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quinta-feira, 22 de julho de 2021

O Deserto dos Tártaros


Livros nos formam, nos constroem, nos moldam... Mas mais importante que tudo isso acontece quando determinado livro dá "voz" ao nosso interior. Para que isso aconteça muitas coisas devem ocorrer no momento certo, ou seja, você deve ser encontrado por determinada obra com o amadurecimento certo. Infelizmente é possível que muitos livros tenham passado por cada um de nós sem que aproveitássemos sua essência, ou sua mensagem mais profunda. Isso não é culpa nem do leitor nem do escritor... É apenas a assincronia inerente à vida. Mas às vezes isso ocorre, e o efeito é gigantesco dentro do espírito humano. Mas há ainda outra faceta desta reflexão: Há livros que dado sua grandeza forçam a barreira da "falta de amadurecimento" pessoal e conseguem tocar o âmago de praticamente todos, independente do momento pessoal pelo qual passamos. Acho que O DESERTO DOS TÁRTAROS é um livro assim. Escrito em 1940 pelo jornalista Dino Buzatti Traverso, ou simplesmente Dino Buzatti. E de onde vem a grandeza da obra? Bem... Acompanhe-me um pouco nesta jornada e você descobrirá.














A história (sem spoilers) de Buzatti acompanha a vida do jovem Tenente Giovani Drogo que assim que, se forma na academia militar, é enviado ao Forte Bastiani, uma distante fortaleza localizada em um determinado extremo do país. O Forte fica voltado para a planície dos Tártaros, um local de onde se pressupõe uma eventual invasão de povos hostis que parece nunca de concretizar. Drogo vai vivendo sua vida no Forte e é nesse contexto que o livro cresce. Buzatti com uma escrita fácil e extremamente poética avança para dentro da alma de Drogo, suas expectativas de vida, seus sonhos, desejos e, nesse painel interior que o tempo exterior (cronológico) se expande e ao mesmo tempo se esgarça. Mas Buzatti vai além, ele consegue algo muito difícil para um escritor, que é colocar em descrições a complexidade do sentimento humano. Surpreendi-me em vários pontos do livro ao ler frases que me deixaram sem palavras por traduzirem sentimentos profundos e complexos de forma tão simples e ao mesmo tempo profunda. Esta característica eu já tinha observado em dois outros autores H.P. Lovecraft em seu Nas Montanhas da Loucura e John Williams em seu Butcher´s Crossing.











Alcançar a linguagem do coração é algo muito difícil. Na maioria das vezes o que vemos é a palavra escrita ou falada apenas perverter a sacralidade de nossos sentimentos. Uma das únicas formas de arte que consegue realizar com certeza facilidade a façanha da materialização de sentimentos é a poesia. Porém, quando um autor associa esta rara capacidade à uma história de vida, temos então uma obra eterna. Buzatti em O Deserto dos Tártaros converte o que parece ser uma narrativa aparentemente simples (a vida de um soldado em um forte onde pouco ou nada acontece) em uma oportunidade de se decodificar em certa medida a alma humana. Há trechos do livro em que nos sentimentos totalmente traduzidos, como por exemplo, em um momento em que o autor reflete, tendo o Tenente Drogo como pano de fundo, acerca de nossos anseios não concretizados, sonhos não realizados, esperas não satisfeitas... Um dos textos mais tocantes que já li.
















Há um ponto decisivo no livro sobre a decisão de Drogo permanecer no Forte ou retornar à vida da cidade no qual fiquei a pensar o quanto nos escapa a capacidade de nos maravilharmos com o "simples", com o "tempo", com o "nada" (representado na obra pela planície imutável à frente do forte). Levado às telas em 1976 sob a direção de Valerio Zurlini, O Deserto dos Tártaros tem no elenco célebres atores como Max Von Sydow (O Exorcista, O Sétimo Selo), Giuliano Gemma (O Dólar Furado, Tex) além de trilha sonora do monumental Ennio Morricone. Um conselho: a experiência profunda do livro deve, em minha opinião, vir antes da visualização do filme. O Deserto dos Tártaros já figura entre os melhores livros que li em minha vida. Sua infinita beleza, seus trechos profundos sem serem (em nenhum momento) cansativos revelam até onde a escrita pode chegar em sua jornada abstrata pela alma humana.

