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sábado, 31 de dezembro de 2022

Viagem Literária - 2022


Iniciei o ano de 2022 ainda sob o efeito literário do natal de 2021. Estava lendo a excelente antologia O Natal dos Fantasmas. Ainda sob a forte influência do livro resolvi continuar com a literatura Vitoriana e Eduardiana com o livro Terror Depois da Ceia. Maravilhado com esse universo recém descoberto mergulhei nos Contos Clássicos de Fantasmas, trazendo o mesmo recorte de obras do final do século XIX início do século XX. Finalizado este ciclo de livros, finalmente fui procurar material sobre uma atriz pela qual sou muito interessado, Norma Bengell, e nessa busca achei o excelente livro de memórias que traz como título o nome da atriz. Voltando-me para outro universo que muito me interessa mergulhei em dois livros sobre quadrinhos, um chamado O Incrível Steve Ditko e Heróis Pulp. Talvez por ter lido um excelente livro há alguns anos atrás dentro da Coleção Clássicos de Ouro da Editora Nova Fronteira resolvi ler outro livro desta coleção, O Filho do Homem. No dois últimos meses do ano fiz duas grandes descobertas, Contos de Afonso Arinos e O Escravo de Capela. E por fim, concluí minha odisseia literária de 2022 com Pequenos Contos de Grande Mestres do Terror.


O livro O Natal dos Fantasmas faz parte do catálogo de uma editora que precisa ser conhecida, a Editora Wish. Especializada em trazer obras clássicas e recortes literários obscuros de grandes nomes da literatura, a editora trouxe este excelente livro sobre uma época que, em geral, traz à tona memórias e experiências muito profundas: O Natal. O livro tem um acabamento maravilhoso e nos apresenta contos sobrenaturais por vezes singelos, outras vezes cômicos, e até mesmo trágicos sempre envolvendo o Natal. Quando li este livro minha cabeça explodiu para um universo até então escondido para mim, a saber, as obras clássicas da virada do século XIX para o XX. Verdadeiros tesouros que trazem pérolas escondidas. O Brasil vê florescer, felizmente, inúmeras iniciativas de editoras menores trazendo obras deste tipo.  

Tão empolgado que fiquei com o livro que acabara de ler que logo comprei outro título do catálogo da Editora Wish: Terror Depois de Ceia. Trata-se de uma antologia de contos de Jerome K. Jerome, escritor conhecido na virada do século XX por sua veia cômica e por vezes sarcástica. Meu interesse foi em me aprofundar na literatura desta época e a leitura foi uma grata surpresa por ser emoldurada por desenhos de um famoso ilustrador da época, Kenneth M. Skeaping. A ilustrações de Skeaping me transportaram diretamente para um universo imaginário, mágico e ao mesmo tempo assustador pelo qual naveguei quando era garoto e folheava antigos livros de contos com desenhos alegres e ao mesmo tempo macabros. Maravilhosa leitura.

Assim como a Editora Wish, outras duas editoras, a Clepsidra e a Ex-Machina, tem nos presenteado com obras clássicas. Minha primeira incursão pelo catálogo de ambas foi com o lançamento conjunto do livro Contos Clássicos de Fantasmas. A obra traz uma antologia fantástica de autores do período de tempo já supracitado (virada do século XIX para o XX). Só tenho elogios para a qualidade dos contos que me transportaram com toda força para temores e terrores primais de todos. Terrores que ainda espreitam a todos a despeito da falsa segurança das nossos dispositivos tecnológicos atuais. O livro conta com a maravilhosa introdução do Prof. Alexander Meireles da Silva (conhecido pelo canal Fantasticursos). Foi por meio de Contos Clássicos de Fantasmas que tive o prazer de conhecer um autor pelo qual fiquei totalmente admirado, Afonso Arinos. Isso me motivou a buscar outra obra deste autor e que aparecerá logo abaixo como grande destaque de 2022 para mim.

Norma Bengell sempre habitou meu imaginário assim como o fez com o imaginário de presidentes brasileiros, autoridades e a maioria dos homens das décadas de 70. Pouco conhecida do público em geral, mas com uma carreira de sucesso na Europa, sempre me perguntei de onde tinha saído esta estrela que brilhou de forma incandescente desde os anos 50 e foi prova viva das diversas mudanças políticas e culturais do Brasil. Finalmente esse ano de 2022 encontrei este livro da Editora nVersos que na verdade compila as memórias escritas pela própria Norma em seu diário pessoal. Fruto de um resgate hercúleo da produtora Christina Caneca, o livro é extremamente gostoso de ser lido. Norma escreve de si para si. Uma leitura que teria que ser obrigatória para todos que tem o mínimo interesse pela história cultural de nosso país, só que nesse caso vista pelas lentes honestas, singelas, indomáveis e femininas desta grande atriz. Maravilhoso esse livro.

