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domingo, 19 de junho de 2022

Pílula Literária #5: Norma Bengell

Norma Bengell começou a entrar em meu subconsciente há cerca de uns 10 ou 15 anos. Foi uma infiltração lenta e progressiva. Não consigo me lembrar quando essa fixação começou, mas sei quando ela se intensificou. Foi quando descobri sua participação no filme O Planeta dos Vampiros (Terrore nello Spazio - 1965) de Mario Bava. O interesse cresceu quando me fiz a seguinte pergunta: como uma atriz Brasileira conseguiu sair do circuito artístico nacional e 1) ganhou o mundo, 2) fez seu nome em produções italianas e francesas de qualidade das décadas de 60 e 70, 3) namorou Allain Delon, 4) conheceu Orson Welles, 5) ficou em pé de igualdade com artistas famosos do cinema mundial, 6) foi premiada em Cannes, 7) tomou uma postura firme contra a ditadura no Brasil, 8) foi exilada, 9) retornou, 10) foi pedra fundamental para a retomada do cinema Brasileiro na década de 90 e, 11) por fim... foi completamente esquecida? A resposta para este desconhecimento é complexa mas passa pelas opções de Norma que, apesar de sexy simbol, não deixou que lhe colocassem cabresto. Escolheu viver livre e, sendo mulher em uma sociedade repressora, foi punida várias vezes. Foi difícil achar literatura acerca de sua vida, mas ao garimpar achei nada menos que o livro "Norma Bengell" da nVersos Editora. A obra é na verdade a coletânea das páginas de seu diário pessoal, garimpadas e resgatadas pela produtora Christina Caneca. Norma Bengell é uma das biografias livros mais interessantes que já li. Nela, a atriz conversa consigo mesma da forma como viveu, sem pudor. Ao fazer isso ela desnuda  a si mesma como uma pessoa selvagem, intensa no amor, simples, honesta (a despeito do que disseram ao final da sua vida), fiel à liberdade, que não comemorou nunca seus pecados (entre eles muitos abortos), mas que também não deixou de assumi-los. O livro é um intenso TOUR pelo Brasil do século 20, saindo da época das vedetes, passando pelo cinema brasileiro da época da Vera Cruz e Atlântida (com Oscarito, Grande Otelo, Odete Lara), mergulhando fundo na cultura dos anos 60 em plena efervescência europeia, apresentando as prisões e perseguições políticas reais e como eram conduzidas. Norma vive o Brasil pós abertura política, as transformações sociais e a ingratidão do seu país natal com seus verdadeiros ídolos culturais. Não há como não se encantar com passagens incríveis como as experiências da atriz em Cannes, seu relacionamento terno e respeitoso com o presidente João Goulart (Jango) no exílio na França, seu encontro com o Presidente Ernesto Geisel e a incrível reação do militar ao estar diante de Norma, reação semelhante que se repetiria no encontro da atriz com Itamar Franco. Entendo agora porque os olhos de homens, hoje na casa dos 80 anos, ainda brilham ao ouvirem o nome Norma Bengell. Uma Brigitte Bardot brasileira que, nas palavras da atriz "foi chamada de puta, sapatão, sapatilha, comunista mas que nunca poderão chama-la de uma coisa: covarde". As poucas e últimas palavras de seu diário escritas ao longo de seus últimos anos destilam sua visão de mundo:

"O artista vive a oposição do mundo vivido e do mundo sonhado."

"O quanto de minha juventude já se perdeu? Pensando melhor, nada se perdeu. Muito da minha juventude está impressa no tempo, nos celuloides, como a beleza fixada para sempre no inconsciente de todas as pessoas..."

"Sou invencivelmente frágil..."

"Não preciso lembrar de tudo, pois prefiro imaginar as coisas..."






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