Se você se deparou com este encadernado acima nas bancas e pensou (assim como eu) que simplesmente se tratava da história de um personagem baseado no Batman, quase como uma cópia do Homem-Morcego, você (assim como eu) se enganou redondamente. Minha motivação ao compra-lo foi totalmente voltada para o fato de que sou um entusiasta dos personagens da Era de Ouro (1938-1956) dos quadrinhos, e o Morcego Negro é um personagem daquela época revitalizado neste encadernado pelo roteirista Brian Buccellato. A história é fantástica, visceral, "noir", violenta e trágica e, apesar de guardar algumas semelhanças com a do Homem-Morcego da DC, definitivamente é muito mais que isso. Nesta matéria veremos alguns pontos (sem spoilers) que me chamaram tanta atenção a ponto de me motivar a escrever sobre ele indicando-o aqui.
Capa de Revista Pulp trazendo O Morcego Negro nos anos 40 |
Em primeiro lugar eu diria que Buccellato conseguiu levar o Morcego Negro à lugares que nenhum roteirista já levou o Batman. Provavelmente porque fazer isso mexeria com as bases canônicas do personagem. Aqui está o 1º ponto fantástico da história, o autor encaminha o herói (que é quase um anti-herói) numa espiral de violência, conspirações e mentiras que quase o leva à desistir de sua cruzada contra o submundo. Com uma origem trágica, Anthony Quinn (o Morcego Negro) também baseia suas motivações em função de sua busca por uma expiação que nunca virá em relação ao pai.
Corroído por uma culpa e um passado moralmente duvidoso, Quinn busca uma redenção que parece cada vez mais longe a cada passo que dá. Como que num pesadelo dentro de outro pesadelo, ele vai descobrindo que a sujeira é muito maior do que aquela contra a qual ele inicialmente se propôs a lutar. A história se passa em nosso tempo, e Buccellato consegue fazer coisas que há muito tempo eu não via um roteirista fazer comigo, ou seja, me surpreender ao virar uma página.
O Morcego Negro não possui nenhum poder sobrenatural, exceto pelo fato de que seus olhos foram arrancados como herança de seu envolvimento prévio com a máfia. Sua única habilidade sobre-humana seria a implantação de olhos "biônicos", o que lhe confere certas especificidades visuais, tais como, enxergar no escuro, diferenciar organismos vivos (animais ou pessoas) através de paredes pelo padrão de calor e luz que o corpo emite, além é claro de poder desligar todas essas habilidades ao simplesmente desabilitar seus olhos, tornando-se um deficiente visual comum. Afora essa questão visual, Tony Quinn foi treinado em artes marciais, possui excelentes reflexos e atira muito bem,
Tudo isso faz com que o Morcego Negro se encaixe no perfil tradicional de personagens do tipo "Justiceiros" ou "Vigilantes", sejam eles heróis ou anti-heróis, que lidam com a marginalidade comum e por isso suas histórias são tão ou mais violentas que outras ligadas à universos cósmicos ou sobrenaturalis das editoras. Fiquei extremamente surpreso com a capacidade de Buccellato contar a história de maneira crível, construindo personagens realmente reconhecíveis em nosso mundo. Além disso, o roteiro é muito bem construído e não deixa pontas soltas.
A impressão que me deu ao ler o encadernado é que o roteirista é um fã do Batman que sempre quis que ele vivenciasse coisas mais reais e cruas a ponto disso mudar seu destino como herói, algo que nunca poderia acontecer, já que isso comprometeria seus pilares mitológicos. Assim, o Morcego Negro é levado à cantos escuros e sórdidos de uma corrupta cidade, mas o mais importante, essas incursões vão modificando-o também, ou seja, não apenas ele deixa sua marca na cidade, mas ela também o afeta.
O encadernado "O Morcego Negro" faz parte da iniciativa do selo Dynamite, que lá fora vem lançando releituras de personagens da Era de Ouro dos Quadrinhos e da Era dos Pulps (período que antecedeu a Era de Ouro). Estão nesta iniciativa O Fantasma, O Besouro Verde, Zorro, O Sombra, O Aranha entre outros. A maioria destes encadernados trazem arte conceitual de capas do famoso Alex Ross. Especificamente O Morcego Negro não traz as capas de Ross, mas isso não importa. A arte de Ronan Cliquet não é o tipo de arte que eu gosto muito, mas não compromete de maneira nenhuma a história. Às vezes até faz o contrário, a valoriza, sobretudo no contexto "noir" que a história possui. No Brasil essas histórias tem saído pela Editora Mythos.
Bom amigos... Esta é minha dica! Uma história que me surpreendeu positivamente e que gostaria que outros lessem e compartilhassem suas opiniões a respeito. Um grande abraço à todos!!