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domingo, 30 de janeiro de 2022

Pílula Gráfica #16: Adam Strange - Estranhas Aventuras - (2021)


Como deixar um herói que foi criado a partir de outra percepção cultural, pertencente à outra visão de mundo, novamente relevante dentro do "espírito" de nosso tempo? Este seria um exercício que, apesar de difícil, traria uma grande oportunidade de se fazer homenagens, de se reestruturar conceitos e, acima de tudo, provar que qualquer tipo de ficção é relevante independente de seu ambiente cultural de criação. Não é de hoje que o roteirista Tom King tem se destacado com suas abordagens filosóficas dentro dos quadrinhos, haja vista seus trabalho com o Visão e Senhor Milagre. A Editora DC comics já percebeu que, ao que parece, Tom King é melhor ao trabalhar em universos autocontidos, fora da cronologia oficial e com maior liberdade com os personagens. Em Estanhas Aventuras, King retoma agora um personagem baseado diretamente na dinastia de heróis espaciais clássicos (Buck Rogers, Flash Gordon, John Carter...): o Arqueólogo Adam Strange. Criado em 1958 por Julius Schwartz e Murphy Anderson, Strange se vê abduzido pelo raio Zeta para um Planeta à 40 trilhões de quilômetros da Terra, o Planeta Rann, onde passa a viver incríveis aventuras. Dotado de uma mochila-foguete, capacete barbatana e arma de raios, Adam Strange é um herói capaz de capturar rapidamente a imaginação de quem curte sci-fi clássica. Em Estranhas Aventuras (publicada recentemente pela Editora Panini no Brasil em dois volumes), Tom King explora algo mais profundo, a saber, a natureza da verdade, os limites do sacrifício e da rendição. Tudo recheado com as cores do nosso tempo: ferramentas midiáticas, política, manipulação ideológica, polarização... A história é contada sempre em dois momentos, um deles traz eventos que ocorreram em Rann há algum tempo (A Guerra entre Rann e os invasores da raça Pykkt), intercalados com eventos atuais já na Terra quando Adam Strange e sua portentosa e empoderada esposa, a Princesa Alanna de Rann, são considerados heróis. A arte dos eventos que se passam durante a Guerra em Rann são do artista Evan "Doc" Shaner, e a dos tempos atuais do já parceiro de King, o desenhista Mitch Gerads. A arte de Gerads é tão maravilhosa que acaba por ofuscar a de Shaner, que apesar de ser excelente, fica diminuída. Gerads tem se especializado em trazer um desenho que (em minha opinião) lembra o de Bill Sienkiewicz, mas sem a abstração e surrealismo característicos de Sienkiewicz. Excepcionais são as passagens em que Strange interage com membros da Liga da Justiça (Batman, Superman, Lanterna Verde, Gavião Negro...). Outro destaque é a forma com que Tom King trabalhou um personagem relativamente obscuro da DC, o Senhor Incrível. King conseguiu transformar o herói em alguém profundo, dramático, interessante e respeitável. À ponto de Batman recorrer à ele para uma investigação durante a história. Muitos são os pontos positivos de Estranhas Aventuras, uma HQ de super-heróis que merece ser conferida e discutida!









sábado, 22 de janeiro de 2022

Pílula Literária #2: O Natal dos Fantasmas


Se tem uma coisa que meu ano literário de 2022 trouxe de bom, logo no início, foi a belíssima coletânea de contos vitorianos O Natal dos Fantasmas. Financiado pela plataforma Catarse tendo a incrível Editora Wish à frente, o livro é uma experiência imersiva imaginativa completa, considerando os detalhes editoriais. O tipo de papel, a biografia com foto de cada autor antecedendo cada conto, a presença do fitilho para marcação das páginas, os brindes que vieram com a edição à todos aqueles que apoiaram o projeto... e, obviamente, a qualidade da coletânea. Posso dizer que, para mim, este é o primeiro mergulho que dou no oceano da literatura vitoriana. E não poderia ter tido a maior e melhor experiência dos meus últimos anos como leitor. A leitura do livro funciona (para o leitor imaginativo) como a entrada em uma antiga e escondida loja de relíquias, um antiquário, cheio de tesouros ancestrais, cada qual com alguma magia interna a ser descoberta. A ambientação editorial da obra permite uma entrada fácil nesse universo. Tirando Charles Dickens e Robert Louis Stevenson, todos os demais autores eram desconhecidos para mim. Jerome K. Jerome, Eizabeth Gaskell, A.M. Burrage, Elinor Glyn, John Berwick Harwood, Rosemary Timperley, J.M. Barrie, John Kendrick Bangs, Algernon Blackwood e Marjorie Bowen passaram a integrar meu radar literário. Expoentes de seu tempo, os autores apresentam seus contos que, devidamente contextualizados ao ambiente da época, são fascinantes. Toda ideação mítica do Natal é transposta para as páginas, oscilando entre narrativas mais leves (cômicas e românticas) até históricas mais densas e efetivamente de terror. Mas todas, tendo como pano de fundo o Natal, mais especificamente a véspera de Natal. Independente de nós, habitantes dos trópicos, termos uma ambientação climática diferente em relação ao Natal, em comparação aos habitantes do hemisfério norte, a força da atmosfera natalina envolvendo neve, frio, casas antigas e lugares escondidos é forte demais... impulsionando-nos para dentro de um sentimento de fascinação que facilmente se conecta com o estranho, o bizarro e, ao mesmo tempo o triste e o melancólico. Meu encontro com o livro foi totalmente ocasional ao passear pelos projetos da Plataforma Catarse e, através desse encontro pude conhecer a proposta da Editora Wish, de trazer livros clássicos com temáticas fascinantes. Parabéns aos curadores da editora. Esta é minha primeira dica de 2022, conheçam o universo vitoriano cheio de significados e magia que se esconde por trás desta e de outras obras similares!!