Personalidade complexa, irascível e de difícil trato foi Steve Ditko, co-criador do Homem-Aranha. Um homem que em função de sua reclusão e fortes posições ideológicas suscitou mitos e até lendas ao redor de si. No livro O Incrível Steve Ditko, o jornalista Roberto Guedes volta a entregar um material que, assim como havia feito com Jack Kirby, traz a vida, as vicissitudes profissionais e a forma de pensar deste que foi um grande artista da 9ª Arte. Embora esteja muito associado à criação do Cabeça de Teia, Ditko criou diversos outros personagens que sintetizavam a filosofia da qual ele era adepto, o Objetivismo de Ayn Rand. Um livro ágil, honesto tanto com o gênio quanto com a personalidade difícil do quadrinista. Cheio de ilustrações que contextualizam a obra de Ditko o livro precisa figurar na estante de leitores e amantes dos quadrinhos.

Heróis Pulp foi uma obra da Editora Skript que aguardei ansiosamente. Um livro que traz os bastidores da criação e a descrição da essência de 11 dos maiores personagens da literatura Pulp (revistas precursoras das modernas HQs). Tarzan, John Carter, Zorro, Buck Rogers, Hugo Danner, O Sombra, Doc Savage, O Aranha, O Besouro Verde, Olga Mesmer e o O Morcego Negro são destrinchados de com a excelência acadêmica necessária e uma acessibilidade textual inclusiva. O leitor se maravilhará ao conhecer os pilares narrativos sobre os quais a arte sequencial se formou. Além dos personagens mencionados acima, o livro ainda traz outros 3 personagens que existiram tanto nos Pulps quanto no quadrinhos, caracterizando-se como "personagens de transição": O Fantasma, Flash Gordon e Mandrake. Um livro que também precisa figurar na estante dos leitores!

Mudando radicalmente o mote da leitura, li o livro O Filho do Homem do laureado pelo prêmio Nobel de literatura de 1952, François Mauriac. Embora cristão declarado, François não foi um homem que escreveu sobre Cristo do ponto de vista panfletário ou proselitista. De autores deste tipo eu quero distância. François te experiências tanto na 1ª quanto na 2ª Guerras Mundiais. Era um homem com um conhecimento muito claro da maldade humana. Portanto, sem a possibilidade de abordar sua fé a partir dos tradicionais chavões religiosos. O autor busca refletir aqui sobre as atitudes de Jesus e o que verdadeiramente o movia. Conheci o livro porque tenho tido muito interesse por esta Coleção da Editora Nova Fronteira (Coleção Clássicos de Ouro). Foi por meio dela que conheci um dos maiores e melhores livros que já li: O Deserto dos Tártaros. Portanto, os títulos aqui presentes sempre me chamam muito a atenção.

Meu grande achado de 2022 foi conhecer as obra de Afonso Arinos (1868-1916). O caminho que trilhei até me interessar pela obra do autor foi iniciado nas publicações da Editora Wish e Clepsidra (conforme mencionei mais acima). O livro Contos - Afonso Arinos é uma antologia estruturada pela Profa. Walnice Nogueira Galvão (Profa Emérita da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP). Arinos me maravilhou ao apresentar um Brasil original, cheio de histórias fantásticas. A capacidade descritiva do autor é excepcionalmente envolvente, proporcionando ao leitor uma imersão profunda em uma universo mágico e crível. Os contos aqui apresentados são de um teor literário excepcional. O livro me motivou a buscar mais autores desta época. Recomendo muito a leitura!!

Inspirado talvez pelo universo mágico, brutal e ao mesmo tempo hipnótico brasileiro, chamou-me a atenção o livro do brasileiro Marcos DeBrito, O Escravo de Capela. Surpreendi-me muito (positivamente) com o relato visceral da escravidão vivida em nosso país. A história se passa em uma fazenda de açúcar em 1792. DeBrito, baseado em registros históricos, conta a história de um homem trazido como escravo da África e que estaria marcado para protagonizar a origem de uma das nossas mais famosas lendas envolvendo um preto de uma perna só com seu tradicional capuz vermelho. A leitura é extremamente fluida e crua ao mostrar sem rodeios a brutalidade na fazenda. DeBrito prende a atenção do leitor e o aproxima muito dos cenários tradicionalmente brasileiros. O horror tem seu lugar na medida certa e a história possui um final que amarra todas as pontas da narrativa. Esta foi outra agradável descoberta de 2022!!!

