Até há um tempo atrás, se você me perguntasse qual seria meu roteirista favorito no dias de hoje, eu possivelmente lhe diria (um tanto quanto relutante) que seria Mark Waid. Veterano de obras primas como "Reino do Amanhã", Waid vem conseguindo manter uma produção sempre acima da média. Haja vista seu recente prêmio à frente do título do "Demolidor" nas categorias de "Melhor Série" e "Melhor Escritor" na edição de 2012 do Prêmio Eisner (o Oscar dos Quadrinhos). No entanto, caso você repita essa mesma pergunta hoje, eu responderia sem sombra de dúvidas que meu roteirista favorito é MESMO Mark Waid. Essa certeza veio quando terminei de ler a história "IMPERDOÁVEL", lançada recentemente aqui no Brasil pela Editora Devir. Uma HQ que vai direto para a categoria das minhas favoritas e gostaria de explicar o porque abaixo.
Devo iniciar perguntando:
"Até quando um homem continuaria sendo bom diante de um mundo que debocha dessa bondade, de um mundo que ridiculariza essa bondade e se aproveita dela?".
"Até quando alguém aguentaria ser vilipendiado, incompreendido e descartado?".
Em Imperdoável Mark Waid trabalha profundas questões ao indagar, nas entrelinhas, o quanto a "bondade" faz sentido quando não está acompanhada de outras qualidades ou virtudes que poderiam dar sentido a ela e torna-la relevante. Ou seja, ao ler as páginas de Imperdoável é possível entender que nosso mundo não consegue lidar com a bondade em seu estado bruto e único. Na história, o personagem principal, um ser invulnerável, superforte, capaz de voar e lançar raios destrutivos através de seus olhos (qualquer semelhança não é mera coincidência), perde a cabeça e se lança contra a humanidade trazendo pânico e histeria à todos. Seu nome é desconhecido, todos o conhecem apenas como "O Plutoniano". Durante seus anos de bem feitor seus colegas super-heróis o chamavam apenas de "Tony".
A grande surpresa ao longo da narrativa é ir descobrindo aos poucos o que foi tirando Tony dos trilhos, o que foi exaurindo e sugando sua fé na raça humana. Pistas vão sendo liberadas em doses homeopáticas. A própria comunidade super-heróica se vê incapaz de lidar com a mudança, mas ao mesmo tempo, e de alguma forma, parece que também possui certa culpa. Como o próprio prefácio da história nos conta, ninguém se torna um vilão da noite para o dia. "A estrada para a escuridão é cheia de momentos de traição, de perda, de decepção e fraqueza super-humana".
Tudo é muito nebuloso e instigante para quem lê ao tentar entender tamanha crueldade por parte do Plutoniano. O leitor, no entanto (em algumas partes) se vê autorizando e validando os atos de barbarismo do personagem ao ter vislumbres de sua história pregressa. Como lidaríamos com amigos que abusaram insistentemente de nossa generosidade? Como reagiríamos à inimigos que nos revelassem as assustadoras verdades e motivações por trás de tudo? Como aguentaríamos tudo isso?
A história é surpreendente não pela violência eventualmente presente, mas por indagar sobre questões e sentimentos que nos assustam e estão presentes no interior do coração humano. A Devir lançou apenas o Volume 01, e com um preço um pouco salgado (R$ 45,00). Porém resolvi investir no material porque sabia da qualidade da escrita de Mark Waid. Apesar do preço, valeu o investimento. A história é daquelas que quando vai se aproximando do fim do volume, você vai lendo cada vez mais devagar para aproveitar melhor cada cena.
De qualquer forma, gostaria que a Devir não demorasse tanto para lançar o Volume Dois. A história vem ganhando aplausos lá fora também. No posfácio do volume publicado aqui, Grant Morrison faz um complexo, porém interessante elogio à obra. É impossível não pensarmos que essa poderia ser a história do Superman caso ele vivesse em um mundo menos idealizado, como é o caso do Universo DC.
Mark Waid vem surpreendendo pela constância na qualidade de suas obras. Sua postura também é humilde e consistente com aquilo em que acredita. Pude ver isso durante uma entrevista recente na qual ele foi provocado por um jornalista que lhe indagou se não iria entrar na justiça contra a DC em função dela ter usado algumas de suas ideias no último filme do Homem de Aço. Detalhe: ideias que ele concebeu em HQs escritas para a própria DC. De forma muito simples Waid disse que os escritores deveriam aprender que quando escrevem algo sob contrato, tais ideias são de propriedade sua e da editora, e que se alguém quisesse ter ideias de domínio unicamente próprio, deveriam escrever trabalhos essencialmente autorais. O repórter deve ter ficado sem saber o que comentar. rs rs
Para finalizar não podia deixar de lembrar de outra história recente de Mark Waid publicada por aqui (além da do Demolidor, comentada acima): Um Homem Fora de Seu Tempo, publicada na revista Avante Vingadores Nº 53. Uma narrativa estrelada pelo Capitão América que mostra a dificuldade de se ver em uma época totalmente diferente da sua e da dor de se sentir completamente anacrônico (algo aliás que eu mesmo venho me sentindo). No link acima pode-se conferir uma matéria sobre essa ótima história.
Ok amigos. Um Grande Abraço à todos!