Pegue um bloco de puro "Ódio". Submeta-o à uma depuração a partir de um rigoroso processo de destilação. Após uma ou duas destilações você terá um bloco menor, mas profundamente mais puro. Não satisfeito com isso depure-o novamente mais uma ou duas vezes... Após essa penosa série de purificações você terá a "Quintessência" do mais puro, primal e profundo "Ódio". Daquele seu bloco original terá sobrado apenas uma pequeno frasco de "ódio" concentrado. Nele, administre mais duas ou três gotas de "vingança" e despeje-o dentro de um homem. O que você terá com isso? Você terá... Django.
Django Livre, o mais novo filme de Quentin Tarantino estreou há uma semana e fui assisti-lo há alguns dias. Jamie Foxx interpreta Django e, diferente do Django original (também um espetacular Western Italiano dos anos 60) do cineasta Sérgio Corbucci, esse novo é negro e escravo que, por um golpe do destino, vê-se com a possibilidade de executar vingança contra seus antigos senhores e ainda resgatar sua esposa de um fazendeiro sulista (Leonardo DiCrapio). Tarantino expõe de forma visceral a escravidão em sua forma mais abjeta ao revelar parte do relacionamento entre senhores e escravos em um Estados Unidos pré guerra civil em 1858. Essa guerra civil em questão viria partir os Estados Unidos ao meio jogando o Sul escravocrata contra o Norte abolicionista captaneado pelo Presidente Abraham Lincoln.
Embora eu tenha lido algumas resenhas do filme afirmando que ele simplesmente não trata a escravidão de forma séria eu não concordo pois a narrativa traz todos os elementos que fizeram parte do universo escravo: o negro massacrado até sua esperança ser totalmente destruida; os homens brancos agindo legalmente no processo de escravidão por intermédio da lei que os respaldava e ilegalmente, por meio da Klu Klux Klan; o negro totalmente assimilado dentro da casa de seu patrão, muitos inclusive agindo como os brancos; e finalmente a assombrosa violência com que a maioria dos escravos eram tratados. Tarantino, à semelhança do que fez em "Bastardos Inglórios", arma o mais fraco na história e lhe dá condições de enfrentar a maldade humana.
O filme escancara a violência e a serve de forma requintada através de intepretações poderosas como a de Leonardo DiCaprio que faz um fazendeiro escravocata interessante pois, apesar de seu aparente histórico de violência possui um toque afeminado no íntimo, exposto de forma muito sútil pelo ator. Talvez por isso mesmo DiCarpio torna seu personagem tão complexo. O filme possui uma tensão constante e nisso assemelha-se muito aos antigos Westerns Italianos que, em minha opinião foram os responsáveis por libertar esse gênero de seu uso panfletário pelo cinema Norte-Americano. Em alguns momentos eu questionei comigo mesmo o propósito de tantas mortes no filme, porém a resposta está nele mesmo, ou seja, está no que o homem branco foi capaz de fazer com os negros e na resposta que isso gera.
Em seu Twiter o cineasta norte-americano (e negro) Spike Lee disse que não iria assistir ao filme de Tarantino por achar que ele desrespeitava a memória de seus antepassados que sofreram na escravidão e que a servidão de um povo não era um "Western Spaguetti". Spike Lee firma sua posição na equivocada ideia de que Tarantino não leva a sério a escravidão ao usar a narrativa dos Westerns Italianos, o que desmereceria o assunto, banalizando-o. Lee está errado porque Tarantino leva a sério a escravidão sim e de forma contundente. Se Django Livre estivesse usando qualquer outra temática que não a escravidão eu diria à vocês que a violência foi desmedida e sem propósito, que está ali apenas para chamar público e levantar a bilheteria (como tantos filmes fazem e já fizeram apenas para chocar a platéia). Mas Tarantino se safa desta crítica porque ao usar a escravidão e mostra-la de forma tão violenta ele simplesmente joga essa "conta" no "ser humano". Ou seja, sai isento porque não faz nada além de nos colocar diante de um espelho e mostrar-nos até onde o homem vai em sua ânsia pelo "vil metal".
Posso dizer que, em certa medida, Tarantino é herdeiro de Sérgio Leone ao conseguir transpor para as telas o hermético mundo masculino. O que é realmente importante está implícito, não precisa ser explicado. Olhares e códigos de um mundo embrutecido são mostrados e, para bom entendedor, comportamentos já falam por sí. O cinema precisa novamente retornar a esse local em que roteiro, a boa história, tem primazia sobre qualquer outro adereço.
O filme, obviamente, não é um exercício para se teorizar possíveis alternativas à barbárie humana. Seu objetivo é outro, como falei acima, é nos colocar diante do que pode se encontrar no profundo do coração humano. Interessante, no entanto seria irmos além e nos perguntarmos o que se poderia fazer para contornar essas trevas mas, para isso, já temos Luher King e Ghandi. Esse último ainda com filme e tudo.
Django Livre é uma promessa de destaque para 2013, sobretudo por conseguir reverenciar o estilo Western Italiano com respeito e grandiosidade, usando um tema doloroso para a sociedade sem desrespeita-lo, ao contrário do que Spike Lee pensa.