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sexta-feira, 19 de janeiro de 2024

Pílula Literária #17: Rodolfo Zalla - O Sentido de Tudo


Fascinante, acadêmico, afetivo, histórico, familiar... Rodolfo Zalla - O Sentido de Tudo, do jornalista Gonçalo Júnior, é uma obra que alinha perfeitamente todos esses adjetivos por mais que pareçam, à princípio, distantes entre si. Um livro que foi publicado graças a insistência e lealdade que o autor dedicou ao desenhista Rodolfo Zalla e à sua obra. Um lançamento gestado desde 2008 quando Gonçalo entrevistou o mestre Zalla. A história das Histórias em Quadrinhos sempre foi e será fascinante, mas se torna ainda mais incrível quando conhecemos as personalidades que estiveram por trás delas. Rodolfo Zalla, desenhista argentino que imigrou para o Brasil no início dos anos 60, é uma destas personalidades a ser conhecida e pesquisada à fundo em função não apenas da qualidade de seu traço, mas porque foi testemunha ocular e partícipe da construção de um imenso capítulo dos quadrinhos nacionais. O livro de Gonçalo, entretanto, não se atem às questões técnicas, históricas e políticas que serviram de pano de fundo à vida de Zalla, na verdade a construção da obra estrutura-se também dentro de aspectos simples e afetivos da vida do desenhista. Aspectos estes que, assim como em nossas nossas vidas, redimensionam e ressignificam tudo, já que apontam para nosso caráter. Rico em ilustrações e capas, o livro traz inclusive HQs inéditas ilustradas por Zalla, o que traz brilho adicional ao texto de Gonçalo, expandindo a experiência da leitura. Mas por que a obra é tão relevante? Para além de palavras elogiosas de alguém como eu, que tem apreço especial pela vida dos homens e mulheres que construíram a 9ª Arte, há na leitura do livro a percepção clara de como se davam as publicações no conturbado Brasil dos anos 60, 70, 80 e 90. Se de um lado tínhamos grandes editoras no Rio de Janeiro, em São Paulo os quadrinhos funcionavam no âmbito das pequenas editoras, o que nem por isso tornava a cena menos interessante e incrível nas paragens paulistas. Na leitura descortina-se encontros e desencontros que moldaram a forma de se fazer e produzir quadrinhos em nosso país no século XX, espelhos de uma conjuntura política e social. Zalla foi muito associado à produção de quadrinhos de terror no Brasil com as famosas revistas Calafrio e Mestres do Terror, porém sua contribuição em outras áreas é colossal, como no caso de artes produzidas no contexto didático que auxiliaram o aprendizado de algumas gerações de crianças, algo inovador ao fundir a experiência escolar aos quadrinhos em livros didáticos. Grande também foi sua incursão por outros gêneros dos quadrinhos como no caso do faroeste e temas de guerra. A relação do artista com grandes nomes da indústria também é bem descrita, artistas como Eugênio Colonose, Nico Rosso, Luís Merí, Mozart Couto, Sebastião Seabra, José Delbo, Primaggio Mantovi... roteiristas como R.F. Luchetti, Maria Aparecida Godoy, Reinaldo de Oliveira, Gedeone Malagola... editores como Miguel Penteado... entre muitos outros transitam ao longo das páginas traçando um grande painel de pessoas que construíram os quadrinhos nacionais durante várias décadas. Assim, Rodolfo Zalla - O Sentido de Tudo se constitui em material imprescindível por revelar de forma simples, afetuosa e didática um legado maravilhoso tendo como pano de fundo a memória dos quadrinhos em terras brasileiras.
 

sexta-feira, 12 de janeiro de 2024

Pílula Gráfica #35: Bruxas, Minhas Irmãs - (2023) - Uma Antologia de Chantal Montellier


