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domingo, 14 de junho de 2020

A Saga do Monstro do Pântano - Vol. 02


A passagem de Alan Moore pelo título do Monstro do Pântano na década de 80 é conhecida de todos. Sua relevância e extensão têm sido alvo de inúmeras análises literárias dentro e fora do Universo da 9ª Arte. Passadas mais de 3 décadas desde seu lançamento as histórias continuam com frescor e relevância literárias ímpares. A obra contém tamanha sutileza que por mais que falemos dela, sempre há ainda o que falar, até porque nós mesmos mudamos e a encaramos através de prismas distintos. Lançada lá fora e no Brasil em sua integralidade em 6 volumes, hoje gostaria de comentar o volume 2. O volume 1 já foi alvo de matéria semelhante que você pode acessar clicando aqui.

 Swamp Thing Vol. 2 - #28 - Setembro de 1984

"Enterro" foi publicado em setembro de 1984 e abre o volume 2 em um clima de melancolia e profunda introspecção. Se no vol. 01 o Monstro do Pântano percebe que continha as memórias de Alec Holland mas era ele, em "Enterro" ele se vê assombrado pela presença de Alec, cujo esqueleto ainda repousa no fundo do Pântano. Há aqui uma clara sensação de despedida, de fechamento de um ciclo na vida do personagem, em que lembranças são repassadas e o Monstro percebe de forma genuína que contém dentro de si Alec Holland, mas na verdade não é ele e não sabe exatamente o que é. Mas não é assim com todos nós? Que possuímos uma ideia de quem somos, mas no final temos propósitos ainda a descobrir. Moore em nenhum momento pesa a mão na direção do sentimentalismo, pois apenas flerta com o melodrama, mas não se deixa levar por ele.

 Swamp Thing Vol. 2 - #29 - Outubro de 1984
Swamp Thing Vol. 2 - #30 - Novembro de 1984
Swamp Thing Vol. 2 - #31 - Dezembro de 1984

"Amor e Morte", "Auréola de Moscas" e "Balé de Enxofre" saíram no números 29, 30 e 31 da revista do Monstro do Pântano e retomam as pontas deixadas no vol. 1. A sequência de histórias expande, dimensiona e concretiza os planos de Anton Arcane, tio de Abigail Cable. Arcane, nêmese antiga do Monstro do Pântano, consegue com sua sagacidade ressurgir do inferno onde estava condenado. E o faz possuindo o corpo moribundo do marido de Abigail. Anton Arcane condena a alma de Abigail ao inferno e assim toca o Monstro do Pântano em um de seus pontos sensíveis, sua ligação com a humanidade através de seu sentimento por Abigail. O confronto do Monstro com o ressurreto Arcane dá uma pequena ideia da extensão dos poderes da criatura do Pântano. Moore consegue elaborar uma sequência que contempla um crescendo cheio de referências à situações que permeiam o horror da vida real.

Swamp Thing Annual - Vol. 2 - #2 - Janeiro de 1985

Mas é em "Descida entre os Mortos" que tudo aquilo para o qual fomos preparados ao longo dos números anteriores finalmente acontece. O Monstro do Pântano, entendendo a transcendência de sua existência, inicia uma jornada através dos Reinos imateriais para chegar ao inferno em busca da alma de Abigail. Conduzido por personagens místicos emblemáticos da DC Comics, o Monstro vai tendo acesso a camadas distintas da realidade, descortinando questionamentos que possivelmente sejam do próprio Moore. As respostas oferecidas por personagens como Desafiador, Vingador Fantasma e Etrigan são extremamente coerentes com o que se esperava deles. "Descida entre os Mortos" é talvez um dos grandes clímax da história das Histórias em Quadrinhos... Filosofia, Existencialismo, Tragédia, Drama e por que não Amor, vão decantando lentamente no interior de nossas mentes ao longo das páginas.

Swamp Thing Vol. 2 - #32 - Janeiro de 1985

"Descida entre os Mortos" saiu em janeiro de 1985 em Swamp Thing Annual - #2. A história "Pog" saiu no mesmo mês no Nº 32 da revista do Monstro do Pântano. Como que para arrefecer os nervos do leitor, tensionados por "Descida entre os Mortes", Moore constrói uma história delicada, melancólica, nostálgica e extremamente atual para nós em 2020. "Pog" é uma homenagem à uma tira de jornal do artista Walt Kelly que saiu nos EUA entre 1940 e 1970. Walt usava em suas tiras animais antropomorfizados que viviam em um pântano e passavam por situações que serviam para crítica social. Se você leitor, conseguir submergir no drama das pequenas criaturas alienígenas que adentram o pântano do Monstro do Pântano nesta história, tenho certeza que as questões ambientais passarão a ter uma prioridade muito mais urgente para você. "Pog" é uma pequena obra-prima das HQs.