terça-feira, 4 de janeiro de 2022

Viagem Literária - 2021

O ano de 2021 trouxe algumas descobertas literárias importantes para mim. Todo ano faço uma edição do Viagem Literária, infelizmente apenas hoje consegui parar um pouco para trazer minhas experiências como leitor em 2021 aqui no Blog. Nessa viagem conheci uma estranha realidade ao lado do autor China Mieville no livro A Cidade e a Cidade. Finalmente li um dos contos mais conhecidos de H.P. Lovecraft em uma primorosa edição da Editora Skript, a saber, O Chamado de Cthulhu. Logo em seguida mergulhei no rico universo da dramaturgia de uma das maiores autoras Brasileiras ao ler Nossa Senhora das Oito, livro que apresenta de forma ágil a obra de Janete Clair. Além disso, arrisquei a leitura de um guia super interessante chamado O Melhor do Terror dos Anos 80 e busquei algumas respostas para o mundo no Breves Respostas para Grandes Questões de Stephen Hawking. A grande surpresa de 2021 veio com a leitura do maravilhoso O Deserto dos Tártaros de Dino Buzzati e, enfim, o ano se encerrou aos cuidados de Ray Bradburry em sua obra A Árvore do Halloween


A primeira coisa que me chamou atenção no livro A Cidade e a Cidade de China Mieville foi a atmosfera. Há algum tempo eu ansiava pela leitura de alguma obra com algum viés Noir. A Cidade e Cidade na verdade transcende o gênero Noir tradicional ao apresentar um estranho cenário em um país (possivelmente do leste europeu) com suas estranhas regras e no qual duas cidades coexistem no mesmo espaço. Porém, as leis locais exigem que seus habitantes não interajam de forma alguma. Para além da estranheza do cenário, Mieville também inova ao apresentar uma escrita que por vezes soa ambígua, mas emoldura e potencializa o certo "desconforto" que o autor deseja produzir no leitor. A trama narra o assassinato de uma jovem que coloca em cheque a política de exclusão entre as cidades. Um livro único que acaba construindo metáforas importantes acerca do nosso estranho tempo atual.


H.P. Lovecraft é um escritor que possui um justificado reconhecimento amealhado ao longo de todo século XX. Muitos o conhecem sem nem se dar conta considerando que diversas obras de sucesso no cinema e literatura foram totalmente inspiradas em sua maravilhosa e envolvente narrativa. Responsável por inaugurar o chamado Horror Cósmico, Lovecraft tem em O Chamado de Cthulhu um dos seus contos mais conhecidos. A edição da Editora Skript conseguiu potencializar a escrita do autor ao chamar o ilustrador Salvador Sanz para desenhar momentos específicos da trama, e o faz de forma a captar toda atmosfera da história. Isso, somado ao acabamento gráfico e design geral do livro, transmite uma experiência única ao leitor. Se eu pudesse sugerir uma forma de conhecer H.P. Lovecraft eu o faria sugerindo esta edição. Fantástica!


Por que ler um livro sobre a obra de Janete Clair? Simplesmente porque ela foi uma das pessoas que (através de seus personagens) mais me acompanhou durante minha adolescência. Criadora de papéis icônicos na dramaturgia brasileira, sempre tive curiosidade de saber de que mente tais pessoas fictícias haviam saído. Personagens que, embora imaginários, eram tão concretos quanto todos nós. O livro Nossa Senhora das Oito é uma pequena obra que busca focar não exatamente a vida de Janete, mas sim sua obra. E quando faz essa opção acaba por revelar a autora da melhor forma possível pois, a obra de Janete a define. Nossa Senhora das Oito foi como uma máquina do tempo para mim. Embora tenha conhecido mais seus últimos sucessos na TV (e ainda sim lembranças esparsas), lembro de cada noite ser um acontecimento para todos nós lá em casa nos idos anos 80 em frente da TV.