Depois de Social Fiction (Ed. Comix Zone), a francesa Chantal Montellier tem outra obra publicada no Brasil, agora pela Editora Veneta. Trata-se de Bruxas, Minhas Irmãs. Uma obra densa, na qual a autora traz exemplos de mulheres que ao longo da história foram acusadas, julgadas e, na maioria das vezes, condenadas como bruxas. Montellier conta essas histórias de uma maneira muito, mas muito diferente do usual. Ela exige do leitor certo preenchimento de pequenas lacunas narrativas, o que, por sua vez, confere linhas ocultas dentro da história. Assim, o sugestionamento se insinua e deixa a obra mais profunda, aludindo a temas como sexismo, misoginia, obscurantismo, racismo, intolerância, entre muitos outros. O desenho é da própria autora e traz outra camada de profundidade, já que é melancólico, desolador e estranhamente alinhado a atmosfera trágica. Determinadas expressões faciais específicas são guardadas para certos personagens-chave nas diversas narrativas. São rostos que confrontam o leitor, que por sua vez se sente indagado pelas personagens, gerando sensação de sermos coparticipes nesse grande teatro de horror. Mas há mais coisas no âmago da obra. A autora traz uma interpretação subjacente ao fenômeno da "caça às bruxas", e com o qual eu concordo. Há dentro da psiquê masculina um deslumbramento natural pelo sexo feminino, e isso não é apenas subjetivo, é biológico também (obviamente), porém tal deslumbramento natural, fragiliza de alguma forma a hermética e belicosa natureza dos homens. Dentro de um contexto histórico, tal deslumbramento/admiração/feitiço pela beleza e natureza femininas, é muito difícil de ser admitido, sobretudo dentro de sociedades calcadas por símbolos e estereótipos de poder masculino. Admiti-lo seria uma exposição tristemente interpretada como "fraqueza". A solução sempre foi a imposição de modelos de vida para o sexo feminino dentro dos quais a mulher deve ser mantida "controlada" e "policiada". Qualquer movimento na direção oposta seria permitir que tal beleza ou "feitiço" crescesse a tal ponto de subjugar o status quo predominante. Figuras que eventualmente destoassem deste padrão seriam estereotipadas com a marca do oculto, do subversivo e do "viver maligno". Esta tônica parece permear a antologia de Bruxas, Minhas Irmãs. Dos relatos presentes na obra Fogo na Floresta e De um Diabo a Outro me marcaram bastante, sendo o primeiro deles sobre Camille Claudel. E por falar em símbolos, Chantellier faz grande uso deles. Cada página traz diversas imagens simbólicas cuja intepretação me escapou. Para um leitor mais perspicaz é possível que a obra cresça ainda mais ao dimensiona-la no contexto destes símbolos. A Edição da Veneta tem capa dura, papel de alta gramatura e um detalhe muito bem vindo, as letras são da famosa, e querida para muitos leitores de quadrinhos, Lilian Mitsunaga.

Página da história: Eva Desloups

Página da história: Eva Desloups

domingo, 7 de janeiro de 2024

Viagem Literária - 2023


i) Uma narrativa de 1895 de tons fantásticos e profundos envolvendo 3 impostores; ii) reflexões e dicas para todo admirador da 9ª Arte; iii) o Brasil profundo em uma história que sangra em veias abertas ainda hoje; iv) um relato fascinante acerca do Brasil místico e cheio de histórias que refletem nossa própria gente; v) uma pérola da literatura mundial escrita em 1899 que sintetiza a barbárie do coração humano; vi) um passeio pelo mundo espiritual na visão de Ed & Lorraine Warren; vii) a incrível vida do brasileiríssimo José Mojica Marins, com todas as suas idiossincrasias, inconsistências, afetos e amores; vii) e por fim um relato forte e direto acerca dos acontecimento vividos em 1975 pela família Lutz no Nº 112 da Avenida Ocean Drive em Amityville, Long Island, EUA.


Publicado em 1895 e de autoria de Arthur Machen, Os Três Impostores é um livro fascinante em sua estrutura narrativa. Relatos acerca de um mistério que não apenas se completam, mas que revelam uma realidade mais profunda, fantástica e terrível por trás do cotidiano e do pueril. Um livro que para ser escrito precisou de uma habilidade que nunca vi antes em um autor. Habilidade de conexões e "costuras" narrativas com as quais nunca havia me deparado. Elogiada por mestres que ainda seriam reconhecidos ao longo do século 20 tais como, Jorge Luís Borges, H.P. Lovecraft e Robert E. Howard, a obra me marcou muito, e foi a primeira que li entre a virada de 2022 para 2023. Uma edição financiada no Catarse pela Editora Ex Machina, editora que como a Wish, Clepsidra, Melusine Ex Press, Cartola, O Grifo, Skript, entre outras, vem fazendo um incrível trabalho de apresentação de obras excepcionais e esquecidas. Um livro incrível!

