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sábado, 9 de novembro de 2019

Os Livros da Magia de Neil Gaiman


Com o recente início das publicações no Brasil do Universo de Sandman, decidi reler Os Livros da Magia de Neil Gaiman. Publicado originalmente em 1990 nos EUA, em 1991 no Brasil em forma de fascículos pela Editora Abril, e republicado pela Editora Panini em 2013 em edição de luxo, Os Livros da Magia é uma história em 4 capítulos que é o ponta pé inicial para todo um Universo arcano baseado em personagens da DC, alguns criados pelo próprio Gaiman dentro da série Sandman. Reler algo é um processo interessante, já que ninguém é mais o mesmo de pois de anos, e isso por si só já abre as portas para novos dimensionamentos e resignificações de obras anteriormente visitadas. Posso dizer que Os Livros da Magia cresceram em dimensão e importância após esta releitura.


Muito antes de existir Harry Potter, existia Timothy Hunter, personagem criado por Gaiman nesta primeira minissérie de 1990. Poderíamos até dizer que o Bruxo de Hogwarts parece ter sido uma cópia de Tim Hunter. Apesar da semelhança de idade, Harry Potter e Tim Hunter estão inseridos em Mundos muito diferentes, o de Timothy Hunter é muito mais perigoso e próximo de nossa realidade. A minissérie Os Livros da Magia serviu para apresentar Tim Hunter e seu lugar dentro do Universo Mágico Adulto da DC. Infelizmente, depois da publicação em 1991 pela Editora Abril, nada mais foi lançado do jovem Tim por aqui, o que está mudando com a reabordagem do personagem a partir do selo O Universo de Sandman, dentro do qual novas histórias de Tim Hunter serão trazidas para cá.

John Constantine, Dr. Oculto, Mr. Io e Vingador Fantasma

Em Os Livros da Magia são 4 os personagens incumbidos de apresentar ao menino o Mundo Arcano. Um Mundo que coexiste junto ao nosso mas que pode ou não ser revelado às pessoas, dependendo apenas do quanto elas se abrem para crer. Vingador Fantasma, John Constantine, Dr. Oculto e Mr. Io são os responsáveis em conduzir Tim à aspectos distintos do Universo da Magia, a saber: passado, presente, o mundo das fadas e o futuro. Mas o que o menino teria de especial? Tim Hunter é, na verdade, um garoto que traz dentro de si um potencial enorme para se tornar o próximo grande mago da Terra. Se ele se tornará esse mago tudo dependerá do que ele decidir frente ao que lhe for mostrado.

Passado, Presente, Mundo das Fadas e Futuro

Recheada de referências mitológicas Os Livros da Magia impressiona não apenas pelo texto de Gaiman (muito bem ajustado ao Universo DC na época e à própria Mitologia que havia criado), mas também em função da primorosa arte de 04 desenhistas: John Bolton, Scott Hampton, Charles Vess e Paul Johnson (este último, infelizmente abandonaria, anos depois, a carreira de desenhista para seguir carreira na medicina oriental). A arte dos 04 permite ao leitor uma íntima sintonia com os mundos e momentos que a história pretende retratar. Literalmente o leitor se sente imerso em um ambiente estranho, sobrenatural e cheio de interfaces com nosso mundo. Neil Gaiman estava em seu auge nesta época e há diversas intersecções entre a história e a Saga do próprio Morpheus


Outro aspecto muito interessante da obra é a presença de diversos personagens da DC ligados ao mundo da magia. Dentre os mais conhecidos temos Desafiador, Espectro, Zatanna, Sr. Destino, Madame Xanadu, Jason Blood/Etrigan. Mas há também outros personagens da mitologia clássica e da DC, mais obscuros. O estudioso de quadrinhos com certeza deve ter identificado. Dentre eles O Mago Sargon, Zatara - O Mago, Dr. Terrence Thirteen (Dr. 13), Tala - A Rainha do Mal, Tannarak - O Feiticeiro, Félix Fausto, Jacinto e Leandro, Barão Winter, Thomas - O Leal, O Gigante Maugys, Snout e Sr. Glory, ambos do Mundo das Fadas, a Bruxa Baba Yaga... A respeito de Etrigan é muito interessante entender de onde vem a profunda relação entre Jason Blood (cujo nome verdadeiro era Iason) e o mago Merlin. Uma relação que acabou por acorrentar Jason ao Demônio Etrigan. A participação do próprio Sandman (na época ainda Lorde Morpheus) é rápida mas cheia de significado. Para os leitores de Sandman da velha guarda revisitar sua participação na história não tem preço.


