2017 me levou à uma viagem por contos do Mestre Neil Gaiman em Alerta de Risco, o que facilitou a minha entrada ao universo de Shadow, o personagem de Deuses Americanos, também de Gaiman. Após uma pequena parada fui catapultado para a segunda metade do Século IX, mais especificamente para as pradarias norte americanas e me vi imerso dentro de uma comitiva de caça à Búfalos ao lado de um jovem em busca do significado da existência no livro Butcher´s Crossing. Avancei por uma fantasia distópica na qual homens comuns receberam poderes quase divinos, porém com um detalhe, todos eles eram vilões em Coração de Aço. Aventurei-me também em uma ficção científica melancólica e maravilhosa na qual um inocente alienígena (interpretado por David Bowie no cinema) buscava algo entre os seres-humanos no livro O Homem que Caiu na Terra. Por fim resolvi encerrar o ano dentro de outra ficção científica dos irmãos Russos Arkádi e Boris Strugátski em que alienígenas passam rapidamente pela Terra deixando para trás objetos maravilhosos e perigosos que são cobiçados pela ciência e por contrabandistas (Stalkers), Piquenique na Estrada. Um livro com muitas camadas.
Alerta de Risco (2016) é um livro de contos intimistas que busca apresentar os riscos escondidos nas coisas mais simples de nossos dia a dia. Posso dizer que alguns contos são excepcionais. Um deles que me atingiu como um bólido trata de Jerusalém, não a cidade política dos noticiários, mas a cidade misteriosa e cheia de segredos, cujas paredes se tornaram finas sob o peso do tempo e por isso permitem que ouçamos a voz de Deus a nos sussurrar coisas acima do tempo e do espaço. Aliás, caso você vá até lá, cuidado... Outros contos são muito bons também, como aquele que fala de um profissional que nos protege e nem percebemos: O Desinventor. Há também contos de terror e ficção fantástica.
Por ocasião do lançamento da série live-action pelo canal de streaming da Amazon, resolvi ler Deuses Americanos (2001). Sempre que possível prefiro ler primeiro a obra escrita original para que eu possa ter uma opinião destituída da visão de terceiros, o que sempre acontece quando assistimos primeiro à uma adaptação da obra para só depois lermos o livro. Deuses Americanos foi o trabalho mais celebrado de Neil Gaiman depois de Sandman, e talvez marque a difícil transição de Gaiman de um escritor do mundo dos quadrinhos para o da literatura. O livro é inovador em seus conceitos ao trabalhar a essência dos mitos e nos revelar do que os deuses são feitos, revelando-os como pontos catalisadores de credulidade. Apesar disso eu diria que esperava um pouco mais da obra. Não que não tenha gostado, no entanto talvez minha grande expectativa alimentada por outras obras do autor como Sandman e O Oceano no Fim do Caminho, tenha me feito esperar demais do livro.
Butcher´s Crossing (1960), ou Travessia do Carniceiro, em português é um livro que trata da busca por algo que está além de nosso cotidiano, ou talvez escondido dentro dele, e que poderia explicar o significado de nossa existência. Com esta promessa de leitura eu me enveredei por este livro de John Williams. A obra narra a jornada do jovem Will Andrews, aluno egresso de Harvard que se lança no interior norte americano no ano de 1870 em busca de respostas para um chamado que se faz ouvir em seu interior. Um chamado que o move para a Natureza Selvagem, um sentimento que o conecta com uma realidade acima da nossa. A aventura de Andrews ao lado de peleiros em busca de Búfalos é árdua e transforma-se em um calvário interminável. Butcher´s Crossing é um livro muito bom, que não divaga sobre as respostas para as perguntas de Andrews, mas limita-se a narrar a difícil busca do rapaz por respostas em meio à própria dificuldade da vida. Talvez justamente por isso, o livro transcenda outros que buscaram tema semelhante.
A ficção e a fantasia não precisam viver se provando para a Academia. Ela tem estofo suficiente para prescindir disso. Ela não precisa ficar se provando o tempo todo para ser reconhecida pelos Coronéis e Coronelas catedráticos das Universidades. Coração de Aço (2016) é um livro que busca entreter e o faz de uma forma muito interessante ao subverter o conceito de super-herói colocando a responsabilidade da justiça na mão do mais fraco, ou seja, dos seres humanos comuns. Trata-se de uma série que já possui sua continuação lançada no Brasil, Tormenta de Fogo. Gostei e recomendo.
Mas acho que foi com O Homem que Caiu na Terra (1963) de Walter Tevis que meu ano se concretizou literariamente. Acho que sempre buscamos uma obra que nos eleve e nos toque de maneira mais profunda. E isso é interessante porque a mesma obra pode não ter o mesmo efeito a depender da pessoa, de suas experiências, expectativas e história de vida. Para mim, no entanto O Homem que Caiu na Terra foi como uma pedra que caiu dentro do meu lago interior, provocando ondas e reverberações. O livro traz a história de um pacífico alienígena que viaja às duras penas até a Terra em busca de algo (não vou contar para não estragar...). Aqui ele escolhe o nome de Thomas Jerome Newton. Inocente, impúbere, melancólico, sensível, extremamente inteligente e perspicaz Newton experimentará o que a humanidade tem de melhor... e de pior... Foi impossível para mim não associa-lo à figura de um Messias, que (novamente) é incompreendido por aqueles aos quais se doa. O livro tornou-se filme em 1976 trazendo David Bowie no papel de Newton. Assista, mas leia o livro primeiro.
Piquenique na Estrada é um livro lançado no final dos anos 70 pelos irmãos russos Arkádi e Boris Strugátski. Embora muitos esperassem que fosse uma crítica ao capitalismo ou socialismo, Piquenique na Estrada não é nada disso. É uma legítima obra de ficção científica escrita simplesmente por homens livres em seus pensamentos. Justamente por isso não conseguimos encontrar na obra críticas ou elogios às ideologias acima. Aclamada no ocidente e posteriormente na própria Rússia, o livro virou filme nas habilidosas mãos do cineasta russo Andrei Tarkovsky sob o nome de Stalker. O filme é uma releitura do livro e uma verdadeira obra prima do Mestre Tarkovsky.
Bem amigos... Estes foram os lugares que visitei em 2017. E você? Quais foram os recônditos do Universo físico e abstrato que receberam a visita de vocês? Um forte abraço!