Arte de André Valente presente em Balões de Pensamento livro de autoria de Érico Assis

O tradutor, escritor e jornalista Érico Assis é uma grande personalidade no mundo dos quadrinhos. Colecionando textos ao longo de anos em uma coluna para um meio de comunicação, ele compilou suas reflexões em dois livros: Balões de Pensamento 1 e 2. Nesse primeiro, dividido em sessões baseadas em características da narrativa gráfica, Érico desfila análises interessantes e pontos de vista pouco abordados nas avaliações usuais do meio. Como todo bom estudioso, com enorme bagagem dentro de uma determinada área, Érico tece críticas que me fizeram pensar e refletir, às vezes concordar, às vezes discordar. Os Quadrinhos se refere a um meio de comunicação que traz em seu bojo forte apelo emocional e afetivo, marcando profundamente os corações dos seus leitores. Isso explica nosso apego a determinados títulos e personagens que, eventualmente frágeis do ponto de vista artístico, são extremamente preciosos para nós. Daí algumas eventuais discordâncias. Um livro muito interessante e que vale a pena ler, sobretudo em função das reflexões serem como pílulas de fácil ingestão.


Para além de todos os prêmios ganhos dentro e fora do Brasil pela obra, Torto Arado é um livro muito maior que seus prêmios. Não se trata de uma obra laureada em função de um academicismo hermético, que serve muito mais para retroalimentar o hedonismo da academia e de alguns literatas. Longe disso, é uma obra que faz o contrário, nos aproxima verdadeiramente do Brasil profundo. O Brasil que está em nosso sangue, adormecido, esperando gatilhos para ser acionado. Um livro de sangue, que traz a maior força impulsionadora do homem, a força das relações humanas que impregnam nosso sangue e que, de alguma forma, se transmite para nossos descendentes. Durante minha leitura de Torto Arado entrei em um estado catártico, quase fora da realidade. As portas da minha ancestralidade foram abertas e me colocaram "fora do tempo". Algo que nos proporciona outra perspectiva do hoje. Leitura que deveria ser obrigatória à todo brasileiro, mesmo aquele totalmente contaminado pelo ilusório verniz da abjeta internacionalização superficial e mercadológica, que tratora toda cultura, individualidades e relacionamentos. Convido você a fazer uma viagem para dentro do seu próprio sangue.


Em 2010 assisti à peça de teatro Assombrações do Recife Velho em São Paulo. Fui transportado para dentro de um túnel de experiências e acionamento de memórias pessoais. O medo, o fascínio, a percepção do obscuro e a poesia se fizeram presentes. Naquele dia registrei na minha mente que um dia leria o livro no qual a peça havia sido baseada. Treze anos depois visito a obra e saio dela com a ideia concreta que a metafísica presente nas lendas, é também espelho de nossas dores, mágoas e tristezas. A obra de Gilberto Freyre é clássica e fundamental não apenas por descortinar muito de nossa herança cultural, mas também por apresentar a escuridão palpável das encruzilhadas, das meias-noite, dos sons e  das experiências inexplicáveis. Qualquer pessoa que, como eu, tenha crescido em um ambiente de fazenda, ou que tenha tido o mínimo de contato com os silêncios das noites e das casas antigas, sabe o quão palpáveis estas histórias podem se tornar. Inexplicável também são as similaridades de determinados relatos narrados no livro com os acontecimentos de outros 3 livros que já li e que não teriam como ter inspirado tais relatos nesta obra de Gilberto Freyre, uma vez que foram derivados de acontecimentos posteriores: i) 1977 - Relatos Sobrenaturais - O Caso Enfield, ii) Ed & Lorraine - Demonologistas e iii) Amityville; ou seja, Assombrações do Recife Velho guarda muito mais profundidade para além do campo dentro do qual é, em geral, apreciado e interpretado, o da sociologia.


