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domingo, 17 de maio de 2020

Pílulas Fílmicas #8: Fúria Selvagem (1971)


Muito antes de Leonardo DiCaprio interpretar Hugh Bass em O Regresso (2015), homem atacado e praticamente morto por um Urso em 1820 durante uma expedição à remotos territórios indígenas norte-americanos, outro ator enfrentou esse desafio, o veterano e já saudoso Richard Harris. Fúria Selvagem (Man in the Wilderness) de 1971 apresenta a epopeia de sobrevivência de um homem que se negava a morrer. Diferente da versão de DiCaprio, Fúria Selvagem traz outras camadas ao homem que, mesmo estraçalhado pelo Urso e deixado para morrer, apega-se à vida. Uma destas camadas é sua dificuldade em entender o papel da fé em Deus frente à realidade de guerra e morte à sua volta. A partir disso, o expectador assiste a uma mudança silenciosa no personagem que Richard Harris interpreta. O diretor Richard C. Sarafian não cede a sentimentalismos ou melodramas e, com isso, mantem um filme duro e selvagem do início ao fim, apesar das questões filosófico-existenciais presentes no sub-texto. Em seu minimalismo o filme cresce e se expande para dentro da alma do expectador ao captar as descobertas existenciais do personagem central. O grande Diretor John Huston atua no filme interpretando o Capitão Andrew Henry à frente da estranha expedição à qual Hugh Bass fazia parte. A natureza selvagem que rodeia Bass é outro personagem no filme, e atinge seu clímax em uma cena que, em sua simplicidade, se torna antológica: o parto de uma criança indígena em meio aos silêncios da floresta. A cena recria a solidão da mulher que dá à luz mesmo rodeada por alguns chefes indígenas, a relação do recém-nascido com seu pai e o impacto que isso gera em Bass. À semelhança de filmes e livros que buscaram o retorno do homem à sua origem e simbiose com a natureza em seu estado bruto, Fúria Selvagem deveria, com certeza, fazer parte deste panteão.





John Huston como o Capitão Andrew Henry

sábado, 16 de maio de 2020

Guia de Cards: Revista Mundo dos Super-heróis - 2ª Série - Atualizado Maio 2020

Minicards: Evolução visual do Batman  - 1939 à 2018. Supercards: 89 - Quadrinhos: Batman contra o Monge Louco - Parte 1 (Detective Comics #31 - Setembro de 1939); 90 - Filme: Batman - O Retorno (1992).

A Revista Mundo dos Super-heróis é a publicação jornalística acerca do mundo dos gibis, super-heróis e afins mais longeva da história do Brasil. Em 2018 alcançou a marca de inimagináveis 100 edições. Um feito para qualquer nerd, em especial o aficionado por quadrinhos, comemorar. A partir da edição 101, o time editorial resolveu presentear os fãs com uma coleção de Supercards. Estes Supercards foram alvo de uma matéria aqui no Blog na qual comentei acerca da riqueza do material. Não apenas por trazer momentos emblemáticos da 9ª Arte nos quadrinhos, filmes e séries, mas por inserir no verso de cada supercard um texto que contextualiza aquele momento. Das edições 101 à 111 foram lançados 88 Supercards que podem ser apreciados na minha matéria anterior. Quando chegou à edição de Nº 112 percebi que a coleção havia se modificado um pouco. Agora, além de dois Supercards por edição o fã passou a receber 27 minicards com a evolução visual de determinado personagem ao longo de sua existência.

Minicards: Evolução visual da Mulher-Maravilha - 1941 à 2016. Supercards: 91 - Animações: Batman Ninja (2018); 92 - Animações: Batman: O Mistério da Mulher-Morcego (2003).

A mudança veio presentear o fã não apenas com o aspecto artístico evolutivo do super-herói/super-heroína, mas no verso de cada minicard o leitor tem um pequeno texto que contextualiza o uniforme e acessórios ali apresentados. Quando lidos na sequencia, cada série de minicards se torna quase que uma pequena enciclopédia com informações extremamente interessantes acerca da evolução do personagem. Além das óbvias curiosidades que se pode encontrar nos textos, o fã consegue muito bem situar a evolução artística do personagem em paralelo ao espírito do tempo vigente em sua época. Há, portanto, uma insinuação muito bem feita entre imagem, concepção artística e o conjunto do clima intelectual e cultural do mundo da época (Zeitgeist). Assim, o que à princípio pode parecer apenas um elemento atrativo na hora da compra da revista, se torna na verdade um rica fonte de consulta e análise.

