Às 21h30min da noite de 31 de agosto de 1977 os moradores da Rua Wood Lane Nº 84, subúrbio de Enfield , zona norte de Londres, ouviram pela primeira vez um barulho que, se soubessem o que estaria por vir, talvez tivessem se mudado da casa já naquele momento. Moravam no pequeno sobrado uma mãe divorciada (a Sra. Harper) com os filhos: Rose de 13 anos, Janet (um pouco mais jovem), o irmão Pete, e o caçula Jimmy de 07 anos. Durante 01 ano, a família Harper passou um período que teria (possivelmente) desestruturado muitas famílias, e todo o caso foi acompanhado pelo jornalista Guy Lyon Playfair, autor do livro 1977 - Enfield - Relatos Sobrenaturais. O caso, conhecido mais tarde como o Caso Enfield, foi um dos fenômenos paranormais mais documentados até hoje. Playfair, que morou no Brasil por muitos anos acompanhando casos parecidos, trabalhou para a Revista Inglesa The Economist, para a Time americana e na Agência de Notícias Associated Press. Em 1977 Playfair já fazia parte da Sociedade Britânica de Pesquisas Psíquicas, uma das associações mais antigas e sérias ligadas à fenômenos que escapam à explicações convencionais. O livro, lançado no Brasil pela Editora DarkSide, é um relato franco, sincero e cheio de intenções genuínas de se ajudar uma família que foi pega no redemoinho do que o autor chamou de o Poltergeist de Enfiled.
Playfair acompanhou o caso não apenas do ponto de vista jornalístico, mas também humano ao tentar apoiar de verdade a amedrontada família Harper. Durante o caso esteve também presente o pesquisador e Engenheiro Maurice Grosse. A dupla conseguiu registrar os fenômenos mais bizarros e estranhos possíveis. Mas o mais curioso de tudo é que, mesmo diante de provas incontestáveis dos fenômenos ali vividos, a maioria das demais pessoas que passaram pela casa (excetuando os fiéis vizinhos e a família do irmão da Sra. Harper), todos lutaram até o último minuto para dizer que era uma fraude. Playfair em vários momentos de seu relato mostra sua frustração ao perceber que aquilo que a ciência não consegue explicar, ela luta até sua última gota de sangue para dizer que é fraude. E nessa briga quem sofria era a família Harper.
Janet Harper (possivelmente o epicentro do fenômeno) em uma de suas muitas experiências com o poltergeist |
Mas o que começara na noite de 31 de agosto de 1977 com um barulho e um móvel extremamente pesado sendo arrastado à vista de toda a família, evoluiu para fenômenos cada vez mais sérios, tais como, levitações das duas irmãs Rose e Janet pelo quarto, objetos sendo atirados para todos os lados, quedas inexplicáveis de sofás e armários, deformação de objetos e, por fim, dois outros fenômenos que para mim foram o ápice desta experiência: 1) o aparecimento de uma voz extremamente difícil de ser reproduzida que falava através de Janet e Rose e 2) o raro fenômeno da passagem de um corpo sólido através de superfícies também sólidas. A maioria destes fenômenos (mais de 90%) foi presenciada pelas mais variadas pessoas, autoridades e até mesmo por transeuntes na rua em uma manhã em que o barulho dentro da casa fora tão alto que chamou a atenção de comerciantes, guardas e outras pessoas na rua. Muitas destas pessoas olharam para o janela do quarto de Janet de onde vinha o barulho e viram, para seu espanto, a menina levitando.
A voz que menciono vinha diretamente das meninas, sobretudo de Janet que, sem mexer os lábios, produzia uma voz que foi alvo de inúmeras gravações. Apresentando-se como Bill, Joe, Fred entre outros nomes, a estranha voz pode ser ouvida em vídeos disponíveis no YouTube. O fenômeno parecia ser mesmo produzido na garganta de Janet, embora mesmo os homens que acompanhavam o caso tiveram extrema dificuldade para imitar o fenômeno, e quando conseguiam produzir som semelhante o faziam por apenas alguns segundos, tamanho o esforço e dor que a imitação gerava nas cordas vocais. Já Janet falava desta forma sem mexer os lábios por horas. Não vou reproduzir aqui as conversas entre Playfair, Grosse e a "Voz". Para isso é preciso de contexto e de proximidade com os eventos que ali ocorriam. O que posso adiantar é que o autor consegue manter uma narrativa muito objetiva acerca dos fenômenos, em nenhum momento cedendo totalmente à explicações puramente metafísicas, mas também admitindo a impossibilidade da existência de tais fenômenos segundo nossa leis físicas ora vigentes. É justamente esse lado humano de Guy Playfair que me conquistou na leitura do livro. Em todo o momento o que o move é, em primeiro lugar, a vontade de ajudar a frágil família.
Travesseiro em pleno vôo no quarto de Janet |
As hipóteses do autor na tentativa de explicar o fenômeno envolvem a existência de um mundo para além do físico, e o autor chama atenção para a possível sobrevivência de reminiscências de memórias ou personalidades que, perdidas, poderiam participar do fenômeno. A busca dos pesquisadores que seguiram o caso considerou a possibilidade de uma interação entre matéria e mente que transcende e escapa às nossas limitadas capacidades. O próprio autor cita situações semelhantes à esta dos Harpers descritas na literatura mundial, muitas delas envolvendo adolescentes (meninas) na puberdade. De todo modo se você estiver esperando um livro de terror com cabeças girando, exorcismos e líquidos de cor verde, 1977 - Relatos Sobrenaturais não é para você, pois como o autor mesmo alerta na introdução, o livro trata das longas horas de registro dos estranhos fenômenos e da dificuldade emocional que uma situação assim provoca nas pessoas envolvidas. Talvez por isso mesmo o livro acaba por se ancorar muito bem na realidade, o que o torna, por isso mesmo, assombroso.
Janet encontrada sobre a cômoda depois de ser levitada até o local |
O caso ganhou grande expressão à época, tendo sido alvo de investigação até mesmo do famoso casal de pesquisadores do sobrenatural Ed e Lorraine Warren. Além disso, um interessante documentário produzido pela BBC sobre o caso foi lançado à época e pode ser visto no YouTube. De toda narrativa presente na obra o que me tocou profundamente foram duas coisas. A 1ª delas a dedicação de Playfair e Grosse em cuidar da família. Sem ganharem nada com isso os dois não deixaram de apoiar e estar ao lado da família. Em 2º lugar fiquei chocado com a frieza da ciência que, em nenhum momento, se preocupou com as pessoas envolvidas, mas sim com a busca incessante por fraude, o que não conseguiram provar. Embora muito tenha se dito sobre esse caso, que serviu inclusive para produções de Hollywood, o mais importante é entendermos que havia gente sofrendo com isso, e existiram pessoas capazes de ajuda-los.
O poltergeist de Enfield foi um dos mais ativos até hoje descritos e, aproximadamente 01 ano depois, desapareceu. O livro deve ser lido sob a perspectiva do humano e da nossa pequenez diante do insondável.