Guardado há muito tempo em minha pilha de leitura O Coração das Trevas estava, provavelmente, aguardando eu estar pronto para sua grandeza. A obra foi publicada em 1899 e é de autoria do polonês Joseph Conrad que, aos 32 anos, em 1890, viveu uma experiência nas profundezas da selva do Congo como empregado de uma empresa extratora de Marfim. Ali, vislumbrou a profundeza negra do coração humano movido pelo lucro, ao testemunhar a dissolução completa da natureza humana e sua transformação em um amálgama de instintos cruéis junto seu semelhante. Esse vislumbre marcou profundamente Conrad, levando-o a escrever O Coração das Trevas como espelho de suas experiências brutais. Setenta e oito (78) anos depois, em 1979, outro visionário, Francis Ford Coppola, rodaria Apocalipse Now, sua adaptação particular da obra de Conrad. Coppola transportou, entretanto, a desumanização vista por Conrad nas selvas do Congo em 1890, para a Guerra do Vietnã. A trajetória desta pérola da literatura universal, que de livro publicado no final do século 19 à um dos maiores filmes de guerra já filmados, traz a importância da difícil, mas verdadeira e universal mensagem enviada por Conrad há 133 anos diretamente dos espaços profundos do Congo.


Em função das muitas especulações envolvendo o casal Warren, sobretudo com seu sucesso após a franquia Invocação do Mal (baseada nos casos investigados pelo casal) ganhar o mundo, resolvi debruçar-me sobre o primeiro livro acerca de Ed & Lorraine. Escrito pelo jornalista Gerald Brittle, conhecido por seus relatos jornalísticos acerca do sobrenatural, Ed & Lorraine Warren - Demonologistas, trata de explicar a estranha e pouco conhecida ocupação de demonologista. Lançado no início da década de 1980, o livro traz entrevistas feitas diretamente com o casal acerca de diversos casos vivenciados por eles. Mas mais que isso, a obra busca explicar i) o ofício da demonologia, ii)  a estrutura e classificação daquilo que é enfrentado por eles e iii) o sinais e sintomas da aproximação de certos fenômenos para os quais a ciência moderna não consegue explicar, mesmo passados 43 anos da sua publicação. Embora os relatos sejam vistos com ceticismo por muitos, fica difícil não se aproximar e ter empatia pelas famílias e pessoas vítimas de determinados fenômenos que, sem ter mais a quem recorrer, buscam desesperadamente o apoio de pessoas que, pelo menos não as verão como loucas. A obra é quase uma introdução aos outros 3 livros que o sucede, nos quais determinados casos são relatados de forma muito mais pormenorizada. Recomendo àqueles que se interessam sobre o tema.


Satanista (?), ocultista (?), mestre das artes místicas (?)... Felizmente para alguns, infelizmente para outros, nenhuma dessas coisas. José Mogica Marins era na verdade um artista que encontrou no cinema, mais especificamente no gênero terror, a forma de manifestar a profusão de ideias que tinha ebulindo em sua mente. Um apaixonado pela 7ª arte, pelas pessoas que o rodeavam e por qualquer forma que pudesse lançar mão para manifestar seus conceitos. Ler o livro Zé do Caixão - Maldito, dos jornalistas André Barcinski e Ivan Finotti foi uma experiência extremamente agradável em 2023. Mogica foi uma testemunha da estética brasileira ao longo das décadas, manifestou sua arte a despeito de risos, comentários maldosos e ironias, e o livro apresenta sua vida desde o nascimento. Era uma pessoa que não dava a menor bola para a opinião alheia e tinha a saudável qualidade de rir de si mesmo, o que mostrava uma personalidade livre das vaidades tão presentes em determinados núcleos artísticos. Mogica se interessava apenas em filmar. Um cineasta reconhecido lá fora e que dentro do Brasil foi rejeitado pela casta cinematográfica dominante. Exceções, entretanto, para diretores do calibre de Glauber Rocha e Luís Sérgio Person, que admiravam profundamente a visão artística e plástica de Mogica. O livro inspirou a série de TV homônima do Canal Space e é de uma fluidez maravilhosa, além de trazer imagens, fotos, cartazes e diversas curiosidades acerca da vida de Mogica. Uma obra que caso fosse adaptada em sua integralidade, renderia uma série com várias e excelentes temporadas.


