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quinta-feira, 14 de julho de 2022

Pílula Gráfica #Especial 1: Dose Tripla


O Pílula Gráfica de hoje é especial ao trazer a análise rápida de três obras que, embora diferentes, possuem características muito interessantes: O Castelo (Editora L&PM - 2022), Dan Brand e Outros Clássicos (Editora Pipoca e Nanquim - 2021) e A Morte Viva (Editora Mythos - 2022).

Adaptação do livro de 1922 não acabado de Franz Kafka, O Castelo é uma obra densa, labiríntica, claustrofóbica e onírica. Você já teve um sonho do qual gostaria de escapar mas quanto mais você tenta fazê-lo mais você se aprofunda nele? O Castelo seria algo assim. A história narra a chegada do Agrimensor K. à uma distante aldeia que rodeia o castelo do título. K. se vê aos poucos esmagado pela burocracia que pouco a pouco desnuda a inutilidade de sua presença no local. E quanto mais sua relevância é questionada, mais ele se vê desafiado e ir à fundo na solidão, miséria e surrealismo que impera na aldeia, sobretudo porque K. se vê desejado por mulheres que parecem querer satisfazer seus desejos mais profundos. A arte do tcheco Jaromír 99 aguça mais ainda a difícil atmosfera. A história não tem fim, já que Kafka a deixa inacabada, mas ao considerarmos as ideias e premissas aqui utilizadas, O Castelo se torna uma grande obra.


Conhecido pela sua carreira como artista gráfico incomparável, Frank Frazetta nasceu no mesmo berço artístico de muitos grandes nomes da 9ª Arte, como por exemplo Wally Wood, Jack Kirby, Esteban Maroto entre muitos outros. No entanto, seus primórdios como quadrinista são pouco conhecidos. Dan Brand e Outras Histórias não é apenas uma oportunidade de se conhecer Frazetta em seu início, é também uma grande chance de se entrar em contato com uma obra que lança luz à um momento interessante da história estadunidense, já que o protagonista (o homem branco Dan Brand) luta como índio na fileiras dos exércitos de George Washington. Com uma narrativa simples, mas sem abrir mão da violência característica da época, Dan Brand vale a pena. Outro destaque é a preservação de propagandas (a maioria delas panfletárias) sobre o modo norte-americano de se viver, exaltando o heroísmo de soldados, além de dicas de sobrevivência. Só essas propagandas já possuem grande valor artístico histórico e sociológico. O álbum traz todas as histórias de Dan Brand e algumas outras relacionadas à outros personagens desenhados por Frazetta.


Com o tradicional "ótimo" acabamento e formato das Gold Edition da Editora Mythos, A Morte Viva é uma primorosa adaptação para os quadrinhos do livro homônimo de 1958 do autor francês de ficção científica Stefan Wul. A história mostra a Terra no futuro e aborda o tema da "clonagem". Mas mais que isso, retoma questionamentos como os de Frankestein acerca do que é vida e dos limites da sua manipulação pelo ser humano. Além da história, outro ponto excepcional é a arte do português Alberto Varanda. Baseado em hachuras, Varanda estabelece o clima vitoriano perfeito para a condução da narrativa. Uma obra de arte de encher os olhos, com um processo criativo que chegou a ser doloroso para as mãos do artista, como relatado nos extras. Para quem não conhecia Stefan Wul (como eu) a história chama atenção para o escritor que é pouco conhecido por aqui. A adaptação é de Olivier Vatine. A edição traz um lindo pôster com a arte de Varanda.

