios do Sião) era envolvente, crível e sobretudo atendia às demandas de quaisquer governantes em busca de uma conspiração que justificasse sua permanência como guardião do status quo. A partir deste ponto, Eisner inicia saltos cronológicos no século 20 apresentando as diversas situações políticas nas quais o documento foi usado, sobretudo na Alemanha pré-nazista, como instrumento de insuflação. Diversos países passariam a imprimir clandestinamente Os Protocolos dos Sábios do Sião ao longo das décadas, inclusive o Brasil, ainda que Cortes ao redor do mundo tenham julgado e atestado a farsa por traz do que é narrado pelo livro de Golovinski.  Publicada pela Companhia das Letras no Brasil em 2005, a obra O Complô - A História Secreta dos Protocolos dos Sábios do Sião é uma obra que precisaria ser estudada e esmiuçada como manifesto de como a verdade pode ser manipulada em detrimento de grupos e facções. Teorias conspiratórias que podem levar povos inteiros à xenofobia e à intolerância. O Mestre Eisner, em seu crepúsculo de vida, deixou uma obra monumental, um atestado da importância de se construir pontes entre as pessoas, desativando as "bombas" narrativas mentirosas. Em tempos de Guerras precisaríamos ter cautela com discursos de ódio, com a disseminação de narrativas que ressaltam as diferenças e não as semelhanças entre os povos (que são muitas). O Complô - A História Secreta dos Protocolos dos Sábios do Sião está à altura da vida do Mestre e atesta os valores pelos quais ele viveu.

domingo, 29 de outubro de 2023

Pílula Literária #15: Zé do Caixão - Maldito



Durante toda minha vida o nome José Mojica Marins foi proscrito em função da minha herança cristã católica. Isto, no entanto, não evitou que o nome ficasse constantemente voltando e me assombrando em função da curiosidade que o próprio afastamento traz. Sempre achei que Mojica era simplesmente um homem metido com ocultismo e que, aproveitando sua macabra presença, havia surfado na onda cinematográfica. Pois eu não podia estar mais enganado. Mojica foi alguém muito mais interessante! Foi um gênio e também um adorável trambiqueiro. Apesar da ambiguidade que estes dois adjetivos possuem, a ponto de serem quase excludentes, Marins sintetizava os dois. Mas afinal... Quem foi José Mojica Marins? A resposta é, foi um cineasta brilhantemente intuitivo. Sem qualquer graduação formal na 7ª Arte, ele era um apaixonado pelo cinema e encontrou no gênero terror uma forma de expressar sua paixão. Longe de ser um ocultista (Marins tinha ascendência cristã), ele era apenas alguém que queria tirar de dentro de sua cabeça uma profusão de imagens e brilhantes elaborações artísticas com as quais não conseguia conviver sem dividi-las. Renegado por diversos nomes do cinema brasileiro das décadas de 1950 e 1960, foi reconhecido, no entanto, por cineastas do calibre de Glauber Rocha e Luis Sérgio Person. Mojica era aquele que exigia que você o odiasse ou o amasse. Não havia meio termo. A Biografia Zé do Caixão - Maldito dos jornalistas André Barcinski e Ivan Finotti foi uma das minhas mais agradáveis leituras de 2023. Esgotado já há algum tempo, infelizmente, o livro foi base para a minissérie homônima do Canal Space, com Matheus Nachtergaele no papel de Mojica. É impossível não ler o livro e não se identificar profundamente com o jeito brasileiro de Marins. Engraçado, simples, genial em sua sabedoria popular e nas suas técnicas para baratear custos, era fiel a si mesmo... Um sobrevivente que só conseguia estar bem se pudesse filmar algo. Um homem com inacreditáveis aventuras amorosas e que conseguia amar genuinamente a todas com quem se envolvia. O livro teve duas edições, sendo que a segunda veio atualizar uma das últimas empreitadas robustas de Mojica no cinema, o filme A Encarnação do Demônio, que fecha a trilogia iniciada em 1964 com À Meia-Noite Levarei sua Alma Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver de 1967. Aclamado internacionalmente pela sua obra, Mojica foi rejeitado pela elite cinematográfica brasileira nos anos 70, lhe restando apenas dirigir para um dos únicos segmentos capazes de gerar renda para diretores renegados, os filmes pornôs. Ele passaria a ser um proscrito, um pássaro negro de asas cortadas. Porém, algo que me chamou extrema atenção ao ler o livro, é a forma como ele enxergava a si próprio. Nunca demonstrou qualquer tipo de autocomiseração, de vitimização... Onde muitos se afundariam em um mar de auto piedade, Mojica continuava fazendo e buscando o que sempre quis, os palcos e as luzes. Ainda que muitos achem que Zé do Caixão e Mojica sejam a mesma pessoa, a verdade é que Zé do Caixão é um único personagem que saiu da sua cabeça. Mojica era muito maior que o Coffin Joe. E se as últimas gerações o viam apenas como um pícaro, em decorrência de suas aparições mais despojadas nas décadas de 80 e 90, na verdade estão redondamente enganadas! Minha admiração por ele só cresce e se fortalece, e um episódio que vivi há cerca de 3 semanas mostra bem o porque. Estava eu buscando os filmes de Mojica em um sebo na Rua Augusta em São Paulo quando perguntei ao dono do lugar se ele teria alguns filmes do Zé do Caixão. O dono, todo orgulhoso disse, "Tenho sim. Aliás, o Mojica sempre vinha aqui. Era meu amigo!". Depoimento genuíno, simples e direto sobre quem foi Marins, um homem simples, do povo... mas também um gênio!

