Tão empolgado que fiquei com o livro que acabara de ler que logo comprei outro título do catálogo da Editora Wish: Terror Depois de Ceia. Trata-se de uma antologia de contos de Jerome K. Jerome, escritor conhecido na virada do século XX por sua veia cômica e por vezes sarcástica. Meu interesse foi em me aprofundar na literatura desta época e a leitura foi uma grata surpresa por ser emoldurada por desenhos de um famoso ilustrador da época, Kenneth M. Skeaping. A ilustrações de Skeaping me transportaram diretamente para um universo imaginário, mágico e ao mesmo tempo assustador pelo qual naveguei quando era garoto e folheava antigos livros de contos com desenhos alegres e ao mesmo tempo macabros. Maravilhosa leitura.
Assim como a Editora Wish, outras duas editoras, a Clepsidra e a Ex-Machina, tem nos presenteado com obras clássicas. Minha primeira incursão pelo catálogo de ambas foi com o lançamento conjunto do livro Contos Clássicos de Fantasmas. A obra traz uma antologia fantástica de autores do período de tempo já supracitado (virada do século XIX para o XX). Só tenho elogios para a qualidade dos contos que me transportaram com toda força para temores e terrores primais de todos. Terrores que ainda espreitam a todos a despeito da falsa segurança das nossos dispositivos tecnológicos atuais. O livro conta com a maravilhosa introdução do Prof. Alexander Meireles da Silva (conhecido pelo canal Fantasticursos). Foi por meio de Contos Clássicos de Fantasmas que tive o prazer de conhecer um autor pelo qual fiquei totalmente admirado, Afonso Arinos. Isso me motivou a buscar outra obra deste autor e que aparecerá logo abaixo como grande destaque de 2022 para mim.
Norma Bengell sempre habitou meu imaginário assim como o fez com o imaginário de presidentes brasileiros, autoridades e a maioria dos homens das décadas de 70. Pouco conhecida do público em geral, mas com uma carreira de sucesso na Europa, sempre me perguntei de onde tinha saído esta estrela que brilhou de forma incandescente desde os anos 50 e foi prova viva das diversas mudanças políticas e culturais do Brasil. Finalmente esse ano de 2022 encontrei este livro da Editora nVersos que na verdade compila as memórias escritas pela própria Norma em seu diário pessoal. Fruto de um resgate hercúleo da produtora Christina Caneca, o livro é extremamente gostoso de ser lido. Norma escreve de si para si. Uma leitura que teria que ser obrigatória para todos que tem o mínimo interesse pela história cultural de nosso país, só que nesse caso vista pelas lentes honestas, singelas, indomáveis e femininas desta grande atriz. Maravilhoso esse livro.
Personalidade complexa, irascível e de difícil trato foi Steve Ditko, co-criador do Homem-Aranha. Um homem que em função de sua reclusão e fortes posições ideológicas suscitou mitos e até lendas ao redor de si. No livro O Incrível Steve Ditko, o jornalista Roberto Guedes volta a entregar um material que, assim como havia feito com Jack Kirby, traz a vida, as vicissitudes profissionais e a forma de pensar deste que foi um grande artista da 9ª Arte. Embora esteja muito associado à criação do Cabeça de Teia, Ditko criou diversos outros personagens que sintetizavam a filosofia da qual ele era adepto, o Objetivismo de Ayn Rand. Um livro ágil, honesto tanto com o gênio quanto com a personalidade difícil do quadrinista. Cheio de ilustrações que contextualizam a obra de Ditko o livro precisa figurar na estante de leitores e amantes dos quadrinhos.
Heróis Pulp foi uma obra da Editora Skript que aguardei ansiosamente. Um livro que traz os bastidores da criação e a descrição da essência de 11 dos maiores personagens da literatura Pulp (revistas precursoras das modernas HQs). Tarzan, John Carter, Zorro, Buck Rogers, Hugo Danner, O Sombra, Doc Savage, O Aranha, O Besouro Verde, Olga Mesmer e o O Morcego Negro são destrinchados de com a excelência acadêmica necessária e uma acessibilidade textual inclusiva. O leitor se maravilhará ao conhecer os pilares narrativos sobre os quais a arte sequencial se formou. Além dos personagens mencionados acima, o livro ainda traz outros 3 personagens que existiram tanto nos Pulps quanto no quadrinhos, caracterizando-se como "personagens de transição": O Fantasma, Flash Gordon e Mandrake. Um livro que também precisa figurar na estante dos leitores!
