Translate

domingo, 29 de outubro de 2023

Pílula Literária #15: Zé do Caixão - Maldito



Durante toda minha vida o nome José Mojica Marins foi proscrito em função da minha herança cristã católica. Isto, no entanto, não evitou que o nome ficasse constantemente voltando e me assombrando em função da curiosidade que o próprio afastamento traz. Sempre achei que Mojica era simplesmente um homem metido com ocultismo e que, aproveitando sua macabra presença, havia surfado na onda cinematográfica. Pois eu não podia estar mais enganado. Mojica foi alguém muito mais interessante! Foi um gênio e também um adorável trambiqueiro. Apesar da ambiguidade que estes dois adjetivos possuem, a ponto de serem quase excludentes, Marins sintetizava os dois. Mas afinal... Quem foi José Mojica Marins? A resposta é, foi um cineasta brilhantemente intuitivo. Sem qualquer graduação formal na 7ª Arte, ele era um apaixonado pelo cinema e encontrou no gênero terror uma forma de expressar sua paixão. Longe de ser um ocultista (Marins tinha ascendência cristã), ele era apenas alguém que queria tirar de dentro de sua cabeça uma profusão de imagens e brilhantes elaborações artísticas com as quais não conseguia conviver sem dividi-las. Renegado por diversos nomes do cinema brasileiro das décadas de 1950 e 1960, foi reconhecido, no entanto, por cineastas do calibre de Glauber Rocha e Luis Sérgio Person. Mojica era aquele que exigia que você o odiasse ou o amasse. Não havia meio termo. A Biografia Zé do Caixão - Maldito dos jornalistas André Barcinski e Ivan Finotti foi uma das minhas mais agradáveis leituras de 2023. Esgotado já há algum tempo, infelizmente, o livro foi base para a minissérie homônima do Canal Space, com Matheus Nachtergaele no papel de Mojica. É impossível não ler o livro e não se identificar profundamente com o jeito brasileiro de Marins. Engraçado, simples, genial em sua sabedoria popular e nas suas técnicas para baratear custos, era fiel a si mesmo... Um sobrevivente que só conseguia estar bem se pudesse filmar algo. Um homem com inacreditáveis aventuras amorosas e que conseguia amar genuinamente a todas com quem se envolvia. O livro teve duas edições, sendo que a segunda veio atualizar uma das últimas empreitadas robustas de Mojica no cinema, o filme A Encarnação do Demônio, que fecha a trilogia iniciada em 1964 com À Meia-Noite Levarei sua Alma Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver de 1967. Aclamado internacionalmente pela sua obra, Mojica foi rejeitado pela elite cinematográfica brasileira nos anos 70, lhe restando apenas dirigir para um dos únicos segmentos capazes de gerar renda para diretores renegados, os filmes pornôs. Ele passaria a ser um proscrito, um pássaro negro de asas cortadas. Porém, algo que me chamou extrema atenção ao ler o livro, é a forma como ele enxergava a si próprio. Nunca demonstrou qualquer tipo de autocomiseração, de vitimização... Onde muitos se afundariam em um mar de auto piedade, Mojica continuava fazendo e buscando o que sempre quis, os palcos e as luzes. Ainda que muitos achem que Zé do Caixão e Mojica sejam a mesma pessoa, a verdade é que Zé do Caixão é um único personagem que saiu da sua cabeça. Mojica era muito maior que o Coffin Joe. E se as últimas gerações o viam apenas como um pícaro, em decorrência de suas aparições mais despojadas nas décadas de 80 e 90, na verdade estão redondamente enganadas! Minha admiração por ele só cresce e se fortalece, e um episódio que vivi há cerca de 3 semanas mostra bem o porque. Estava eu buscando os filmes de Mojica em um sebo na Rua Augusta em São Paulo quando perguntei ao dono do lugar se ele teria alguns filmes do Zé do Caixão. O dono, todo orgulhoso disse, "Tenho sim. Aliás, o Mojica sempre vinha aqui. Era meu amigo!". Depoimento genuíno, simples e direto sobre quem foi Marins, um homem simples, do povo... mas também um gênio!

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...