domingo, 10 de setembro de 2023

Pílula Gráfica #31: Crime e Poesia - (2022)

















Redenção é um dos processos ou atos mais almejados pelo ser humano. Pelo menos por aqueles que guardam dentro de si uma centelha de indagação acerca do sentido de tudo. A história narrada em Crime e Poesia parece saída de um daqueles enredos inverossímeis que eventualmente encontramos. Ela trata de muitas coisas, mas para mim trata de redenção. Crimes, dentro de crimes que se somam e se somam e que, ainda que de forma impossível, encontram redenção em um processo difícil de auto aceitação, injustiça e abandono. A história do homem chamado Matt Rizzo que, através do filho, Charlie Rizzo, sobreviveu para ser contada e descoberta. Uma história com raízes no bárbaro crime cometido na primavera de 1924 pelos jovens aristocratas Nathan Freudenthal Leopold, Jr. e Richard Albert Loeb, mais conhecidos como Leopold & Loeb. Dupla que sequestrou e assassinou com requintes de crueldade um menino de 14 anos de idade (Bobby Franks) nos EUA. Um crime que ressoou por décadas no imaginário das pessoas e acabou por atingir de certa forma também Matt Rizzo. Crime e Poesia apresenta de forma muito clara e honesta o labirinto pelo qual andamos em nossa existência  e as escolhas que fazemos. Nesse labirinto podemos, entretanto, encontrar as migalhas deixadas por outras pessoas que já o trilharam e sabiam o quão difícil é aprender a ser feliz com o que se tem e com o simples. No caso de Matt Rizzo, Homero, Virgílio, Shakespeare, Milton, Whitman, Emerson... Matt aprendeu do jeito mais difícil a viver o simples e a se maravilhar com o comum.

"Destituído de todos os sinais vitais, ele ficou parado ao lado da Correnteza silenciosa, como um Navio encalhado, separado de todos os laços terrenos.

