Para se ler Tex é preciso reprogramar a mente e se desvincular da narrativa tradicional de "super-heróis"? Bem... Falando por mim, eu diria que sim. É necessário desconstruir algumas expectativas e se abrir para outras, mais sutis, mais intimistas e estar preparado para pérolas escondidas no sub-texto. Minha experiência com Tex é recente e confesso que relutei em submergir nesse Universo Bonelliano. Ao ler Tex - Em Território Selvagem (Nei Territori Del NordOvest) (Coleção Salvat Tex Gold #45) fui sendo gradativamente seduzido pela atmosfera hermética, silenciosa e hostil de uma época em que para se sobreviver era preciso ser forte, e para se sobreviver sendo "bom", era preciso ser mais que forte, era preciso ser corajoso. A partir da leitura deste encadernado acho que finalmente estou me sintonizando com o Ranger mais famoso do Universo Bonelliano. Em Território Selvagem foi uma grata surpresa, sobretudo porque consegui me deixar levar pela narrativa mais "pé no chão" das histórias do personagem. Mas há também outros atrativos incríveis na história, dentre eles o ambiente no qual se desenrola, as terras selvagens e geladas do grande norte (Canadá/Alasca). Além disso, personagens críveis como o Coronel Jim Brandon da Polícia Montada do Canadá; Gros-Jean, amigo de Tex e Carson e um ex-bandido; Dawn, a irascível e violenta jovem mestiça que acompanha Tex em sua jornada ao longo da história e, por fim vilões realmente maus.
Genocídio, violência, xamanismo, mesticismo, folclore e sincretismo são os ingredientes de Em Território Selvagem. Tudo emoldurado por um forte senso de amizade que permeia os objetivos do Ranger Tex e seu parceiro Kit Carson em relação à um antigo amigo, que parece agora estar em apuros, o Coronel Jim Brandon. A história me fez entender pela primeira vez os objetivos e princípios pelos quais Tex Willer vive. Inteligente, sagaz, leal e com uma profunda capacidade de entender as situações em seu contexto e abrangência, o Ranger consegue tomar decisões frente à determinadas situações que até o próprio leitor fica sem entender como seria possível sair da enrascada. A crueza do ambiente gelado em que os personagens se encontram na história, permite ao leitor sentir em sua alma as dificuldades físicas e mentais a que todos estão submetidos.
Tex e Carson precisam enfrentar o clima na busca de seu amigo que está à caça do bandido Red Duck, agora conhecido como Golden Eye. Um sujeito realmente mal, líder de um bando de fora-da-leis genocidas, ambiciosos e cruéis. O roteirista Mauro Boselli conseguiu escrever uma história que se desenrola de maneira a explicar, de forma muito devagar e sutil, a dimensão de tudo. O leitor acha que está lendo apenas à uma história de resgate à um amigo, mas vai se surpreendendo que tudo é muito mais profundo, difícil, cruel e amargo do que à princípio parece. Em meio a toda essa maldade e violência, a figura de Tex cresce justamente por fornecer ao leitor um amparo, um porto seguro de que há alguém forte o suficiente para enfrentar toda injustiça e crueldade que se apresenta. Acredito que foi todo esse contexto que me fez perceber a grandeza do personagem.
Como mencionei acima, a história começa de forma intimista dentro de um pequeno microcosmo de pessoas, mas se expande e ganha dimensões épicas, de maneira que do meio para o final do encadernado eu já conseguia facilmente imaginar a história como sendo digna de um filme de John Ford. A arte de Em Território Selvagem é assinada pelo espanhol Alfonso Font. Particularmente eu sempre achei a arte de Tex muito parecida, com quase nenhuma variação de uma história para outra, independente de se mudarem os artistas. Isso sempre me incomodou e de alguma forma ainda incomoda. Achei que a arte de Font é boa, mas ainda assim parecida com a que vi em outras histórias do personagem. Mas esse é o tipo de coisa que fica absolutamente minimizado a partir da qualidade do roteiro e dimensionamento dos personagens.
Em Território Selvagem foi para mim um marco como introdução definitiva ao universo do Ranger Bonelliano. Recomendo a leitura e, minha dica para quem, como eu, tem alguma ressalva a materiais fora do eixo "super heroico" é que, em 1º lugar, procure a desconstrução que mencionei no início da matéria. Você se surpreenderá!! Um grande abraço à todos os Pards!