Minicards: Evolução visual do Coringa - 1940 à 2018. Supercards: 93 - Filme: Capitão América: O Filme (1991); 94 - Animações: Liga da Justiça - A Nova Fronteira (2008).

Os textos no verso de cada minicard são de Clayton Godinho, o mesmo que já assinava e continua assinando os textos no verso dos Supercards. São textos curtos, objetivos e bem escritos. As ilustrações dos personagens em cada fase é de Débora Caritá. Nesta matéria apresento à vocês esta segunda série desta que é uma grande iniciativa dos Editores da Revista. Como o lançamento desta série ainda está em curso, teremos atualizações sempre que um novo número da revista chegar às bancas. Assim, você poderá acompanhar o que está saindo.

Minicards: Evolução visual da Viúva Negra - 1964 à 2018. Supercards: 95 - Quadrinhos: E Agora, Tudo Começa (Nick Fury, Agents of Shield #4 - Setembro de 1968); 96 - Quadrinhos: Superman Liberto (Superman #233 - Janeiro de 1971).

Eu penso que iniciativas como esta não podem deixar de ser noticiadas e acompanhadas. Digo isto porque vivi uma época (anos 80 e 90) em que pouco, ou nada se tinha aqui no Brasil que pudesse auxiliar o fã a conhecer melhor seus personagens e artistas preferidos, e muito menos conseguir entender de forma mais precisa a evolução cronológica de heróis e vilões da 9ª Arte. É por isso que abro espaço aqui no Blog para noticiar a apresentar esse tipo de iniciativa, além de tentar auxiliar a todos aqueles que estão fazendo a coleção ou simplesmente não a conheciam.

Minicards: Evolução visual do Arqueiro Verde - 1941 à 2018. Supercards: 97 - Nostalgia (Série): O Arqueiro Verde (1940); 98 - Séries: Arrow 5ª Temporada (2016).

Não deixem de acompanhar esta grande e histórica coleção que, à semelhança da incrível Coleção de Cards do Festival Guia dos Quadrinhos (lançada nas edições do festival de mesmo nome aqui em São Paulo nos últimos anos) veio para satisfazer até mesmo o leitor mais exigente.

Minicards: Evolução visual da Arlequina (1993 à 2016), Canário Negro (1947 à 2016) e Caçadora (1977 à 2016). Supercards: 99 - Quadrinhos: Batman: O Cavaleiro das Trevas #4 (Batman: The Dark Knight Returns #4 - Junho de 1986); 100 - Quadrinhos: The Dark Knights Returns: The Golden Childs #1 - Dezembro de 2019.

Minicards: Evolução visual do Thor - 1962 à 2020. Supercards: 101 - Animações: Thor - O Filho de Asgard (2011); 102 - Quadrinhos: O Bom, O Mau e O Misterioso (The Silver Surfer #4 - Fevereiro de 1969).

Minicards: Evolução visual do Superman - 1933 à 1990. Supercards: 103 - Quadrinhos: Superman (Action Comics #1 - Junho de 1938; 104 - Nostalgia (Série): Superman (1948); 105 - Animações: Superman Contra a Elite (2012); 106 - Quadrinhos: Apocalypse!! (Superman #75 - Janeiro de 1993).

quarta-feira, 6 de maio de 2020

Face Oculta - Um Épico a ser Descoberto


Dizer que há uma fórmula para se fazer uma boa obra é, sem dúvida nenhuma, uma grande bobagem. Mas talvez pudéssemos teorizar a respeito de elementos que possivelmente contribuem. Por exemplo: 1) personagens críveis que nos trazem (aos poucos) uma identificação profunda com eles; 2) um pano de fundo, seja ele épico ou não, que respeite o "espírito do tempo" (contexto) da época ali retratada; 3) um enredo dentro do qual os dramas humanos crescem a transbordam, deixando apenas a violência e outras "pirotecnias" narrativas como moldura para as pessoas de carne e osso... entre outras. FACE OCULTA é um quadrinho da Editora Italiana Sergio Bonelli lançado pela Panini aqui no Brasil entre setembro de 2016 e maio de 2018 em 3 volumes. Posso antecipar que a obra já figura entre minhas melhores leituras de 2020 e, possivelmente, passe a integrar meu panteão de HQs favoritas. Escrita pelo roteirista, cantor e compositor italiano Gianfranco Manfredi, FACE OCULTA narra a vida de Ugo Pastore, um jovem pacifista que se vê lançado dentro de uma Guerra já esquecida empreendida pela Itália no final do século 19. Na época o país europeu voltou sua atenção colonialista para a África, mais especificamente para Etiópia, um importante local que serviria de base para as intenções comerciais e territoriais Italianas. A isso se sucedeu a 1ª Guerra Ítalo-Etíope 1895-1896.