A Editora Skript teve a interessante ideia de fazer um compilado dos melhores filmes de terror da década de 80, o guia O Melhor do Terror dos Anos 80. São 80 filmes resenhados de forma rápida e objetiva por um time de pessoas. Financiado pela plataforma Catarse, a obra traz em cada resenha o cartaz do filme (em preto e branco) seguido da narrativa. A leitura do guia foi muito prazerosa justamente em função das resenhas serem objetivas, se bem que em alguns filmes o leitor fica com um gostinho de "quero mais" dado a envergadura da obra. Um guia a ser consultado frequentemente para aqueles que querem reviver o clima oitentista ou querem simplesmente se deixar levar por filmes que nos convidam a suprimir nossa crença na realidade. Escapismo que aliás eu frequentemente lanço mão para sobreviver à rotina. Excelente lançamento que já conta com o volume dois (O Melhor do Terror dos Anos 90), também financiado pela Plataforma Catarse. Meu desejo é ver um volume 3 dedicado aos viscerais anos 70!!


O físico teórico Stephen Hawking deixou grandes contribuições ao longo de seus 76 anos de existência, alterando muito do que sabemos acerca do tecido da existência. Boa parte desses 76 anos ele esteve confinado em uma cadeira de rodas sem poder falar (a não ser através de um computador) ou se mover (exceto por um pequeno movimento de um de seus dedos). Morto em 2018, Hawking deixou como um último livro o Breves Respostas para Grandes Perguntas. Nele, o cientista expõe muito de sua visão de mundo. Oscilando entre o pessimismo e o otimismo, temos um panorama que hora apresenta o que ameaça nossa espécie e hora relata possíveis saídas. Para quem já acompanhava o trabalho dele por meio de seus outros livros, não há nenhuma grande guinada acerca de suas ideias. Mas para quem não o conhece muito, o livro é um excelente ponto de entrada. Mantendo seu bom humor costumeiro, há boas sequências de ideias. Apesar de eu saber um pouco do posicionamento de Hawking acerca de Deus, espantou-me um pouco sua resposta para a pergunta "Deus Existe?". Outras questões que ele ousa responder são: Como tudo começou?; Existe outra vida inteligente no Universo?; A Viagem no Tempo é Possível?; Sobreviveremos na Terra?.


A grande descoberta literária do ano para mim foi O Deserto dos Tártaros. Escrita pelo italiano Dino Buzzati em 1940, a obra torna-se colossal em suas poucas 171 páginas ao narrar a espera do Tenente Giovanni Drogo no longínquo e desolado Forte Bastiani. Drogo espera por uma invasão dos povos do Norte, os Tártaros, algo que parece cada vez mais improvável. Neste processo de espera contínua, o jovem Tenente vê a vida passar e com ela diversos anseios e desejos. O que poderia parecer um enredo simplista torna-se uma poderosa metáfora acerca de nossas próprias vidas. Ao final do livro ficou muito claro para mim qual era a verdadeira espera de Drogo e o que ou quem era seu principal inimigo. Um final que coroa uma obra monumental em sua simplicidade. A habilidade do autor é tal que, mesmo a ausência de acontecimentos ao redor do protagonista, em nada compromete o andamento da leitura, pelo contrário, uma vez que o mais importante para Buzzati é o que se passa dentro de Drogo, e não fora. Um dos livros que levarei comigo para sempre.


Minha última leitura do ano na íntegra foi A Árvore do Halloween do experiente e famoso Ray Bradbury (o mesmo de Fahrenheit 451). O livro, aparentemente dirigido para um público jovem, busca através de uma fábula traçar o caminho da história da humanidade em suas crenças e culturas. Livros dirigidos para o público adolescente/jovem possuem tesouros escondidos, uma vez que os autores escondem metáforas profundas no texto, caso de Alice nos País das Maravilhas, A Fantástica Fábrica de Chocolate, Os Meninos da Rua Paulo entre vários outros. No todo, A Árvore do Halloween cumpre o que se propõe, em alguns momentos, no entanto, pareceu-me que a narrativa de Bradburry se torna um pouco confusa. Após algum tempo do término do livro, as reminiscências do roteiro me inspiram, portanto o saldo é positivo. Gosto muito do autor, sobretudo pela sua magnífica e mais conhecida obra  Fahrenheit 451.

Bem amigos... Esta foi minha Viagem Literária em 2021. E a sua? Qual foi?

Um feliz 2022, com muitos livros!!

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