Swamp Thing Vol. 02 - #33 - Fevereiro de 1985

O Monstro do Pântano já possuía uma mitologia relativamente consolidada antes de Alan Moore assumir. Uma mitologia que atrelava totalmente a psiquê da criatura ao homem Alec Holland, como já comentado acima. Embora Holland tenha sido extremamente importante para o aparecimento do Monstro, uma vez que foi a partir da psiquê de Holland que o Monstro foi gerado amalgamando homem e natureza, a verdade é que o Monstro do Pântano não é Holland. O Monstro tinha em sua constituição boa parte de Holland, mas não era ele. Alan Moore sabia que tinha que se distanciar um pouco da ideia do herói com uma identidade secreta para expandir a grandeza do Monstro para além dos tradicionais "clichês". A história "Abandonadas Casas", nos dá um pouco esta sensação de homenagem à mitologia anterior e ao mesmo tempo de despedida dela. Na história tomamos primeiro contato com a ideia de que talvez o Monstro do Pântano seja um Avatar do Verde que já existiu no passado, ou seja, teriam existido diversos Elementares do Verde na história da Terra quando ela precisou. A história também é uma homenagem às célebres histórias de terror que eram introduzidas por anfitriões macabros. Aqui, no caso os anfitriões são Caim e Abel vindos do onírico Reino do Sonhar.

Swamp Thing Vol. 02 - #34 - Março de 1985

O encadernado se encerra com uma história em que o conceito "amor" é levado à outro patamar. O ato sexual nas espécies animais, embora físico, sempre guardou a ideia de uma união que transcende completamente o conceito carnal. Seria uma união mais íntima de corpo, alma e quem sabe espírito. É baseado em uma ideia assim que (creio eu) Moore avança para o relacionamento entre o Monstro e Abigail. Os dois experimentam uma fusão física, mas que vai além, ou seja, permite a Abigail imergir na vida pulsante do Planeta por meio dos canais conectivos que o Monstro possui com o verde. Uma imersão e conexão com o "verde" que nós, seres humanos, conseguimos imaginar, mas que, por algum motivo de nosso passado perdemos. Bem... e se você quiser minha opinião, ninguém me tira da cabeça que antes da queda bíblica de Adão e Eva, vivíamos em uma conexão como a que Moore nos apresenta em "Rito de Primavera". Caso você leia a história sob a perspectiva de uma conexão com a natureza viva, você verá o quanto ela é verdadeiramente inovadora e excepcional. A arte de Stephen Bissette se liberta completamente dos planos, sentidos e orientações das páginas de um quadrinho convencional. O que acaba sendo outro efeito lisérgico que Alan Moore se utiliza para expandir e mente do leitor.


Não há como não ler A Saga do Monstro do Pântano de Alan Moore e não pensar nas ideias do Biólogo inglês Ruppert Sheldrake que, em seu livro "Os Hábitos da Natureza" nos brindou com um inovadora explicação acerca da estrutura organizativa da natureza por meio do que chamou de Campos Morfogenéticos no início da década de 80. Dentro em breve pretendo fazer uma matéria específica acerca deste livro de Sheldrake e que no qual o próprio Moore admitiu ter se baseado para construção de sua versão do Monstro do Pântano. Além de tudo isso, dentre as várias coisas inovadoras, interessantes e subentendidas no texto de Moore é percebermos que o próprio Monstro do Pântano não sabe bem o que ele é. A inocência do personagem frente à suas capacidades, e ao mesmo tempo a presença de um instinto que, quando provocado, vem a tona, mostra uma psiquê complexa e misteriosa. O próprio leitor permanece extremamente curioso acerca de quais serão as reações do personagem. Diferentemente de heróis e vilões já bem estabelecidos na mitologia das HQs acerca dos quais o leitor sabe muito bem o que esperar, o Monstro do Pântano é um grande ponto de interrogação. Ficamos intrigados acerca de como ele reagirá quando provocado e qual a extensão de seus poderes ainda a inertes.


Bem amigos... Embora muito já tenha se falado sobre a abordagem de Alan Moore para o Monstro do Pântano, há muitas camadas sempre a serem descobertas, avaliadas e reposicionadas dentro da obra, e este é o caráter atemporal d Saga do Monstro do Pântano de Alan Moore.  É isso aí! Um grande abraço à todos!!!

2 comentários:

  1. Boa tarde Marcelo,
    Vou confessar, nunca li essa fase do Monstro do Pantano do Alan Moore, apesar de ter ouvido falar... Mas com essa sua resenha e comentários, realmente deu vontade... Valeu a dica, creio que será interessante
    Abs

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    Respostas
    1. Olá amigo!!

      Que bom que se interessou! A fase é emblemática e histórica em minha opinião por influenciar toda uma geração de HQs posteriormente. Mas além disso há uma concepção filosófica muito forte. Há muitas referências, influências e uma maneira específica de se ver as coisas. Acho que há muito do que o Moore acredita a respeito da vida.

      Se um dia ler não deixe de comentar aqui!

      Forte abraço!

      Marcelo

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