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terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

Pílula Fílmica #16: Aguirre - A Cólera dos Deuses (1972)


Inimaginável a profundidade que o ator Klaus Kinski deu ao soldado/mercenário/conquistador espanhol Don Lope de Aguirre (1510 - 1561) no filme AGUIRRE - A Cólera dos Deuses (1972 - Direção de Werner Herzog). Uma espiral de decadência interior durante a malfadada expedição por volta de 1560 ao longo do Rio Amazonas em busca pela mítica EL DORADO. Um retrato do homem que vive a partir de seus desejos pessoais ilimitados de conquista, movido pela ira por se sentir traído pela Coroa Espanhola. Rebelde, colérico, desumano... Aguirre é retratado visceralmente por Kinski

Aguirre é o típico personagem real que se torna facilmente fonte de inspiração pelo seu caráter complexo e uma vida de aventuras. Um homem que, a partir de uma infância pobre, vê no Novo Mundo sua esperança de esperança e glória. Quando Aguirre chega à América do Sul, inspirado por exploradores e conquistadores como Hernán Cortés e Francisco Pizarro, muito das riquezas já haviam sido exploradas e dominadas, sobrando pouco espaço para os megalomaníacos sonhos do conquistador se realizarem. Seu grande ressentimento vinha de sua dedicação em diversas empreitadas militares em prol da Espanha (representada pelo Rei Felipe II) e a pouca retribuição que recebeu (na visão de Aguirre).

O filme de Herzog é por si só uma conquista, considerando as suas locações (Peru e Rio Amazonas) e os conflitos entre o diretor (Herzog) e Klaus Kinski. Um conflito aliás que renderia muitas histórias de bastidores entre o mestre Herzog e o indomável Kinski. Este, um ator com temperamento difícil e combativo, mas que deixou interpretações magníficas como em Nosferatu - O Vampiro da Noite (1979) releitura de Herzog para o clássico Nosferatu de 1922 de F.W. Murnau

Outro grande destaque é a trilha sonora do grupo musical alemão POPOL VUH, parceiro de outros filmes de Werner Herzog. O objetivo do diretor para Aguirre em "A Cólera dos Deuses" foi focar o ocaso do personagem, sua derrocada durante sua última expedição. Ao fazer essa opção Herzog consegue afinar e calibrar as coisas que quer discutir usando a história de Aguirre. Minha dica é você buscar assistir ao filme com um foco no microcosmo da expedição, seus embates, as sutilezas dos silêncios dos personagens e a incrível e portentosa interpretação de Kinski. Com isso o filme cresce e se torna um monumento.


sábado, 27 de março de 2021

Pílula Fílmica #15: Liga da Justiça de Zack Snyder (2021)

O que aconteceu com a Liga da Justiça de Zack Snyder foi o maior exemplo da ingerência de acionistas e diretores que, ao farejar mais lucro, se deixaram levar por qualquer oscilação do mercado para esta ou aquela tendência. Quem acompanha há algum tempo a história do Universo Cinematográfico DC sabe o quanto a Warner ficou preocupadíssima quando começou a ver as cifras astronômicas do Universo Marvel e simplesmente cresceu os olhos mudando uma estratégia que vinha sendo feita desde Superman - O Homem de Aço (2013). O grande ponto de mutação ocorreu em Esquadrão Suicida 1 (2016). Um filme que tinha todos os elementos voltados para o lado obscuro dos heróis e apostava nas neuroses dos personagens. Receosos de manter a estratégia, o burocratas começaram ali sua mudança de foco baseados simplesmente no perfil momentâneo das redes. Por conta disso, quase não vemos a verdadeira visão de Zack Snyder para a Liga da Justiça. Um filme que em minha opinião conseguiu aprofundar o universo pessoal de cada herói e colocou, acertadamente, Superman como apenas mais um membro da equipe, ou seja, o que faz o grupo funcionar não é magnitude dos poderes, mas sim a confiança, trabalho em equipe e empatia que existe entre os integrantes. Há várias cenas incríveis, mas uma em particular me chamou atenção pelo peso dramático dado, sobretudo, por Jared Leto. A cena do diálogo entre Coringa e Batman na linha de tempo alternativa ou "pesadelo" de Bruce Wayne. Finalmente Jared Leto mostra, em poucos minutos, um Coringa cheio de camadas, insano, mas ao mesmo tempo com uma estranha e bizarra fragilidade naquele momento de derrocada. Uma cena para entrar para meu hall de melhores cenas. É impossível não ver ecos de outro filme de Snyder, Watchmen (2009) (para mim um dos melhores filmes de heróis feitos até hoje - claro, opinião pessoal). Tal qual em Watchmen, na Liga da Justiça de Zack Snyder vemos uma relativa desconstrução dos super-heróis que se veem incapazes de lidar com a realidade e acabam por demonstrar seu lado humano, falho e, por que não, frágil. Há também o clima de fim muito palpável na trama. Muitas HQs nas últimas décadas passaram a flertar todos os meses nas bancas com o fim do mundo, banalizando o conceito e não mais conseguindo passar para o leitor a angústia, desesperança e sentimento de melancolia que algo assim traria à todos. De uma forma muito sútil eu acho que Snyder conseguiu imprimir nos personagens e, portanto, no público, esse sentimento de "fim". Pena que, ao que tudo, indica a Warner já sinalizou veementemente que essa visão de Snyder não será continuada. Uma triste história em que, novamente, o dinheiro, e não a arte, ditaram a sobrevivência de uma obra.