Os Livros da Magia é uma ótima porta de entrada para o Universo Místico da DC, sobretudo agora com a iniciativa da editora em dar continuidade ao Universo de Sandman. Um grande abraço à todos.

domingo, 3 de novembro de 2019

Guerras Secretas - 2015


Jonathan Hickman vem pavimentando sua carreira de forma sólida e constante. Apesar de seu nome não ser tão badalado quanto de outros roteiristas atuais como Tom King e Jeff Lemire, suas histórias tendem a ser épicas e com amplos desdobramentos. Para quem leu na totalidade ou em parte (como é meu caso) seu roteiro para Os Vingadores a partir da Nova Marvel, pôde perceber a complexidade de sua narrativa que foi se desenrolando desde a Saga Infinito até chegar ao fim com o arco Guerras Secretas (lançado pela Editora Panini em um encadernado único). Em Guerras Secretas, Hickman finalmente dá um desfecho para o que ficou conhecido como As Incursões, a aniquilação mútua e contínua de Terras/Universos alternativos. Conceito semelhante, aliás foi usado pela DC na década de 80 com sua Crise Nas Infinitas Terras, que serviu de assunto para duas análises aqui no Blog: Crise Nas Infinitas Terras - Remodelando Universos Parte I e Parte II.


Por ter sido publicada no Brasil em encadernados seguindo a forma como a histórias foram lançadas em suas revistas de origem nos EUA, A Saga Infinito ficou difícil de acompanhar, o que me motivou a fazer um guia de leitura da Saga que você pode acessar aqui. Para entender as Guerras Secretas de Jonathan Hickman, uma leitura prévia de A Saga Infinito talvez seja recomendado. Mas mesmo que você não o faça, Guerra Secretas pode ser apreciado levando-se em conta os bons diálogos e a postura de cada personagem vivendo no Mundo Bélico, um mundo remanescente feito de retalhos das últimas Terras que estavam sofrendo o processo de aniquilação. O termo Guerras Secretas é antológico e muito simbólico dentro da Marvel, assim como o é o termo Crise para DC. Isso se dá em função da saga Guerras Secretas de 1984. Uma das primeiras grandes sagas publicadas nos quadrinhos envolvendo uma grande quantidade de heróis com verdadeiras repercussões para vários personagens. A Guerras Secretas original foi um grande evento na Marvel, planejado para amparar uma linha de brinquedos que sairia a partir de um acordo entre a Marvel e a Matel na época. Apesar deste objetivo comercial por trás, havia empenho do Editor-Chefe da Marve à época, Jim Shooter, e de roteiristas para realizarem uma história bem legal, e assim o foi.


O que Jonathan Hickman faz em sua saga, é homenagear a ideia original de 1984 ao criar o seu Mundo Bélico. Nele, o Dr. Destino tornou-se o deus absoluto do planeta ao ter sido um dos únicos mortais capazes de salvar o pouco que restava das Terras em aniquilação. Talvez justamente por este caráter ambíguo (salvador e ao mesmo tempo vilão) é que a participação de Victor Von Doom seja tão interessante, ora sendo visto como deus, ora como o mesmo vilão egocêntrico que conhecemos. Um dos pontos altos deste arco é também a representação que Hickman dá às várias facetas do Universo Marvel. Se o leitor observar, cada território do Mundo Bélico (mapa acima) representa personagens ou núcleos clássicos da Marvel, tais como o núcleo mutante, aracnídeo, inumano, asgardiano, místico... É bem interessante observar cada aspecto do Universo da Editora ali representado.