Enquanto estava suspenso, além da revogação do tumulto mortal da vida, uma mão esticada gesticulou para ele da outra margem e o impulsionou a avançar, pela Vontade Divina, e ele cruzou o Rio silencioso com os dois braços esticados para quem gesticulara; e um abraçou o outro com força;

a Morte emergiu levando o fardo dos espólios corporais; Scorto, despojado de sua carcaça mortal, emergiu belo e imaculado, com os mesmo traços, porém mais perfeito e mais jovem que qualquer obra de Arte ou Escultura poderia conceber.

Transfigurado, a nuvem de um homem sem pecados, a testa se deslocando para cima, Ele se elevou, alcançando os jubilosos prados do Paraíso eterno."

Dos Escritos de Matt Rizzo

sábado, 2 de setembro de 2023

Pílula Literária #14: Ed & Lorraine - Demonologistas


Difícil não se deixar envolver pelos relatos do casal Ed & Lorraine Warren. Embora a maioria das pessoas os conheçam por terem sido interpretados no cinema por Patrick Wilson e Vera Farmiga na franquia Invocação do Mal, Ed & Lorraine (ambos já falecidos) colecionaram experiências extremamente bizarras (para dizer o mínimo) ao longo do século passado desde meados dos anos 1940. Uma verdadeira mítica se formou ao redor do casal e por mais que existam relatos periféricos também um pouco estranhos acerca da vida conjugal do casal, o fato é que ambos presenciaram e foram participantes ativos em diversos casos singulares envolvendo fenômenos para os quais a ciência literalmente se esquivou por falta de ferramentas e abordagens capazes de trazer explicação para eles. A própria profissão que os dois possuíam, Demonologistas, é pouco ortodoxa. No caso dos Warren, entretanto, a própria estrutura oficial da Igreja Católica Romana (instituição conhecida pela seus protocolos administrativos e hierarquia sólidos) reconhecia oficialmente a função dos dois nesta área. Ed Warren era, por exemplo, o único demonologista não padre reconhecido pela instituição. Esta informação coloca as experiências do casal em outro nível em relação à muitas outras que, mesmo verdadeiras, poderiam trazer maiores contestações. O livro do jornalista Gerald Brittle, conhecido por seus relatos jornalísticos acerca do tema, é o primeiro de uma série de quatro lançados pela DarkSide Books sobre o inusitado casal. Em Ed & Lorraine - Demonologistas, Brittle se debruça sobre a dinâmica e dia a dia do demonologista. Com muito material de entrevistas, o autor transcreve respostas dadas pelo casal em palestras e em particular acerca de diversos casos vivenciados e acerca da natureza dos fenômenos, fazendo desde o início do livro uma distinção entre ocorrências fruto de "fantasmas" (espíritos humanos) e espíritos preternaturais (espíritos não-humanos, ou seja, demoníacos). O livro traz também o resumo de casos que foram, nos demais livros, abordados com mais detalhes. Mas neste volume, os resumos servem para ilustrar a dinâmica e modus operandi dos fenômenos. Alguns relatos são extremamente críveis, outros, desafiam nossa capacidade de aceitação em função da natureza quase que holywoodiana. Mas talvez o impacto maior não seja em função da excêntrica natureza das ocorrências, mas sim em função do desespero, agonia, angustia e total fragilidade que causam em pessoas comuns vítimas destes atos sobrenaturais. Ao ponto do próprio leitor do livro, desejar profundamente que os Warren sejam rapidamente acionados pelas vítimas para que consigam ter o mínimo de alívio. Ao imergirmos na angustia das pessoas, os Warren ganham uma dimensão quase que heroica aos nossos olhos uma vez que passam a ser os únicos, entre médicos, cientistas, psicólogos, homens da ciência em geral, a terem algo a oferecer de concreto para reduzir ou eliminar por completo aquilo que busca destroçar o núcleo familiar. Ed & Lorraine Warren - Demonologistas é um livro lançado pela primeira vez em 1980, época em que o casal, já maduro, possuía ampla e ativa participação nos fenômenos. Para aqueles que gostariam de um certo aprofundamento no tema, leitura obrigatória.

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