sexta-feira, 12 de março de 2021

Pílula Fílmica #14: Mandy - Sede de Vingança (2018)


Quanto mais Nicolas Cage se distancia de Nicolas Cage mais ele consegue chegar no que Nicolas Cage tem de melhor. Ficou confuso? Bem... O que quero dizer é que finalmente Nicolas Cage se tornou o "Motoqueiro Fantasma" que deveria ter sido nos filmes da Sony Pictures de 2007 e 2011. É interessante perceber como a produção independente ou fora do circuito dos grandes estúdios pode dar a necessária liberdade para uma história ser contada e um ator ser levado ao seu limite de interpretação. Mandy é um filme dirigido pelo Diretor Canadense Panos Cosmatos que situa Nicolas Cage (Red) e sua esposa Mandy (Andrea Riseborough) em pleno ano de 1983. Com uma atmosfera onírica e uma cenografia propositalmente oitentista, o filme consegue ser tudo ao mesmo tempo: sinistro, poético, místico, bizarro, inverossímil, realístico, ultra-violento... A história (sem spoiler) coloca Red em confronto direto com uma seita que aparentemente consegue invocar estranhos seres infernais que lembram diretamente o visual de Hellraiser - Renascido do Inferno, filme de 1987. Nicolas se solta como ator em uma espiral de loucura e vingança que o aproxima muito do conceito que deveria ter sido seguido no filme do personagem da Marvel, Motoqueiro Fantasma. Com uma simbologia arcana muito forte, o filme é cheio de lugares, expressões e signos que dão credibilidade à história, uma vez que o telespectador se sente tragado por um mundo a parte do mundo real mas que, ao mesmo tempo, está dentro do mundo real, nós apenas não percebemos sua existência. Cage consegue catalisar uma fúria insana e infernal. O espectador mais antigo ficará satisfeito por filmes assim ainda serem feitos. Filmes com a ousadia necessária para transpor o cotidiano e ordinário. Confesso que ao lado de Hereditário (2018), Mandy - Sede de Vingança é um filme para deixar sua marca na década.






sábado, 30 de janeiro de 2021

Pílula Fílmica #13: O Planeta dos Vampiros (1965)


O diretor italiano Mario Bava tem uma legião de seguidores que só cresceu ao longo das últimas décadas. Conhecido especialmente dentro do gênero terror, Bava se destacou por fazer da fotografia, ambientação e cenografia elementos tão envolventes que seus filmes se distinguem pela atmosfera hipnótica e onírica. Em O Planeta dos Vampiros de 1965 (Terrore nello Spazio) o diretor avança para além da excelência cenográfica com suas cores, ambientações e atmosferas ao trazer um história seminal que não apenas inspirou diversas outras obras subsequentes, mas também possui um final surpreendente. Filmes como Alien - O Oitavo Passageiro (1979) de Ridley Scott tiveram sua clara e inequívoca inspiração neste filme de Bava. Elementos como solidão e melancolia crescem à medida em que se percebe que o Planeta do título agoniza ao lado de uma raça que busca sobreviver, mas não sem um custo moral. As metáforas do filme são várias e espelham o subconsciente humano. Destaque para a atriz Brasileira Norma Bengell (no cartaz acima e à época com 30 anos no auge de sua beleza) que possui papel de destaque ao interpretar a oficial Sanya. O Planeta dos Vampiros, além de um clássico Sci-fi, mostra a versatilidade de Mario Bava e o potencial narrativo da ficção enquanto metáfora para nossas contradições.










sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

Pílula Fílmica #12: Tepepa (1969)


Como um cineasta poderia refletir a desilusão e ao mesmo tempo paixão de se lutar por um  ideal revolucionário? Talvez mostrando de forma clara as inconsistências de ambos os lados de uma revolução. O diretor Giulio Petroni conseguiu construir em Tepepa (1969) uma pérola que transcende o gênero Western tradicional e o Western Spaguetti. Ao escalar o ator cubano Thomas Milian para interpretar o revolucionário mexicano Tepepa, Petroni ofertou um papel à um ator que, no auge de sua carreira, entendeu como ninguém a complexa personalidade de um revolucionário típico. Inteligente, porém simplório e violento, Tepepa se levanta contra a dura mão dos latifundiários e luta uma revolução que é vencida pelo povo, porém esse mesmo povo vê tudo voltar rapidamente ao que era, ou seja, mudou-se muito para que tudo continuasse a mesma coisa. Um filme com um ritmo próprio e que mantém o espectador preso justamente em função do que não é dito, mas sentido e transferido pelos olhares dos personagens. Ninguém menos que Orson Welles aparece como o vilão Coronel Cascorro, um oficial que vem reestabelecer o domínio dos latifúndios. Mas é um erro tratarmos aqui, de forma maniqueísta, a respeito de quem é vilão e quem é herói. Petroni faz questão de desmistificar o mito do revolucionário bondoso que nunca faz escolhas erradas. Pelo contrário, por vezes ficamos a favor e até contra Tepepa. Um filme incrível em seu universo contido, com uma fotografia que destaca e abraça a poeira e aridez dos cenários tornando os ambientes uma complementação poética às importantes questões presentes ao longo de todo filme: Terra, Liberdade, Dignidade Humana, Hipocrisia, Violência... Não consigo deixar de lembrar as palavras de Martin Luther King que temia que, no processo de luta contra seus algozes, ele se transformasse em alguém igual àqueles contra os quais lutava. Tepepa precisa ser redescoberto e assistido na perspectiva de nosso tempo, que não entende bem o significado do que é uma luta armada e o quanto ela pode destroçar o ser humano.







