Depois de muitos anos na pilha de leitura, finalmente pude me aprofundar na biografia de um dos nomes mais conhecidos e ao mesmo complexos da 9ª Arte. Com um status quase mitológico, Alan Moore parece alguém com todos os requisitos de "lenda": recluso, avesso à publicidade e à cultura de massa. Na verdade um grande mistério para o público em geral. Após a leitura de sua primorosa biografia por meio da soberba edição brasileira de Alan Moore - O Mago das Histórias (Mythos Books), eu posso dizer que conheço muito mais do escritor, mas ao mesmo tempo ele continua sendo o mesmo mistério pra mim. Isso se deve às escolhas pouco convencionais que ele fez ao longo da carreira. Todos conhecemos o Alan Moore das obras fantásticas que criou, mas pouco sabemos de seus primeiros anos, suas dificuldades iniciais e, sobretudo o que fez depois que se afastou mais e mais do mainstream. Supreendentemente, Moore teve um início muito parecido com o dos demais autores do mundo dos quadrinhos. Ficamos, aliás, surpresos, ao sabermos do desejo inicial do artista de ser não apenas roteirista, mas também desenhista. A biografia é excelente não apenas por nos apresentar a vida de Moore, mas também por fazê-lo com uma profusão incrível de imagens de suas obras, imagens pessoais e de suas performances. Embora visto como alguém pouco ortodoxo devido à sua escolha de se transformar em um Mago no início dos anos 90, Alan Moore surpreende pela sua ética com aqueles com quem já trabalhou e em sua relação com o mercado editorial. Isso, aliás, coloca em xeque nossas ideias pré-concebidas acerca daqueles que se envolvem com esse tipo de campo místico. Foram justamente essas escolhas éticas que o afastaram das grandes editoras, ao ponto de muitos burocratas não entenderem quando o autor recusou ofertas gigantescas de dinheiro, gerando comentários do tipo: "Mas se ele não quer dinheiro, o que ele quer então?". A resposta talvez seria, "um tratamento digno para mim e para meus colegas". Apesar da obra ser minuciosa, Alan Moore continua um mistério porque sua visão de vida e de mundo são mostradas muito sutilmente por meio de suas obras e performances. Essas últimas encenadas em cidades da Inglaterra e muito voltadas para a psicogeografia (uma ciência que trata dos efeitos que o ambiente geográfico opera sobre as emoções e o comportamento dos indivíduos). Moore optou por cultivar seu universo pessoal e visão de vida, não cedendo aos apelos enganosos da mídia que muitas vezes busca "usar" autores e pessoas. Dono de uma mente complexa, de opiniões fortes a respeito de si e dos outros, Alan Moore não decepciona mesmo os mais curiosos ao mostrar um pouco de sua vida pessoal. E todas suas polêmicas declarações mais recentes acerca dos quadrinhos até podem ser entendidas (embora eu não concorde com elas) ao terminarmos esta leitura. Uma obra para ser lida, relida e consultada frequentemente por aqueles que querem entender não apenas os bastidores de obras seminais dos quadrinhos contemporâneos, mas também por aqueles que querem sondar a vida para além da superfície.
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Alan (centro) ao lado dos amigos Tim Perkins (esquerda) e David J (direita - baixista do Bauhaus) |
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Alan em uma de suas inúmeras performances de palco ligadas à psicogeografia |
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O Legado Moore para os Quadrinhos |