Mas o que parece ser um episódio longínquo e obscuro da história Italiana ganha proporções gigantescas dentro de FACE OCULTA. Percebe-se o quão sofrido, violento e marcante pode ser um conflito. Além de como determinados momentos da história de um país podem rapidamente serem esquecidos ainda que tenha custado milhares de vidas. A Etiópia é apresentada como um país que, apesar de pobre, possui um povo incrível, sofrido e apto a lutar. A Itália em sua arrogância experimenta uma das suas mais estrondosas derrotas (e isso não é "spoiler" já que está nos livros de história).


Lançado no Brasil em 3 volumes, FACE OCULTA tem como outra figura central o guerreiro Etíope conhecido como Face Oculta, que dá nome à obra. Um homem que nunca mostrou seu rosto a ninguém e é dono de uma coragem e virtude sem igual, o que passa a lhe render a fama de um homem quase santo. Apesar de fictício, Face Oculta se baseia em vários personagens da época. Junta-se ao núcleo central de personagens o Tenente Vitorio de Cesari e a jovem dama Matilde Sereni. Apesar deste núcleo (Ugo, Face Oculta, Vitorio e Matilde serem fictícios), os demais personagens da série não o são. Por exemplo o Monarca da Etiópia o Rei Menelik II, sua Rainha extremamente influente e estrategista Taitú, além dos vários militares Italianos que aparecem ao longo do combate.


Se você está esperando uma aventura romanesca posso dizer que você até a encontrará, no entanto o diferencial da obra é apresentar a vida "nua e crua" próximo à virada do século. A maioria das obras, filmes e relatos históricos a que fomos apresentados sobre a época, nos passaram uma violência e uma crueza já filtradas, o que nos distancia do drama e do pouco valor que se dava a vida humana. Isso até parece destoar da pompa e circunstância do período, mas é o que acontecia abaixo dos salões dos palácios. O autor conseguiu criar personagens que são realmente humanos. Mesmo o herói de guerra, o jovem Tenente Vitorio de Cesari, encarna uma pessoa que se torna viciado na violência, na guerrilha e, portanto, nada parece com um herói.


Já a dama Matilde personifica a mulher da alta sociedade na virada do século 19 para o 20. Insegura, apaixonada, rica e com forte inclinação para a loucura, Matilde lembra muito o papel de Ingrid Bergman no famoso filme de 1944 Gaslight (À Meia Luz), no qual interpreta uma jovem herdeira que sofre abusos psíco-emocionais. Mas a grande promessa é Ugo Pastore. Exímio atirador, Ugo tem um problema na visão esquerda que em nada o impede de ter uma pontaria incrível. Apesar disso nega-se a matar. Não quero dar "spoiler", mas só posso dizer que Manfredi conseguiu construir um herói sombrio, íntegro, amável, mas ao mesmo tempo seguro e firme, e que ao final de FACE OCULTA terá sido provado e se transformado em alguém digno de ser um verdadeiro e sombrio herói. Qualquer semelhança de personalidade com um certo Bruce Wayne acredito não ser mera coincidência, só que no caso de Ugo é melhor, porque o leitor consegue submergir no drama pessoal do personagem e assim realmente se torna próximo dele. Algo que, em relação à Bruce Wayne nunca tivemos muita chance de fazer, já que sua história sempre nos foi narrada em flashes.


FACE OCULTA entrega uma história épica como há muito tempo não via. Não é exagero compara-la a outras obras épicas que tiveram como pano de fundo Guerras e sofirmento como é o caso de "...E O Vento Levou" de Margaret Mitchell e "Dr. Jivago" de Boris Pasternak. No início de cada capítulo de FACE OCULTA, Gianfranco Manfredi escreve excelentes textos introdutórios que contextualizam e dimensionam muito bem o desenrolar da trama. Uma novidade (para minha alegria) que fiquei sabendo assim que terminei de ler FACE OCULTA, é que a história tem continuação com Ugo Pastore à frente, e já está em financiamento coletivo na Plataforma Catarse. Intitulada Shangai Devil, o leitor continuará acompanhando a trama tendo agora um outro pano de fundo histórico, A Rebelião dos Boxers na China entre 1899 e 1901. Minha sugestão à você seria ler FACE OCULTA e apoiar o projeto de Shangai Devil. Valerá a pena!




O Rei Menelik II e sua poderosa consorte, a Rainha Taitú.
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