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sábado, 8 de julho de 2023

Pílula Literária #12: Assombrações do Recife Velho


Em 2010 assisti à montagem da peça Assombrações do Recife Velho pela companhia de teatro Os Fofos Encenam. A experiência foi como estar dentro de um "sonho" uma vez que o pequeno local em que a peça foi encenada no Bairro da Bela Vista em São Paulo pareceu se transmutar em um espaço infinito. Ali percebi se remexer dentro de mim lembranças da infância na Fazenda Santa Bárbara no Mato Grosso do Sul. Fazenda gigante e cheia de mistérios. A sensação de estar acessando forças ancestrais durante a peça foi intensa. Principalmente durante o ato final durante o qual ouvimos Vale do Jucá do músico Recifense Siba, música que funciona quase como uma invocação do Brasil profundo. Desde então o livro que deu origem à peça entrou para meu radar. Passados muitos anos finalmente li a obra original de Gilberto Freyre. Lançado em 1955, o livro é uma coletânea de causos catalogados por Freyre com a ajuda de um repórter que trabalhava no jornal no qual Freyre era Diretor (período 1928 à 1930). Registrados a partir da entrevistas, a obra é fonte de relatos estranhos, misteriosos e cheios de elementos culturais e sobrenaturais. A experiência da leitura cresce à medida em que o leitor permite que sua mente se abra para a possibilidade de existência de elementos inexplicáveis. Freyre, muito mais conhecido pelo seu livro Casa Grande e Senzala, consegue equilibrar os relatos a partir de uma escrita que, em nenhum momento, desacredita ou deslegitima os ocorridos. Esse respeito com que trata o material mostra que: ou 1) ele acreditava no que ouvira; ou 2) valorizava os relatos na perspectiva cultural como espelhos da sociedade em que crescera; ou 3) os dois. Esta abordagem de Freyre foi uma das grandes gratas surpresas que tive porque entendo que relatos populares merecem respeito de nossa parte, independente da posição em que ocupamos nesta nossa atual Era na qual, equivocadamente, muitos expressam certo desprezo por tudo aquilo que a tecnologia não toca. Na verdade, o homem desnudado de sua roupagem tecnológica, continua sendo o frágil espécime que sempre fora diante dos mistérios do entorno. E é isso que nosso tempo acaba querendo encobrir com suas traquitanas tecnológicas e sua falsa sensação de comunidade de redes sociais. No fim, aquilo que Freyre traz no livro ainda está à espreita, pacientemente esperando nossa frágil ilusão moderna se dissolver.

Para maiores conhecimentos acerca do tema indico fortemente:


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