Ainda hipnotizado pela literatura da virada século XIX para o século XX tirei da pilha de leitura a pequena pérola Pequenos Contos de Grande Mestres do Terror da Editora Skript. Uma antologia de contos de autores tradicionalmente lembrados em materiais assim, tais como Poe, Lovecraft, Shelley. Autores que sabemos que são satisfação garantida de leitura. Mas este livro vai além ao trazer contos de autores desconhecidos para mim que me tocaram tão ou mais profundamente que os supracitados. Vou citar um deles, a brasileira Julia Lopes, que com seu conto Os Porcos (1903) me proporcionou, em apenas 4 páginas, o relato mais profundo e visceral acerca da maravilhosa experiência de se dar a luz. Além da mais profunda experiência acerca do machismo, misoginia e violência contra a mulher. Uma verdadeira pérola literária tendo como protagonista a pequena gestante Umbelina. A introdução da obra é do competente e já citado aqui, Alexander Meireles da Silva.

Por fim, qual foi a sua viagem literária em 2022? Desejo a todos um excelente 2023!!

terça-feira, 27 de dezembro de 2022

Destaques 2022 - Quadrinhos


Findando o ano é hora de resgatar e apontar minhas melhores leituras de 2022 dentro da 9ª Arte. Como nos outros anos, meus apontamentos e destaques não serão necessariamente para as HQs lançadas no decurso do ano vigente. Mas sim, simplesmente para aquelas que li em 2022. Por isso não estranhe HQs até antigas figurarem nesse extrato. A ordem das obras abaixo também não obedece a critérios de qualidade, mas sim uma simples ordem cronológica de leitura. Dito isso vamos à elas.


Estranhas Aventuras provavelmente figura no ranking de melhores leituras dos últimos dois anos para muitos leitores. Lançada no Brasil em dois encadernados pela Panini em 2021, a obra traz aquilo que o roteirista Tom King sabe fazer melhor, ou seja, escrever personagens fora de suas cronologias trazendo abordagens pouco convencionais. Foi assim com o Senhor Milagre e o Visão. Embora um personagem obscuro para muitos, o explorador Adam Strange é o centro desta obra que disseca importantes perguntas acerca de lealdade, traições e o questionamento acerca de até onde estaríamos dispostos a ir por aqueles que amamos e os custos envolvidos. Obra que consolida a excelente parceria de King com o artista Mitch Gerads.


O que poderia parecer uma HQ voltada para o público adolescente subverte completamente esta ideia ao apresentar com toda crueza o dia a dia de uma comunidade satanista. Embora a personagem central (Sabrina) seja adolescente, o contexto que a cerca é completamente adulto e possivelmente real. A leitura de O Mundo Sombrio de Sabrina faz frente às melhores histórias arcanas da antiga Vertigo e aprofunda mais ainda o submundo da magia. A série do NetFlix, baseada na obra, é boa mas não chega a cruzar certos limites que a HQ facilmente cruza. Pena que a Editora Geektopia trouxe apenas dois encadernados desta obra que tem o excelente roteirista Roberto Aguirre-Sacasa. O grande destaque da história é sabermos que o que é relatado ali acerca de cultos e comunidades satanistas é, possivelmente, tudo verdade!!


Quem acompanha o Blog já percebeu o quanto gosto da epopeia europeia Storm. Lançada de forma incompleta em 1989 pela Editora Abril, a obra voltou ao Brasil em 2021 com o lançamento de Storm Integral Vol. 01 pela estreante Editora Tundra. Só a soberba arte de Don Lawrence já seria atrativo suficiente para se ter o material. Porém, a história avança por terrenos literários como Space Opera, Distopia, Weird Fiction entre outros, e o faz de forma muito competente. Em 2022 tivemos o lançamento do vol. 02 e para 2023 já temos a campanha da Editora no Catarse para o vol. 03. Storm é uma obra que, sem o menor medo de errar, é uma das maiores HQs de todos os tempos em minha opinião. 