domingo, 10 de julho de 2022

Pílula Literária #6: O Incrível Steve Ditko


A vida real pode ser muito mais cheia de cores, maravilhas, intrigas, inconsistências e contradições quando comparada às obras dela derivadas. O Incrível Steve Ditko (2019) é o segundo livro de uma sequência de obras do jornalista, roteirista, escritor, editor e tradutor Roberto Guedes, dedicadas a apresentar grandes nomes da 9ª Arte Mundial. O primeiro, Jack Kirby - O Criador de Deuses (2017) e o último Sr. Maravilha: A Biografia de Stan Lee (2021) seguem o mesmo ritmo leve, de fácil e agradável leitura, objetivo e ao mesmo tempo profundo. Em O Incrível Steve Ditko, Guedes nos descortina a vida do irritadiço, talentoso, inflexível e genial co-criador de um dos maiores personagens da história dos quadrinhos: O Homem-Aranha. Marcado por uma vida de incrível reclusão, Ditko tornou-se uma lenda entre os fãs por sua habilidade como desenhista e criador. Uma fama potencializada pelas histórias envolvendo sua pouco conhecida vida. O livro de Roberto Guedes esquadrinha de forma muito didática os primeiros anos de vida artística de Ditko, evoluindo para seu ápice criativo e depois para seus obscuros anos de um ostracismo auto imposto. A leitura nos proporciona questionamentos que vão além dos fatos mais marcantes, apresentando, por exemplo, o ponto de mutação na vida do artista a partir de seu envolvimento, ainda jovem, com o Objetivismo, filosofia capitaneada pela escritora, dramaturga, roteirista e filósofa norte-americana de origem judaico-russa Ayn Rand. Uma filosofia definida pelo ateísmo, individualismo e capitalismo. Uma forma de se interpretar a realidade ao redor a partir de uma dicotomia muito clara entre bem e mau, sem a admissão das diversas "zonas cinza" que existem entre esses dois extremos. Ao se alinhar cada vez mais à esta forma de pensamento, Ditko construiu ao redor de si uma estrutura cada vez mais rígida de valores, minando relações de trabalho e até amizades em nome de suas crenças. Um dos grandes questionamentos que emerge para mim das páginas do livro é "quem Ditko poderia ter sido, ou que caminhos teria trilhado se sua mente e genialidade artística não tivessem sido cooptadas pelo Objetivismo"? Recheado de imagens icônicas desenhadas por Ditko, e de capas antológicas, O Incrível Steve Ditko é, sem dúvida nenhuma, uma obra de referência para a fandom. Sobretudo por trazer um olhar tão peculiar que é o de um expert e fã brasileiro, como é o caso de Guedes. Embora Ditko seja conhecido em grande parte por sua coautoria na criação do Homem-Aranha (personagem aliás fonte de sucesso e de dissensão entre ele e Stan Lee), o artista foi criador ou participou da concepção de diversos personagens importantes como a galeria de imagens abaixo aponta. A coautoria é muitas vezes um tema fluido e de difícil delimitação: Quem cria? 1) Aquele que tem a ideia inicial ou 2) aquele que insere os elementos dramáticos e visuais que no final fazem a grande diferença na conexão com o público? Se você acha que seria o artista número 2, então Steve Ditko deveria ter autoria reconhecida entre diversas criações hoje cultuadas. De todo modo, a carreira do artista foi minada por suas rígidas convicções ao se esquecer de que vida é movimento, de que vida (tal como o "Vento") sopra aonde quer e, um espírito livre, deve saber interpretar a complexidade da realidade, que não pode ser definida ou regida por uma única interpretação filosófica. O Incrível Steve Ditko é obra obrigatória pela visão de um fã que consegue apresentar paixão e, ao mesmo tempo, analisar em perspectiva a carreira deste grande artista que foi Steve Ditko.

Criações de Steve Ditko

Criações de Steve Dtiko

Personagens criados ou que tiveram grande participação de Steve Ditko em sua concepção

Stan Lee (esquerda), Steve Ditko (direita) e a maior criação de ambos. Fonte de divergências irreconciliáveis

Incrível capa desenhada por Ditko para a Revista Haunted (anos 50)

Dois dos mais inflexíveis personagens criados por Ditko: Questão e Mr. A. Veículos diretos das crenças do autor.
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