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segunda-feira, 28 de junho de 2021

Pílula Literária #1: Alan Moore - O Mago das Histórias


Depois de muitos anos na pilha de leitura, finalmente pude me aprofundar na biografia de um dos nomes mais conhecidos e ao mesmo complexos da 9ª Arte. Com um status quase mitológico, Alan Moore parece alguém com todos os requisitos de "lenda": recluso, avesso à publicidade e à cultura de massa. Na verdade um grande mistério para o público em geral. Após a leitura de sua primorosa biografia por meio da soberba edição brasileira de Alan Moore - O Mago das Histórias (Mythos Books), eu posso dizer que conheço muito mais do escritor, mas ao mesmo tempo ele continua sendo o mesmo mistério pra mim. Isso se deve às escolhas pouco convencionais que ele fez ao longo da carreira. Todos conhecemos o Alan Moore das obras fantásticas que criou, mas pouco sabemos de seus primeiros anos, suas dificuldades iniciais e, sobretudo o que fez depois que se afastou mais e mais do mainstream. Supreendentemente, Moore teve um início muito parecido com o dos demais autores do mundo dos quadrinhos. Ficamos, aliás, surpresos, ao sabermos do desejo inicial do artista de ser não apenas roteirista, mas também desenhista. A biografia é excelente não apenas por nos apresentar a vida de Moore, mas também por fazê-lo com uma profusão incrível de imagens de suas obras, imagens pessoais e de suas performances. Embora visto como alguém pouco ortodoxo devido à sua escolha de se transformar em um Mago no início dos anos 90, Alan Moore surpreende pela sua ética com aqueles com quem já trabalhou e em sua relação com o mercado editorial. Isso, aliás, coloca em xeque nossas ideias pré-concebidas acerca daqueles que se envolvem com esse tipo de campo místico. Foram justamente essas escolhas éticas que o afastaram das grandes editoras, ao ponto de muitos burocratas não entenderem quando o autor recusou ofertas gigantescas de dinheiro, gerando comentários do tipo: "Mas se ele não quer dinheiro, o que ele quer então?". A resposta talvez seria, "um tratamento digno para mim e para meus colegas". Apesar da obra ser minuciosa, Alan Moore continua um mistério porque sua visão de vida e de mundo são mostradas muito sutilmente por meio de suas obras e performances. Essas últimas encenadas em cidades da Inglaterra e muito voltadas para a psicogeografia (uma ciência que trata dos efeitos que o ambiente geográfico opera sobre as emoções e o comportamento dos indivíduos). Moore optou por cultivar seu universo pessoal e visão de vida, não cedendo aos apelos enganosos da mídia que muitas vezes busca "usar" autores e pessoas. Dono de uma mente complexa, de opiniões fortes a respeito de si e dos outros, Alan Moore não decepciona mesmo os mais curiosos ao mostrar um pouco de sua vida pessoal. E todas suas polêmicas declarações mais recentes acerca dos quadrinhos até podem ser entendidas (embora eu não concorde com elas) ao terminarmos esta leitura. Uma obra para ser lida, relida e consultada frequentemente por aqueles que querem entender não apenas os bastidores de obras seminais dos quadrinhos contemporâneos, mas também por aqueles que querem sondar a vida para além da superfície.

Alan (centro) ao lado dos amigos Tim Perkins (esquerda) e David J (direita - baixista do Bauhaus)












 

Alan em uma de suas inúmeras performances de palco ligadas à psicogeografia

O Legado Moore para os Quadrinhos
















domingo, 13 de junho de 2021

Pílula Gráfica #6: A Vida Secreta de Londres

Embora lançada em 2017 no Brasil, apenas esse ano consegui chegar na coletânea A VIDA SECRETA DE LONDRES (Editora Veneta). Uma HQ pouco convencional que aborda um tema conhecido por poucos ao que parece (eu pelo menos não conhecia): a psicogeografia. Definida pelo pensador francês Guy Debord, em 1955, a psicogeografia trata dos efeitos que o ambiente geográfico opera sobre as emoções e o comportamento dos indivíduos. Nesta perspectiva faz sentido pensar que determinados comportamentos humanos e a historicidade de determinados locais estariam ligados totalmente à ancestralidade e características do local. Eu tive particularmente sorte de ler A Vida Secreta de Londres muito próximo à outra obra que faz muita referência ao tema, Alan Moore - O Mago das Histórias (Mythos Books). Não à toa A Vida Secreta de Londres traz uma HQ do próprio Mago de Northampton, além de outros nomes de peso, tais como Neil Gaiman, Melinda Gebbie e Oscar Zarate (responsável pela organização da obra). De todo modo fiquei com uma sensação estranha ao termina-la. Uma sensação de ser, por algum tempo, integrado à uma certa insanidade prevalente no local. Fica claro que se você estiver com a sintonia certa seria possível acessar a vibração de determinadas esquinas, monumentos, ruas, alamedas, parques e assim se conectar com a "alma" do lugar. Ao terminar de ler fiquei totalmente imerso na possibilidade de aguçar um pouco mais minha sensibilidade para "sentir" os lugares por onde passo. Assim como paixões, felicidades, tristezas, raivas e uma ampla gama de sensações e sentimentos são vivenciados dentro de casas, assim também aconteceria com lugares em que eventos cotidianos e às vezes extraordinários acontecem. Will Eisner já havia mergulhado nesse tema em Nova York - A Vida na Grande Cidade e no conto O Edifício. A Vida Secreta de Londres não é uma HQ convencional, na verdade em alguns momentos é até indecifrável. O fato de não sermos moradores da Londres ou mesmo termos familiaridade com o local ajuda neste estranhamento. Mas mesmo dentro desta incompreensão e pouca afinidade somo levados a nos conectar com o lugar. Uma obra que deveria ser conhecida e debatida em círculos de apreciadores de boas histórias. E então?? Quais seriam as histórias escondidas ou impregnadas nas paredes e calçadas da cidade ou do bairro que você mora?



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