Um dos grandes achados nos últimos anos para mim foi a Editora Bonelli. Ainda que a tenha conhecido tardiamente, eu cheguei com sorte ao ver diversos títulos serem lançados por uma grande variedade de editoras brasileiras. Um deles é Morgan Lost. Um título no qual o protagonista que dá nome à obra vive em um universo que claramente não é o nosso, muito embora as semelhanças sejam enormes. Morgan Lost vive em um universo distopico que muito lembra a estética Art Deco e Noir dos anos 30 e 40, ao mesmo tempo em que tecnologias atuais são mescladas a este ambiente retrô. Isso cria no leitor uma sensação de anacronismo misturado com uma forte estética dark. Morgan é um detetive que, ao melhor estilo Noir, enfrenta assassinos que parecem saídos diretamente do livro Laranja Mecânica de Anthony Burgess. Embora a Editora 85 já esteja no lançamento do 4º volume, apenas em 2022 pude ler o primeiro deles que figura acima.


Outro lançamento de 2021 que fui ler apenas em 2022 foi As Aventuras de Sherlock Holmes, um lançamento muito pouco comentado da Editora Mythos (infelizmente), mas que é excepcional. Trata-se da adaptação muito fiel dos primeiros contos originais de Sherlock Holmes. Esta adaptação, ao cargo de Giancarlo Berardi (criador de Ken Parker) e do desenhista Giorgio Trevisan, foi produzida na década de 80 por ocasião do centenário da criação máxima de Sir Arthur Conan Doyle. A fenomenal arte de Trevisan capturou totalmente a atmosfera Londrina da Era do Gaslight. Afora isso, a adaptação de Berardi mostra um lado menos infalível do maior detetive de Londres, e isso não vem dele, vem (pasmem) da própria concepção original de Doyle!


Acredito que eu não seja o único a desconhecer os trabalhos iniciais do grande desenhista Frank Frazetta. Conhecido por suas fenomenais artes relacionadas ao mundo da "Espada e Feitiçaria", Frazetta teve uma carreira de desenhista em uma arte sequencial mais tradicional, como é apresentado aqui nesse compilado completo de sua trajetória junto ao personagem Dran Brand. Para muitos a obra Dan Brand e Outras Histórias pode parecer se desviar para o roteiro mais simples, e talvez realmente seja assim, mas justamente por isso a obra cresce ao descortinar um entretenimento no qual a preocupação com uma história intrincada e profunda não existe. Existe apenas a vontade de se trazer uma aventura legítima e honesta. A edição da Editora Pipoca e Nanquim possui, como de costume, acabamento excelente e extras incríveis que transcendem o personagem Dan Brand. Temos peças publicitarias desenhadas por Frazetta de um inestimável valor histórico para 9ª Arte. Uma edição que o leitor, se souber aproveitar, se deliciará.


A Morte Viva é uma adaptação do livro homônimo de 1958 do autor francês de ficção científica Stefan Wul. A história é suficientemente obscura e hermética para se criar a atmosfera perfeita para o terror fantástico. A adaptação é de Olivier Vatine e a arte, simplesmente excepcional, é do português Alberto Varanda. Uma obra de excelente acabamento pelo selo Gold Edition da Editora Mythos. Questões como os limites da ciência, a dor de uma perda, o enfretamento do desconhecido estão fortemente presentes e em nada envelheceram desde a época em que a história foi publicada em livro. Fiquei muito curioso em conhecer outras obras de Wul.


Muito celebrada entre os fãs dos Vingadores, A Saga de Korvac envolve nomes de peso da indústria dos quadrinhos, dentre eles George Perez (falecido recentemente em maio de 2022), Sal Buscema, Bill Mantlo, David Michelinie entre outros. Esses artistas simplesmente ajudaram a moldar a Era de Bronze dos Quadrinhos e fizeram história. A Saga possui vários adjetivos positivos por fornecer excelente simbiose entre arte e roteiro. Nela os Vingadores em sua formação setentista se vê às voltas com um estranho vilão (Michael Korvac) que na verdade possui raízes mais misteriosas no futuro, e esse é o motivo do envolvimento da formação futurista e clássica dos Guardiões da Galáxia (Charlie-27, Martinex, Nikki, Yondu e Major Vance Astro, Geena Drake e Águia Estelar). Realmente um trabalho que nos faz lembrar como um quadrinho pode ser interessante e envolvente. Há diversos momentos emblemáticos na obra, e um deles mostra Thor entrando em uma igreja Cristã acompanhado dos Vingadores e emitindo sua opinião sobre o Deus ali representado. Clássico dos clássicos.


