Translate

domingo, 30 de abril de 2023

Pílula Gráfica #24: Gus . Nathalie - (2016) - Uma abordagem criativa e afetivamente subversiva do velho oeste!



Quando recomendaram-me Gus (e isso aconteceu várias vezes), esperava encontrar uma história que, embora com um desenho caricato, traria uma história ao estilo Tex Willer, ou quem sabe uma história  ao estilo Western Italiano. A verdade é que a obra não tinha nada a ver com nenhuma abordagem do velho oeste que eu já havia conhecido. Gus é, na verdade, o nome de um assaltante que, ao lado de outros dois companheiros, sobrevive de roubos a trens e bancos. Entretanto, não são as aventuras que ele vive ao lado dos amigos o ponto central da narrativa, mas sim a vida amorosa do pequeno bando. O autor, Christophe Blain, apresenta as carências masculinas pelo afeto feminino (na maioria das vezes reprimida) usando como pano de fundo uma ambientação das mais inesperadas, o hermético mundo masculino do oeste selvagem. Na obra de Blain, embora violentos, Gus e Cia. vivem às voltas com relações familiares, amores não correspondidos e, sobretudo com a busca de mulheres para conhecerem e se relacionarem. Para fãs (como eu) do tradicional Western, em que o anti-herói pistoleiro é quase sempre total ou parcialmente infalível, Gus traz uma leitura que me obrigou a refazer alguns pressupostos esperados e exigidos do gênero. E nesse processo, tive que abrir espaço para outras visões que possivelmente fizeram parte sim da época. Inicialmente confesso que torci o nariz, mas depois, a narrativa leve, descompromissada, engraçada e criativa de Blain me fez navegar cada vez mais à vontade. A obra possui início, meio e fim, e foi trazida ao Brasil pela editora Sesi-SP. Tive um pouco de trabalho para conseguir um dos volumes da série, que no Brasil contou com 4 volumes: Gus - Nathalie (2016); Gus - Belo Bandido (2017); Gus - Ernest (2017); Gus - Feliz Clem (2018). HQs que envolvem desenhos muito caricaturais raramente chamam minha atenção, o que confesso ser um defeito. Isso quase aconteceu com Gus, mas foram indicações que me chegavam continuadamente sobre a HQ, que aos poucos, foram minando meu certo distanciamento. Se você quer conhecer um aspecto interessante, diferente e inovador do velho oeste, Gus é uma excelente obra. Vale muito a pena!!



domingo, 23 de abril de 2023

Pílula Literária #11: Os Três Impostores



Por motivos que ainda me escapam (muito embora eu já tenha hipóteses para explicar este fenômeno literário brasileiro) diversas pequenas editoras nacionais têm surgido nos últimos anos catapultadas pelo sucesso das plataformas de financiamento coletivo. Wish, Clepsidra, Cartola, O Grifo, Ex Machina, Melusine Press, Skript... são editoras que entraram no mercado com uma ótima curadoria e com uma proposta de resgatar grandes obras inéditas ou lançadas no Brasil em um passado muito, muito distante. O livro Os Três Impostores é fruto desta bem vinda onda de lançamentos de tesouros perdidos. Escrito em 1895 por Arthur Machen é, nas palavras de Jorge Luís Borges uma obra-prima secreta: "A literatura tem pequenas obras-primas quase secretas. Os Três Impostores é uma delas". A obra foi comentada por outros gigantes também: "Após um estudo minucioso da técnica de Poe, sou forçado a dizer que seus contos foram superados pelos de Arthur Machen" - Robert E. Howard; "Os Três Impostores traz a histórias que talvez represente o ponto culminante da perícia de Machen como arquiteto do horror" - H.P. Lovecraft. O livro faz jus aos comentários. Com uma história que se passa na Londres da virada do século XIX para XX, a obra tangencia constantemente o estranho e a arqueologia pagã, mantendo o leitor o tempo todo sem saber se realmente estamos falando de invenções mágicas ou relatos verídicos. A narrativa traz dois amigos da aristocracia intelectual londrina (Dyson e Phillips) que se envolvem com os relatos de 3 outras respeitáveis pessoas (Davies, Helen e Richmond). Seriam as narrativas contadas por estas pessoas verídicas? Machen traz "histórias dentro de histórias" mantendo sempre o fio narrativo principal muito bem posto, o que auxilia o leitor como uma linha deixada na floresta para que não nos percamos. O terror e o horror estão presentes, entretanto, nas sombras, à espreita, e não de forma explícita (exceto pelo final do livro!). A edição traz uma Introdução escrita pelo próprio Machen comentando a repercussão que o livro teve à época e um artigo do autor publicado em 1934. Coroam também a edição da Editora Ex Machina dois textos que contextualizam de forma precisa a obra. O primeiro (o prefacio do livro) é assinado por James Machin, na verdade um texto originalmente publicado como ensaio para uma edição europeia do livro. O segundo de autoria de Guilherme da Silva Braga (tradutor da edição brasileira) que é Doutor e mestre em estudos de literatura pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. O texto do Guilherme traz inferências incríveis que à principio passam despercebidas mesmo para os mais atentos leitores. Um texto que, quando terminei de ler, redimensionou incrivelmente a obra. Os Três Impostores precisa ser conhecido por amalgamar o cotidiano e o ordinário ao obscuro, àquilo que se esconde nas sombras.

Arthur Machen

sexta-feira, 21 de abril de 2023

Pílula Literária #10: Torto Arado














Muitas vezes, ou melhor, na maioria das vezes, as palavras (escrita ou falada) comportam-se de maneira a reduzir a profundidade e grandeza dos sentimentos. Entretanto, eventualmente alguém é capaz de, primeiramente doma-las e aquieta-las dentro do turbilhão da mente, para depois continuar a difícil lavra de as colocar na ordem precisa e correta para aproximar o texto ao que se sente. Mais difícil ainda é usa-las num contexto que signifique algo profundo para muita, muita gente. Itamar Vieira Júnior consegue isso no seu TORTO ARADO, livro de 2019 ganhador dos Prêmio Jabuti de Romance Literário, Prêmio Jabuti de Livro Brasileiro Publicado no Exterior, Prêmio Oceanos entre outros. Mas mais que prêmios, o livro lembra Érico Veríssimo no seu Tempo e o Vento, ao trazer as histórias e memórias das irmãs Bibiana e Belonísia. Guerreiras das batalhas escondidas no cotidiano do verdadeiro Brasil, o Brasil profundo... Crias de uma sociedade profundamente marcada por anseios e tragédias ancestrais... Vozes que ecoam dentro de qualquer habitante do continente sul-americano. Herdeiro desta estirpe, o Geógrafo, Doutor em Estudos Étnicos e Africanos pela UFBA, Itamar Vieira Junior é, com orgulho, um dos nossos melhores "domador de palavras" da atualidade.

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...