The Red Tower - Óleo sobre Tela (Museu Guggenheim)


















quinta-feira, 8 de julho de 2021

O Melhor do Terror dos Anos 80

A Editora Skript vem se notabilizando pela qualidade e cuidado com suas obras. Dialogando de forma muito precisa com os fãs de bons quadrinhos e adaptações das obras de H.P. Lovecraft, a Editora tem buscado colocar todo o acabamento gráfico a serviço da narrativa, promovendo uma experiência de expansão da obra original. Um lançamento que entrou para meu radar cinematográfico no início de 2021 foi O Melhor do Terror dos Anos 80. Como a maioria dos lançamentos propostos pela Editora, a obra foi financiada pela Plataforma de Financiamento Coletivo "Catarse" e foi organizada dividindo-se os filmes ali resenhados levando-se em consideração 5 categorias: Cabanas; Fantasmas; Maldições; Monstros; Slashers. Seguindo os filmes em ordem cronológica (do início da década até seu final), cada um deles é comentado ao lado do seu cartaz. São 80 filmes que nos permitem mergulhar de cabeça em um gênero que teve nos anos 80 uma das décadas mais interessantes e criativas. Uma criatividade movida por baixos orçamentos e uma safra de cineastas imaginativos e inquietos.


As análises foram feitas por um time de 25 pessoas ligadas de alguma forma à 7ª Arte. De uma maneira muito peculiar, O Melhor do Terror dos Anos 80 fala profundamente àqueles que viveram os anos 80 e ao mesmo tempo abre um portal para aqueles que não testemunharam de perto o "espírito" oitentista. Uma década que, justamente em função da ausência da internet, trazia uma "aura" de mistério por traz de cada filme. Isso porque era difícil receber informações precisas de cada lançamento. Embora isso possa parecer algo negativo em se tratando de "marketing" atualmente, na verdade tinha um efeito relativamente contrário para mim. Pelo fato de não conseguirmos devassar uma obra em seus mínimos detalhes (bastidores, elenco, pormenores do lançamento...), ela acabava por cair num território mítico. Fui catapultado diretamente para este sentimento ao ler O Melhor do Terror dos Anos 80.


Passando por obras emblemáticas como O Iluminado, Poltergeist - O Fenômeno, Gremlins e A Mosca, o livro traz também outros filmes excelentes que foram de certa forma esquecidos (ou pelo menos passaram a ser comentados apenas em um círculo mais restrito de fãs), tais como A Pequena Loja dos Horrores, A Morte pede Carona, Phenomena, O Enigma de Outro Mundo, Coração Satânico entre outros. Mas talvez o grande mérito tenha sido trazer uma outra gama enorme de títulos pouco conhecidos e extremamente representativos. Obras que são a quintessência do gênero "terror/horror" na sua concepção artística primordial, a saber: marginalidade, liberdade, contracultura, imaginação e a possibilidade de encarnar os medos e fobias sociais. Dentre essas obras podemos citar O Vingador Tóxico, Um Lobisomen Americano em Londres, Cujo, Natal Sangrento, A Bolha Assassina entre outros.


Como toda boa editora que dialoga com os fãs, não poderia deixar de haver alguns brindes. Dentre eles o check-list que postei acima, além de uma folha no tamanho A4 com os cartazes de todos os filmes resenhados (também acima) e o marca-página frente e verso (acima e abaixo). Para o leitor mais gourmet, no entanto, pode ser que o papel mais simples no qual a obra foi impressa seja um ponto negativo, além do fato dos cartazes em tamanho maior (apresentados ao lado de cada resenha) terem sido impressos em preto e branco. Tenho meu lado gourmet também, porém, ao longo da leitura é interessante notar que tais características se alinham em certa medida com o caráter contra cultural, marginal e de baixo orçamento de muitas obras ali comentadas. Olhando por este lado tais aspectos podem até contribuir para o mergulho no ambiente oitentista.


Emolduram o liveo ótimos textos introdutórios e de finalização onde são colocados interessantes pontos de vista acerca do gênero terror. São eles: Terror, ou o Melhor Amigo/Inimigo do Homem; A Mais Inusitada Reação que o Terror pode Causar; e a própria Apresentação da Obra. A última página traz uma promessa: "Em Breve: O Melhor do Terror dos Anos 90". Se depender de mim esta inciativa seria vitoriosa. E como fã desse gênero sugiro um passo a mais à Editora Skript, quem sabe "O Melhor do Terror dos Anos 70"!!!????
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