Com o lançamento da adaptação de Sandman na NetFlix em 2022, resolvi reler os primeiros arcos  originais presentes nesse encadernado definitivo do Rei do Sonhar. Torna-se incontestável o fato de que a obra, apesar de seus 33 anos, ainda continua relevante, profunda, enigmática e incrível. O encadernado traz exatamente os arcos adaptados na primeira temporada do streaming. Reler Sandman torna sua citação obrigatória entre as melhores leituras de qualquer ano. O seriado entregou uma obra com algumas mudanças em relação ao original, que não chegaram e comprometer o DNA da obra (pelo menos em minha opinião). No entanto, fica muito claro para mim o quanto a versão original dos quadrinhos é realmente melhor. Nos quadrinhos temos determinados recursos narrativos impossíveis de serem adaptados, e isso é mais que motivo para dizer que o quadrinho continua melhor, ou seja, mais profundo, mais visceral, mais lírico, poético e dark.


5 Por Infinito foi um quadrinho lançado pela Editora Pipoca e Nanquim em 2018. Os elogios feitos a ela nas diversas mídias à época de seu lançamento, sobretudo pela arte de Esteban Maroto, não são exagerados. Maroto é realmente um gênio artístico ao fornecer densidade à desenhos usando poucas linhas e o uso racional do preto e branco. É incrível a solidez ou a fluidez que ele consegue fornecer à uma página. Por ter sido escrita ao longo de um espaço de tempo amplo, podemos ver a arte de Maroto evoluir ao longo do encadernado. Um volume único no mundo por trazer todas as histórias do grupo (sim, 5 por Infinito é um grupo de exploradores) e ainda a derradeira delas, que foi escrita anos depois fechando um longo ciclo exploratório espacial. Tudo muito bem amarrado. 5 Por Infinito mistura diversos gêneros da literatura fantástica tendo como linha principal a ficção científica e, dentro deste gênero, os designs concebidos por Maroto são simplesmente incríveis: naves, estações, laboratórios, roupas, mobília... Uma mistura de arte retrô com os lisérgicos e psicodélicos conceitos dos anos 70. Tudo maravilhoso.


Fechando o ano de 2022, gostaria de falar de O Perfeito Estranho. Quando vi esse material ser lançado pela Editora Veneta em 2017, logo pensei... "Esse material é quente!" (mesmo sem saber do que se tratava exatamente). Demorou um pouco para eu adquiri-lo, e mais um tempo ainda para eu lê-lo. Trata-se da obra quadrinística completa de um artista pouco conhecido, Bernie Krigstein. Alguém que eu também não conhecia mas que teve uma célebre passagem pelos quadrinhos da EC Comics nos anos 50. Bernie foi uma das vítima do Authority Code americano, que forçou os quadrinhos a se tornarem mais infantis naquela época. Com uma sólida formação acadêmica, Bernie era também pintor, e com isso trouxe para os comics toda sua bagagem artística diferenciada. O encadernado da Veneta traz uma introdução maravilhosa que nos mostra quem foi o artista e o quanto sua trajetória foi minada, contra sua vontade, até fazê-lo desistir da 9ª Arte. Um exemplo de alguém talentosíssimo e que surgiu em um momento completamente desfavorável para que seu talento fosse aproveitado nos quadrinhos. Uma pena... Sobrou sua profícua passagem pela EC que a Veneta fez o favor de nos presentear com esse volume.

É isso aí amigos... E você? Quais HQs leu e gostaria de elogiar?

Coloque aqui nos comentários. Forte abraço!

quarta-feira, 21 de dezembro de 2022

Pílula Literária #9: Pequenos Contos de Grandes Mestres do Terror


Ao ler a última palavra, da última página da antologia Pequenos Contos de Grandes Mestres do Terror (Editora Skript - 2020) se impõe um silêncio em função das inúmeras reflexões e verdades existenciais presentes neste recorte que abrange o período de 1831 à 1927. Além dos autores protocolares do gênero (Lovecraft, Mary Shelley, Edgar Allan Poe) gostaria de destacar Julia Lopes, fundadora da Academia Brasileira de Letras. Julia nunca ocupou seu lugar de direito na Academia em função dos demais fundadores terem adotado o modelo Francês, que impedia a presença de mulheres em seus assentos. Não sei como Julia conseguiu em apenas 6 páginas do conto OS PORCOS de 1903, condensar toda beleza, transcendência e epifania da maternidade, ao lado de todo machismo, misoginia e tristeza da solidão feminina na pequena grávida Umbelina. Só há uma citação a ser dita, evocando outro autor da antologia, Ambrose Bierce (1842 - 1913), presente em seu conto O ESTRANHO (1909): "Um homem é como uma árvore: em uma floresta com seus companheiros ele crescerá tão corretamente quanto sua natureza genérica e individual permitir. [Porém...] Sozinho ao ar livre, ele cede às tensões deformadoras e torções que o cercam".