domingo, 4 de outubro de 2020

Pílula Fílmica #11: Assalto ao 13º DP (1976)


A indústria do cinema sempre teve, assim como qualquer outro tipo de indústria, o chamado segmento "B". O mais interessante desse segmento é a liberdade que diretores e roteiristas desfrutam ao estarem parcialmente descolados do circuito comercial e livres das demandas de burocratas que estão mais interessados nas bilheterias milionárias do que nas questões subjacentes à obra. John Carpenter é um cineasta incrível por sua obra marginal e de resistência. Filmando com boas ideias na cabeça e um orçamento ínfimo, Carpenter mostrou várias vezes seu brilhantismo em filmes que, apesar de despretensiosos, são verdadeiros espelhos de seu tempo. Assim é com Assalto ao 13º DP. Um filme que narra (quase que em tempo real) o ataque de uma gangue à uma delegacia praticamente desativada. Carpenter expande sua visão ao demonstrar não ter nenhum pudor de ser reconhecido como diretor de filmes de baixo orçamento. E essa honestidade faz de suas obras uma experiência autêntica para o expectador. O filme possui uma refilmagem de 2005, porém é a versão original de 1976 que consegue representar de forma muito autêntica o violento ambiente que algumas cidades experimentaram no final dos anos 70 em função do fenômeno das gangues. As gangues eram verdadeiras estruturas de poder que arrebanhavam jovens sem horizonte social e econômico, e que se viam compelidos a agredir o status quo. Carpenter não tenta (e também não quer) criar nenhum diálogo ou julgamento moral/social subjacente ao filme. Apenas quer mostrar um acontecimento que poderia ter passado despercebido na periferia de uma cidade, mas que pelo seu caráter violento ganha proporções enormes dentro do microcosmo dos personagens. Assalto ao 13º DP é John Carpenter em sua mais perfeita expressão. Não pude deixar de lembrar de Warriors - Os Selvagens da Noite. Outro filme que desnuda a violência das ruas e que dialoga muito bem com Assalto ao 13º DP. Filmes assim passam para o panteão dos cults por destilarem perfeitamente o espírito de uma época.



domingo, 16 de agosto de 2020

Pílula Fílmica #10: Dois Papas (2019)


Dois Papas (Dir. Fernando Meireles - 2019) é uma obra com muitas camadas. Há a camada política, ao apresentar a grande intersecção da Santa Sé com aspectos políticos internos (em sua relação com a cúria romana) e externos com outros países. As demandas sociais são claramente escancaradas a partir do sútil retrato da desigualdade mundial. A camada econômica permeia muito as cenas, ao apresentar a perspectiva dos rumos do dinheiro no mundo através dos trechos dos discursos do jovem e velho Bergoglio. Há, no entanto duas outras camadas que são as que tornaram o filme muito relevante para mim. Uma delas é a humana, que nos deixa claro que, se formos sinceros e humildes o suficiente para percebermos nossos erros, a redenção passa a nos acenar. Agora, a última e extremamente interessante camada, é a espiritual. Dentro desta perspectiva há duas cenas que para mim são as centrais na obra. A primeira delas é a cena em que a fumaça da vela apagada por Bento XVI desce, ao invés de subir, em uma referência clara ao conceito espiritual que nossas orações e ações podem subir e serem recebidas (ou não) como um "cheiro" suave por Deus. E a segunda cena é aquela em que a fumaça da vela (ao final do filme) sobe, e não mais desce, em outra clara referência espiritual de que nossos atos internos e externos tem o poder de serem recebidos por um ser Ser Supremo à semelhança dos antigos sacrifícios do Velho Testamento. A sutileza e poder destas duas cenas emolduram a ideia da convivência pessoal genuína com Deus e afasta o filme das intermináveis discussões teológicas e denominacionais que, no fundo, não levaram e não levarão a lugar algum. Não posso deixar de citar a agradável atmosfera dramática criada a partir de um inteligente humor na medida certa, que captura o espectador fazendo-o submergir nos personagens e se identificar com eles. Em tempos em que as "pontes" sociais, econômicas e humanas estão ameaçadas, vejo o filme como uma obra que nos lembra a importância de preservar as pontes existentes, e nos chama à construção de novas.

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