Ao caminhar por uma floresta, você já teve a sensação de estar em contato com algo que, embora incomunicável, está totalmente presente, pulsante e em silêncio ao seu redor? Sempre imaginei que se um ser fosse capaz de se desenvolver lentamente, totalmente em silêncio e por um longo espaço de tempo, era porque ele tinha descoberto algo que havia escapado aos seres humanos. Coisas que nos escaparam e das quais no desligamos e, para nosso prejuízo, nos empobreceu. Árvores sempre estiveram no centro deste mistério para mim. Sobretudo em função de viverem da forma descrita acima e por conseguirem existir dentro de uma perspectiva de tempo ampla e sem pressa. Quando descobri o livro Best-Seler do Engenheiro Florestal alemão Peter Wohlleben, fiquei extremamente ansioso pois percebi que finalmente entenderia porque sempre vi a vida vegetal sob esta perspectiva profunda. E realmente foi isso que encontrei ao ler o livro! A beleza da vida das árvores é realmente inimaginável. Cheia de segredos, mistérios e com uma vida que se desenvolve dentro de uma outra escala de tempo. E talvez justamente por isso, estes seres acabam por nos parecer (de forma errada) imutáveis ou mesmo estáticos. Isto está bem longe de ser verdade como você pode descobrir ao ler A Vida Secreta das Árvores, lançado no Brasil em 2017 pela Editora Sextante.
Embora Wohlleben seja um profissional com grande conhecimento acadêmico, sua narrativa é claramente direcionada para o público leigo, sem abrir mão, no entanto de conhecimentos ancorados em estudos e recentes descobertas científicas. Há vários pontos no livro que precisam ser destacados positivamente. Além de sua narrativa fluída, poética e cheia de cuidado, a surpresa maior se dá em função das informações que nos conduzem a um entendimento maior, mais profundo e cheio de respeito por estes seres que durante toda a existência do homem na Terra, sempre foram vistos como simples pano de fundo para paisagens, como fonte de calor, lucro e extrativismo. A percepção geral do homem é de que as árvores são seres vivos de segunda categoria e, portanto altamente passíveis de serem manipulados e explorados. Descoberta recentes tem, porém posto por terra toda esta noção rasa que o homem tem do reino vegetal.
Algo que eu já suspeitava era a possibilidade de comunicação e vida em comunidade das árvores. O que é realmente um fato. Matas são capazes de estabelecer um eficiente sistema de comunicação entre os espécimes. Conforme pesquisas recentes, isto se dá por meio do micélio, o corpo vegetativo da maioria das espécies de fungos que se entrelaçam com as raízes das árvores formando o que chamamos de micorriza, associação simbiótica entre o micélio de certos fungos e as raízes. Esta rede permite que haja troca de nutrientes entre espécimes saudáveis e doentes, de maneira que árvores mais fracas sejam ajudadas por árvores saudáveis. Além deste troca, há também troca de informações de maneira que ataques de determinados predadores (besouros, determinados fungos e outros animais) possam ser compartilhadas. Tudo isso faz com que entendamos que existe uma Wood Wide Web que, embora parecida com a nossa World Wide Web, já existia à milhões de anos. Por meio desta comunicação, espécies fazem associação de suas raízes com outras com as quais desejem se relacionar, ou não. Assim como seres humanos, pode ser que as árvores não queiram se relacionar com outras espécies ou espécimes. Isto aponta para a ideia de que as árvores tem um forte senso de suas existência, contrariando totalmente o que pensávamos sobre elas.