terça-feira, 20 de dezembro de 2022

Pílula Literária #8: O Filho do Homem


A Coleção Clássicos de Ouro da Editora Nova Fronteira tem tido o mérito de resgatar obras como O Deserto dos Tártaros (1940) de Dino Buzzati, Um Homem Bom é Difícil de Encontrar e Outras Histórias (1953) de Flannery O´Connor entre diversos outros títulos. Agora foi a vez de O Filho do Homem (1958) do laureado com o Prêmio Nobel de literatura em 1952, o francês François Mauriac (1885-1970). Um livro diferente, com uma percepção muito especial acerca do Messias, suas palavras, suas atitudes... Percepções que apenas poderiam vir de alguém com uma caminhada espiritual honesta e de longa data como foi o caso de Mauriac. Partindo de suas memorias das 1ª e 2ª Grandes Guerras, Mauriac mescla essas experiências com sua revelação pessoal dando novo sentido à passagens conhecidas dos textos sagrados. Novo ponto para a Coleção.

sábado, 17 de dezembro de 2022

Contos - Afonso Arinos


Infelizmente me faltou profundidade acadêmica para aproveitar em sua grandiosidade o maravilhoso extrato da obra de Afonso Arinos (1868-1916) presente no recorte feito pela Profa. Walnice Nogueira Galvão, (Profa Emérita da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP) no livro "Contos" de Afonso Arinos (Coleção Contistas e Cronistas do Brasil, Ed. Martins Fontes). Qualquer um que tenha a mínima relação com a natureza, ou alguma memória de infância com a terra, entenderá a grandeza do texto de Arinos que, em contos tão autocontidos, conseguiu condensar uma quantidade universal de percepções. Retirado das publicações "Pelo Sertão" (1898) e "Histórias e Paisagens" (1921 - Póstumo), não há adjetivo a ser dado que possa traduzir a grandeza das pérolas que são os contos "Buriti Perdido", "Assombramento", "A Esteireira", "Manuel Lúcio", "Paisagem Alpestre", "A Velhinha", "Pedro Barqueiro", "Feiticeira", "A Árvore do Pranto"...

Filho da burguesia, Arinos furou a "bolha" e trouxe o obscuro sertanejo e o regionalismo para os salões de baile. Mago das palavras cuja voz ainda ecoa forte depois de 106 anos. 

quarta-feira, 2 de novembro de 2022

Supremo - A Era Moderna


Supremo foi um personagem criado por Rob Liefeld em 1992 na onda dos super-heróis superficiais e testosteronados dos anos 90. E dentro desta perspectiva totalmente condenado ao limbo dos quadrinhos. Exceto pelo detalhe que durante a segunda metade dos anos 90 ele foi escrito por Alan Moore. Reconstruindo e dando significado maior  ao personagem, Supremo se tornou o laboratório perfeito para Moore mostrar o que teria feito caso tivesse escrito o Superman. A Editora Devir lançou aqui no Brasil entre 2007 e 2008 toda a passagem do Mago das Histórias envolvendo o Supremo. Dividido em 4 encadernados, os títulos compreendem quatro fases do Supremo sob a batuta de Moore. Cada fase representando características distintas das HQs em suas Eras. Já comentei aqui no Blog os 3 primeiros: Supremo - A Era de Ouro; Supremo - A Era de Prata; e Supremo - A Era de Bronze. Como sempre a concepção de Moore amarra diversos pilares dos quadrinhos e os aprofunda, como os conceitos do Multiverso, Vilões, Relacionamentos, as HQs como espelho das mudanças sociais entre vários outros. Finalmente li o 4º e último, Supremo - A Era Moderna. Nesses últimos capítulos da Saga, Moore passa sutilmente por conceitos que já haviam sido abordados pelo seu desafeto, ninguém menos que Grant Morrison em seu Homem-Animal, ou seja, o limbo dos personagens, já que o arqui-inimigo de Supremo (Darius Dax) está no que entendemos como o pós vida dos super-heróis. Além disso, ele desenvolve o relacionamento de Supremo com seu par romântico (Diane Dane), algo que todo fã sempre quis ver acontecer entre Clark Kent e Lois Lane. O gran finale, no entanto, se dá na última história New Jack City!, um verdadeiro tributo ao Rei Jack Kirby. Moore busca revelar o interior da mente criativa de Kirby e vai além ao revelar o mundo das ideias, ou Ideiosfera. Ao adentrar o âmago desse reino, Supremo finalmente encontra com Jack Kirby em pessoa, e tem um incrível diálogo com o Rei sobre tempo, espaço, criação e (quem sabe) a vida após a morte.


