Recentemente vimos acontecer uma grande reunião entre lojistas, distribuidoras e os executivos da Marvel. Algo que havia acontecido apenas no passado em um período de maior fragilidade da Editora e do Mercado de Quadrinhos nos EUA. O motivo da atual reunião? A redução sustentada das vendas em relação à sua grande rival DC Comics, que vem emplacando uma acertada estratégia de retorno às origens e DNAs de seu personagens mais emblemáticos. A reunião na Marvel tomou as manchetes porque um dos motivos debatidos para as baixas vendas teria sido a tentativa da editora em alterar seus principais personagens para versões diferentes, caracterizando-os a partir de indivíduos de outras etnias e gêneros, com personalidades muito diversas daquelas de suas contrapartes originais. Mas seria apenas este o motivo das baixas vendas? Na verdade a questão me parece não tão complicada de ser analisada ou resolvida...
Tirando uma parte (que acho que seja pequena) dos fãs de quadrinhos mais alinhados com o discurso repressor e segregacionista, eu diria que a maciça maioria dos Nerds e fãs de HQs sempre conviveu e aceitou extremamente bem a inclusão de etnias, gêneros e opções sexuais diferentes em suas fileiras. E isto sempre aconteceu por 01 único motivo: nós Nerds também sempre fomos segregados e sofremos do mesmo mal que estas populações acima citadas sofreram. Entendemos o sentimento ruim que advém da segregação e da chacota simplesmente porque já vivemos muito disto. Claro que a experiência de
bullying que qualquer Nerd sofreu não se compara a odiosa segregação que fazem com as minorias étnicas ou de opções sexuais diferentes, que deixa marcas terríveis para o resto da vida. Não vejo que o problema seja a adoção de representantes de diversos segmentos sociais e étnicos como o precipitador das baixas vendas. Em minha opinião o problema é outro, mas passa sim pela
"mal" feita inclusão destas minorias em seu Universo ficcional nos últimos anos. A Marvel sempre esteve à frente ao incluir personagens representantes de minorias, no entanto sempre fez isso muito bem no passado. Podemos até citar alguns destes exemplos: Shang-Chi,
Luke Cage, Tigre Branco, Pantera Negra. Fóton (ou Capitã Marvel afro-descendente), Estrela Polar e muitos outros... Mas porque agora essa expertise inclusiva não está mais sendo efetiva? Simplesmente porque, em minha opinião, vem sendo feita às custas da descaracterização de personagens já bem estabelecidos e queridos dos fãs.
Embora algumas destas caracterizações até tenham alcançado sucesso de crítica atualmente, caso da Thor (Jane Foster), do Capitão América (Sam Wilson) e do Homem-Aranha (Miles Morales), o fato é que grande parte dos leitores ainda são de uma geração que cresceu lendo histórias em que Thor Odinson, Steve Rogers e Peter Parker são as respectivas identidades do heróis acima. Personagens com histórias de vida longas, cheias de brilho e tragédias. Romper com isso é impor um luto ao leitor. Acho que a Marvel precisa continuar sendo vanguardista em abrir seu Universo para personagens de outras etnias, preferências sexuais e gêneros, mas que sejam personagens novos, com sua luz própria, com sua trajetória própria. A DC Comics também cometeu erro semelhante há alguns anos ao transformar o Lanterna Verde Alan Scott em homossexual. Um herói que tinha mitologia própria, era casado e tinha filhos que se tornaram heróis também. Opções sexuais diferentes podem e devem estar presentes no Mundo dos Quadrinhos simplesmente porque ele é um espelho de nosso Mundo Real, só que isto não pode ser feito às custas da desfiguração de um outro personagem já estabelecido, pois isto agride o leitor que lhe acompanhou pela vida inteira. Aliás, isto pode até desfavorecer a causa inclusiva!!
Mas há mais coisas que explicam as baixas vendas na Marvel. Desde 2006 quando foi lançada a super bem sucedida Mega-Saga Guerra Civil, a Marvel não parou mais de lançar os tais mega-eventos. Arcos que simplesmente envolvem quase todos os heróis da Editora em desafios gigantescos. A fórmula é boa, porém ao ser levada à exaustão nestes últimos 11 anos impossibilitou o desenvolvimento dos personagens em suas vidas e carreiras pessoais. Excetuando o Demolidor de Mark Waid, não tivemos mais arcos que examinassem de forma lenta, progressiva e íntima a vida pessoal, heroica e dramática deste ou daquele herói. Tudo ficou grandioso demais e o pequeno, o cotidiano deixou de ser trabalhado. Isto explica, por exemplo o sucesso de Sagas como as do Gavião Arqueiro atualmente, que focam o homem e seu cotidiano por trás da máscara. Ou mesmo a nova Miss Marvel Kamala Khan, que faz sucesso muito mais pelas suas dificuldades de adolescente do que pelos grandes males que combate. Resumindo: A Marvel bebeu demais da fonte das Mega-Mega-Sagas, e sua ressaca começa a ser vivida agora.
Não à toa que as maiores obras-primas dos quadrinhos são aquelas que se afundaram dentro do universo pessoal do personagem e daqueles que os cercam (Batman: Ano Um; Demolidor: A Queda de Murdock; Batman: O Cavaleiro das Trevas; Marvels). Temos que nos lembrar que a ficção é, de certa forma, "escapismo", porém para funcionar precisa estar ancorada na realidade e em problemas reais que cada um de nós conhece. Esta foi a fórmula de sucesso de sagas que aparentemente tinham tudo para naufragarem na desconexão com a realidade. Posso citar como exemplo disto a Série Clássica Star Trek, que só alcançou o sucesso que alcançou porque trazia embates e questões que faziam parte do cotidiano racial e social das pessoas. Tudo recheado de uma boa aventura e escapismo ficcional. Todas as vezes que a Marvel se fixou em apenas um expediente editorial (como é o caso de sua fixação atual por Mega-Sagas) ela afundou. Vimos isto acontecer no passado (anos 90) com o tema "Militância Mutante", que foi sugado até o "osso" e nos deixou à todos com uma ressaca e uma mitologia que de tão complexa passou a ser incompreensível e totalmente dissociada da vida comum.
A Marvel precisa rever seus objetivos quanto à forma de abordar seus personagens clássicos e seus expedientes editoriais. O Portal OMELETE recentemente
em um vídeo no Youtube comentou, por meio de sua editora Natália Bridi, que o simples fato de converterem um herói clássico em uma outra versão etnicamente ou sexualmente diferente já é um tipo de discriminação porque parece quererem sanar o problema do preconceito tratando estas pessoas de forma diferente, ou seja, oferecendo-lhes um cargo de destaque, sendo que poderiam muito bem desenvolverem suas carreiras de forma como todo super-herói fez no passado, ou seja, de forma lenta e progressiva. Embora concorde com a Natália, achei apenas um pouco incoerente dizerem no final do vídeo que o problema da Marvel não é a "diversidade". Na verdade, penso que parte do problema é sim a "diversidade" feita da maneira atual, pois ao ser implementada desta forma forçada, descaracterizadora e que agride o fã de determinado herói, acaba não ajudando muito a necessária bandeira da "inclusão". Temos que evoluir para uma cultura de tolerância entre pessoas, mesmo dentro dos quadrinhos, mas não às custas da desconstrução do passado.
Valeu amigos!