A vida em comunidade é também bem estabelecida entre elas. O autor nos revela formas de se comunicar que não apenas por meio da rede comentada acima. Por exemplo: quando atacadas por determinado inseto ou predador que morde suas folhas, a árvore exala determinadas substâncias que, carregadas pelo vento, passa a alertar toda a floresta, que começam a secretar fitocidas (agentes químicos em suas folhas) que espanta seus agressores. Isso vale até mesmo para grandes agressores mamíferos. Girafas por exemplo, ao perceberem o que as árvores fazem tendem a iniciar sua refeição comendo as folhas contra o vento. Assim, caso a árvore que está sendo atacada emita este sinal, ele só será sentido pelas árvores que estão a favor do vento, e não contra. Esta é uma estratégia da girafa para burlar este senso coletivo entre as árvores. Peter Wohlleben é muito claro ao ressaltar a importância de florestas naturais ou aquelas que possuem uma grande diversidade. Árvores plantadas a partir de reflorestamento, em que apenas uma espécie é plantada no local (florestas de eucaliptos por exemplo) tendem a ser solitárias. Apesar de existirem a poucos metros de outras, em geral não se comunicam ou colaboram. Tal comportamento tem sido alvo de estudos atualmente.
Em um dos capítulos nomeado como "Manual de Etiqueta das Árvores", Wohlleben coloca como devem ser as escolhas de uma árvore para que alcance um bom desenvolvimento. Vários fatores externos impedem que elas façam as escolhas corretas, sobretudo em áreas urbanas ou em florestas muito machucadas pela presença do homem. O que diminui as chances de um bom desenvolvimento. Embora pareça loucura, há espaço no livro até para se falar em fluxos migratórios das árvores! Sim! Elas migram... Em uma velocidade muito diferente daquela praticada por espécies animais. Mas há um fluxo de cada espécie, determinado por diversos fatores. Estes fluxos podem ser muito bem verificados quando os observamos por meio de uma janela de tempo adequada. Saber sobre essas coisas e humanizar as árvores é um caminho que deveríamos aprender. E por que? Porque no passado, quando atribuímos sentimentos em nossas relações com os animais, a história mostrou que isso foi acompanhado de outra coisa, ou seja, de DIREITOS para esses animais. Na medida em que conseguíssemos trilhar este mesmo caminho em relação às árvores talvez o homem pudesse estabelecer uma relação diferente com estes seres.
Peter Wohlleben |
Para o homem sempre foi difícil entender ou aceitar espécies muito diferentes dele. Só porque as árvores e a flora em geral vivem dentro de uma outra perspectiva de passagem de tempo, usam outras ferramentas metabólicas, são estáticas e possuem mecanismos adaptativos mais lentos que os nossos, isso não nos dá o direito de desclassifica-las ou mesmo desrespeita-las. Peter Wohlleben reflete de forma muito lúcida ao final do livro ao aceitar o fato de que mesmo animais e até plantas sobrevivem a partir da exploração de outra espécie. Desta forma não estamos errados ao usarmos a madeira de uma árvore em nossas construções. A questão é que os animais e as árvores usam aquilo que precisam. E só!! Não exploram além do que precisam. E esta atitude pode ser entendida como uma ato de respeito ao próximo enquanto criatura e habitante do mesmo planeta em que vivemos.
Deveríamos nos ver muito mais como mordomos do que como usuários. "A Vida Secreta das Árvores" é cientificamente correto, poético e ao mesmo escrito com o cuidado que apenas alguém que aprendeu com seres milenares consegue desenvolver!
Tenho um grande amor pela vida selvagem. Não vivo numa fazenda como você parece ter vivido. Mas após minha casa inicia-se a zona rural. Em casa, ainda, sempre tivemos plantas. Atualmente, ainda procuro dedicar umas horas por semana a um jardim pequeno. Vagueio bastante em sítios e matas virgens, felizmente, sempre que possível.
ResponderExcluirSobre "A percepção geral do homem é de que as árvores são seres vivos de segunda categoria", falo com orgulho que, desde que entendi por gente, mantive uma condição de respeito por estes seres tão fortes que atravessam séculos da história e guardam tantos mistérios.
Quanto às florestas de eucaliptos, alguém já me disse que terras para reflorestamento de uma única espécia são um deserto verde. Claro, prefiro um deserto verde a um deserto, mas fica a deixa.
Achei interessante comentar esta postagem porque há pouco tempo pensei bastante em comprar este livro. Contudo, sabia que não o leria logo e preferi deixar para depois.
Abraços e parabéns pelo belo texto, como sempre.