Chega a ser estranho ver a arte da HQ sob o traço típico dos anos 90 (personagens esguios, musculosos) e ainda assim estarmos diante de algo excepcional. Repetindo enfim a frase do próprio Alan Moore, "não existem personagens ruins, existem escritores ruins" e, definitivamente O Mago de Northampton demonstra isso.

sábado, 15 de outubro de 2022

Pílula Gráfica #21: O Rumor da Geada - (2022)


Escrever uma história sobre o cotidiano pode parecer algo com pouca graça para muitos. Já que enxergar o que se esconde abaixo da superfície das pessoas não é mesmo uma tarefa fácil. Mas embora esse exercício exija certa atenção e sensibilidade, ele é muito recompensador porque o que descobrimos diz respeito à nós também. Lançado em abril de 2022 pela editora Figura (editora com histórico de trazer grandes nomes dos quadrinhos mundiais para o Brasil), O Rumor da Geada trata de um assunto familiar à muitos: o medo. Não o medo sobrenatural, mas o medo mais simples, porém não menos completo, que se esconde dentro de nós: medo de assumir relações, medo de galgar novos degraus na experiência humana, medo de amar... A história acompanha Samuel Darko, jovem comum e casado com Alice. Sem querer, Alice acaba desencadeando medos adormecidos em Samuel a partir de uma questão conjugal. Os autores Jorge Zentner (roteiro) e Lorenzo Mattotti (arte) construíram uma história sem pressa, apenas se deixando levar pelos personagens. A simbiose dos autores desvendou uma história sensível e cheia de introspecção. E para fazer com que tudo funcionasse de forma vigorosa Mattotti explode as páginas em uma profusão de cores e formas que conseguem modelar a história mais até que o roteiro. Nada mais adequado para uma narrativa que se passa muito mais dentro do protagonista em seus silêncios. Como amante da estética Art Deco, não pude deixar de associar algumas imagens de Mattotti com esse estilo robusto e sensível. Para alguns leitores que esperam desfechos imprevisíveis e ação O Rumor da Geada não está indicado. Assim como o título da obra, a história se constrói em cima de rumores (murmúrios), e como tal necessitam de um ajuste interno de nossa antena emocional. Só assim conseguimos captar e fragilidade e a intensidade desse rumor.




domingo, 9 de outubro de 2022

Pílula Gráfica #20: 5 Por Infinito - (2018)


É possível traçar uma linha reta ou ondulada sobre uma folha de papel em branco e fazer essa linha tornar-se tão consistente como a dureza de uma rocha, ou a delicadeza de uma pele humana? Até então eu tinha apenas imaginado essa possibilidade ao conhecer o italiano Sergio Toppi. Mas a certeza da existência de tamanho talento só veio mesmo ao conhecer o traço de Esteban Maroto em 5 Por Infinito. Lançada em 2018 pela Editora Pipoca e Nanquim (PN), 5 Por Infinito saiu originalmente em 1967. Há várias razões para conhece-la e aqui vão 5 delas: 1) - O traço de Maroto que, como comentei, criam densidades oníricas a partir de uma folha de papel; 2) - Os cenários futuristas, psicodélicos e catárticos criados por Maroto; 3) - A representação da imagem feminina em todo seu poder (poucas vezes vi o feminino representado com tamanho impacto; 4) - O design de máquinas, naves, indumentárias que, apesar de retratarem um ambiente retrô característico da década de 60 e 70, possuem impacto gigantesco em leitores com mentes ainda imaginativas; 5) - O roteiro das diversas histórias que brincam com civilizações antigas, misticismo e o limite entre vida e morte, sonho e vigília. Tendo como linha mestra o personagem Infinito do título, a história gira em torno de 5 pessoas do planeta Terra escolhidas para explorarem os recantos distantes do Universo. Infinito é o único sobrevivente de uma raça extremamente desenvolvida que sucumbiu ante o peso da própria inteligência. Os 5 terráqueos (Altar, um professor de astrofísica e astronomia; Aline, uma doutora em psiquiatria, especializada em ciências ocultas e parapsicologia; Órion, um guarda-costas profissional; Hidra, uma estrela de cinema; Sírio, um dublê de filmes de ação e especialista em efeitos especiais) passam a viver aventuras exploratórias que tangenciam gêneros como espada e feitiçaria, space-opera, horror cósmico entre outros. Franquias como Star Trek, Star Wars, Aliens... podem ser facilmente reconhecidas neste trabalho seminal de Maroto. Uma obra que serviu de inspiração para muitos conceitos que vieram posteriormente, mas que também bebeu do psicodelismo e da necessidade de transcendência que os anos 60 e 70 vivenciaram. A edição do PN é única no mundo ao compilar todas as histórias envolvendo os 5 por Infinito. Uma incrível oportunidade de se deixar levar por caminhos fantásticos acompanhado pelas mãos do Mestre Espanhol.