Tudo poderia ir muito bem para Destino não fosse duas balsas (naves) terem sobrevivido à Aniquilação final das Terras, trazendo em uma delas um conjunto de heróis (Sr. Fantástico, Capitã Marvel, Sr. das Estrelas, Homem-Aranha "Peter Parker" e a Thor Jane Foster) e de vilões (Thanos, seus Generais, Terrax, Cisne Negro, o Inumano Maximus, Reed Richards do Universo Ultimate e, de forma escondida, o Homem-Aranha "Miles Morales", também do Universo Ultimate). A narrativa de Hickman é relativamente complexa, derivada de idas, vindas e de passagens onde há muitas coisas sub-entendidas. Os diálogos deixam muitas coisas no ar, mas que se encaixam com a observação do desenho, da expressão do personagem e, sobretudo, do contexto. Para o leitor desavisado, ou rápido demais na leitura, algumas coisas podem soar sem explicação. Esse tipo de narrativa pressupõe que todo leitor acompanhou muita coisa e é perspicaz o suficiente para entender o que não é dito. Tal opção narrativa é uma faca de dois gumes, já que para aquele leitor familiarizado com os acontecimentos-chave da saga há total entendimento, mas para leitores que não conseguem acompanhar tudo, algumas coisas ficam mesmo no ar. Particularmente sou um leitor vindo diretamente dos anos 80, época em que muita cronologia não vinha para o Brasil. Assim, desde aquela época aprendi a pressupor minha ignorância e tentar aproveitar a HQ.


Outro ponto que achei bem interessante nesta Guerras Secretas foi a mudança que cada personagem teve nesse novo mundo controlado por Destino. O Dr. Estranho por exemplo estava com Destino no momento em que ele recria a Terra no formato Mundo Bélico, ou seja, partilhou e corroborou a ação de Victor Von Doom. Seu papel no arco é, portanto de conselheiro e braço direito na corte de Destino. Apesar disso, é possível claramente ver a personalidade de Stephen Strange relativamente intacta diante de tudo. Capitão Britânia, Apocalipse, Sr. Sinistro, Madelyne Pryor e o Hulk Maestro, são alguns dos personagens detentores de Baronatos (Países) no Planeta de Destino. Praticamente ninguém possui lembrança do que havia antes, exceto Stephen Strange e o Homem-Molecular (Owen Reece), este último com um importante papel nas Guerras Secretas de 1984 e nesta também. Quando fiquei sabendo da ideia de se criar um arco com a premissa de um Mundo Bélico, com remanescentes dos Universos Marvel, achei que a ideia não iria funcionar. Mas funciona principalmente pela personalidade que Hickman imprime a cada herói e vilão. Um mérito obviamente de um bom roteirista.


Não pude deixar de comparar as Guerras Secretas de Jonathan Hickman com outras obras distópicas da Marvel. Há semelhanças com arcos como Dinastia M (Brian Michael Bendis), A Era de Ultron (Brian Michael Bendis), Os Gêmeos do Apocalipse (Rick Remender) e até mesmo Terra X (Jim Krueger, Alex Ross). As 3 primeiras sagas mostram uma realidade distorcida dentro do Universo Marvel tradicional a partir de anomalias temporais ou místicas. Já Terra X é realmente um Universo Alternativo no qual heróis e vilões tiveram destinos distintos do Universo Canônico. Guerras Secretas traz elementos de todas elas, mas que em nada sugere (em minha opinião) cópia ou falta de inspiração por parte de Hickman. Os desenhos ficaram por conta do Croata Esad Ribic (desenhista dos aclamados Loki e Namor - As Prundezas). Ribic, como sempre, desenha agregando a atmosfera necessária à narrativa do roteirista. Gostaria, no entanto, de expressar um ponto que achei negativo. O desfecho do arco talvez tenha sido rápido demais. Se considerarmos que esta história vinha sendo construída há tanto tempo, eu esperava por um desfecho que se estendesse por mais páginas, como que a prolongar o ápice. A apoteose se dá em um conflito entre Reed Richards e Victor Von Doom, com direito à acusações e sentimentos mútuos acerca de um em relação ao outro. No papel de um leitor que quer ver o clímax durar, achei que o final poderia ter se estendido mais, o que não significa que não foi bom.


Para mim Guerras Secretas de Jonathan Hickman é uma boa história, com bons diálogos, que homenageia importantes Sagas Distópicas da Marvel e a saga homônima de 1984. 
Gde. Abc. amigos.
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