Mudando radicalmente o mote da leitura, li o livro O Filho do Homem do laureado pelo prêmio Nobel de literatura de 1952, François Mauriac. Embora cristão declarado, François não foi um homem que escreveu sobre Cristo do ponto de vista panfletário ou proselitista. De autores deste tipo eu quero distância. François te experiências tanto na 1ª quanto na 2ª Guerras Mundiais. Era um homem com um conhecimento muito claro da maldade humana. Portanto, sem a possibilidade de abordar sua fé a partir dos tradicionais chavões religiosos. O autor busca refletir aqui sobre as atitudes de Jesus e o que verdadeiramente o movia. Conheci o livro porque tenho tido muito interesse por esta Coleção da Editora Nova Fronteira (Coleção Clássicos de Ouro). Foi por meio dela que conheci um dos maiores e melhores livros que já li: O Deserto dos Tártaros. Portanto, os títulos aqui presentes sempre me chamam muito a atenção.
Meu grande achado de 2022 foi conhecer as obra de Afonso Arinos (1868-1916). O caminho que trilhei até me interessar pela obra do autor foi iniciado nas publicações da Editora Wish e Clepsidra (conforme mencionei mais acima). O livro Contos - Afonso Arinos é uma antologia estruturada pela Profa. Walnice Nogueira Galvão (Profa Emérita da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP). Arinos me maravilhou ao apresentar um Brasil original, cheio de histórias fantásticas. A capacidade descritiva do autor é excepcionalmente envolvente, proporcionando ao leitor uma imersão profunda em uma universo mágico e crível. Os contos aqui apresentados são de um teor literário excepcional. O livro me motivou a buscar mais autores desta época. Recomendo muito a leitura!!
Inspirado talvez pelo universo mágico, brutal e ao mesmo tempo hipnótico brasileiro, chamou-me a atenção o livro do brasileiro Marcos DeBrito, O Escravo de Capela. Surpreendi-me muito (positivamente) com o relato visceral da escravidão vivida em nosso país. A história se passa em uma fazenda de açúcar em 1792. DeBrito, baseado em registros históricos, conta a história de um homem trazido como escravo da África e que estaria marcado para protagonizar a origem de uma das nossas mais famosas lendas envolvendo um preto de uma perna só com seu tradicional capuz vermelho. A leitura é extremamente fluida e crua ao mostrar sem rodeios a brutalidade na fazenda. DeBrito prende a atenção do leitor e o aproxima muito dos cenários tradicionalmente brasileiros. O horror tem seu lugar na medida certa e a história possui um final que amarra todas as pontas da narrativa. Esta foi outra agradável descoberta de 2022!!!
Ainda hipnotizado pela literatura da virada século XIX para o século XX tirei da pilha de leitura a pequena pérola Pequenos Contos de Grande Mestres do Terror da Editora Skript. Uma antologia de contos de autores tradicionalmente lembrados em materiais assim, tais como Poe, Lovecraft, Shelley. Autores que sabemos que são satisfação garantida de leitura. Mas este livro vai além ao trazer contos de autores desconhecidos para mim que me tocaram tão ou mais profundamente que os supracitados. Vou citar um deles, a brasileira Julia Lopes, que com seu conto Os Porcos (1903) me proporcionou, em apenas 4 páginas, o relato mais profundo e visceral acerca da maravilhosa experiência de se dar a luz. Além da mais profunda experiência acerca do machismo, misoginia e violência contra a mulher. Uma verdadeira pérola literária tendo como protagonista a pequena gestante Umbelina. A introdução da obra é do competente e já citado aqui, Alexander Meireles da Silva.
Por fim, qual foi a sua viagem literária em 2022? Desejo a todos um excelente 2023!!
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