sábado, 10 de setembro de 2022

Pílula Literária #7: Heróis Pulp


Antes da aurora dos Super-heróis dos quadrinhos, alguns gigantes nasceram, se agigantaram e viram, de certa forma, seu ocaso. Eram os heróis dos Pulps. Criados dentro de um nicho literário visto por muitos como literatura barata e pouco relevante, os heróis dos pulps modelaram a imaginação dos grande criadores dos personagens dos quadrinhos. Nessa fonte beberam escritores e roteiristas de enorme peso para a 9ª Arte. Mas a maior contribuição dos heróis pulps, talvez tenha sido o estabelecimento de uma padrão heroico de sucesso que catalisou o imaginário coletivo, sobretudo nas décadas de 10, 20 e 30 do século XX. Pilares de uma justiça implacável, muitos desses heróis já tinham elementos complexos e dramáticos dignos dos grandes personagens que os sucederam. Apesar da maioria dos heróis pulps enxergarem claramente uma linha divisória entre bem e mal, muitos deles traziam consigo traumas e até mesmo camadas dramáticas incríveis. A Editora Skript tem se consolidado no mercado de quadrinhos dentro de um segmento de altíssimo valor para o colecionador e amante da 9ª arte, o de livros didáticos sobre o universo que permeia as artes gráficas. Dentre esses lançamentos, o livro Heróis Pulp traz uma profunda e interessantíssima análise sobre o contexto historiográfico e temporal dentro do qual os heróis desta Era floresceram. Dividido em capítulos a partir de cada personagem (muito bem escolhidos como seus representantes), o livro expande e dimensiona cada um deles, sem perder de vista o fascínio primordial e fantástico que cada um deles exerce. Ler o livro é se maravilhar novamente com criações que conseguiram expressar desejos primordiais dos seres humanos, como "justiça" e "equidade". Lançado a partir de Campanha na Plataforma Catarse, a obra traz análises acerca dos seguintes heróis: John Carter, Tarzan, Zorro, Buck Rogers, Hugo Danner, O Sombra, Doc Savage, O Aranha, Besouro Verde, Olga Mesmer e Morcego Negro. Ao final do livro, alguns personagens que foram criados na transição dos pulps para os quadrinhos (heróis da "Tiras") também são devidamente descritos e contextualizados, casos de Fantasma, Mandrake e Flash Gordon. Organizado por Daniel Fontana, cada capítulo é escrito por um time de estudiosos da área. Destaque para o excelente prefácio do Dr. Alexandre Meireles da Silva, Professor associado da Universidade Federal de Goiás. A magnífica capa é de Amaury Filho. Uma pena a obra não ter sido confeccionada em capa dura para preservar melhor a ilustração. Um excelente lançamento de 2022!

John Carter de Edgar Rice Burroughs - Criação 1911 (estimado)

Tarzan de Edgar Rice Burroughs - Criação 1912

Zorro de John McCulley - Criação 1919

Buck Rogers de Philip Francis Nowlan - Criação 1928

Hugo Danner de Philip Wylie - Criação 1930

O Sombra de Walter B. Gibson - Criação 1930

Doc Savage de John Nanovic, H.W. Ralston e Lester Dent - Criação 1933

O Aranha de Herry Steeger - Criação 1933

O Besouro Verde de George W. Trendle e Fran Striker - Criação 1936

Olga Mesmer de Watt Dell (pseudônimo?) - Criação 1937

Morcego Negro 1ª versão W.F. Jenkins (1933) / 2ª versão N.A. Daniels (1939)


Personagens de Transição

Flash Gordon de Alex Raymond - Criação 1934.

O Fantasma de Lee Falk e Ray Moore - Criação 1936

Mandrake de Lee Falk - Criação 1934.
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