Uma das histórias mais exploradas no mundo cinematográfico foi baseada no que ocorreu com família Lutz durante 28 dias entre 18 de dezembro de 1975 e 14 de janeiro de 1976 no Nº 112 da Avenida Ocean Drive em Amityville, Long Island, EUA. O livro Amityville do escritor e roteirista Jay Anson narra, a partir de entrevistas realizadas diretamente com os membros da família, o dia a dia das 4 semanas durante as quais os Lutz (George de 28 anos, sua esposa Kathleen de 30 anos, e os filhos Christopher de 7 anos, Daniel de 9 e Melissa de 5) moraram no endereço. Publicado apenas alguns anos após as experiências da família, o livro teve a chance de trazer à público passagens narradas diretamente por aqueles que as vivenciaram. Um livro necessário a todos que tem alguma curiosidade e vontade de conhecer manifestações que transcendem o ordinário, bem como a dinâmica e o processo de deterioração psíquica de pessoas que acabaram por se defrontar com o inexplicável. 

Bem amigos... Esta foi minha viagem literária ao longo de 2023. E a sua, qual foi? Deixe seu comentário! Abcs.

sábado, 30 de dezembro de 2023

Destaques 2023 - Quadrinhos


Numa espiral positiva de lançamentos, os últimos anos têm sido recheados de grandes edições. Sobretudo no âmbito das pequenas editoras que, por meio de financiamento coletivo e concebidas de fã para fã, tais edições têm capturado centenas de leitores que há muito gostariam de ver determinadas obras no Brasil. Este recorte abaixo diz respeito ao que eu li em 2023, e não necessariamente ao que foi lançado em 2023. Preparem-se para viagem!


Galo de Briga é uma obra que quero comentar positivamente, entretanto já me lamentando pelo fato da Faro Editorial (Selo Poseidon) não ter ainda confirmado a continuidade da Saga no Brasil. Trata-se de um recorte muito preciso da década de 30, onde a inocência do pré II Guerra Mundial começava a ceder lugar à uma sombria realidade. Assim é também a história, que trata do ocaso de um grande herói, o Galo de Briga, que ao lado de outros heróis que o acompanhavam, começa a ver seu mundo "mais inocente" ruir. Com personagens cativantes, uma estética Art Deco, e um excelente retrato do "espírito do tempo" do pré-guerra, Galo de Briga cativou de primeira. Nos resta torcer para que a editora traga os demais volumes.

Coney Island foi um dos primeiros lançamentos do selo LoroBuono da Editora 85. Uma editora com um excelente trabalho de curadoria dentro do universo Bonelli. Nesse caso, mais um incrível trabalho de ninguém menos que Gianfranco Manfredi (Face Oculta, Adam Wild). Aqui novamente os anos 30 em foco, mais especificamente a atmosfera de alegria e estranhezas de um dos parques mais tradicionais de Nova York, o Coney Island parque, localizado na península de mesmo nome no distrito do Brooklyn. Um lugar palco de uma enormidade de experiências emocionais e destino de uma avalanche de pessoas em busca de escapismo e oportunidades. A obra gira em torno de i) um detetive particular, ii) uma trupe de artistas liderada por um homem verdadeiramente mediúnico, iii) um ex-herói de guerra e ninguém menos que iv) Al Capone. Com um eixo central e várias subtramas, Manfredi amarra todas as pontas soltas com maestria com seu costumeiro apuro historiográfico. Assim, o autor constrói todo um pano de fundo que garante um experiência imersiva ao leitor. Um grande gol  da Editora 85! 

Gus foi um lançamento de alguns anos atrás da Editora Sesi. Dividido em 4 volumes, trata-se de uma criativa e subversiva abordagem do velho oeste americano. O protagonista Gus faz parte de um trio de foras-da-lei, entretanto, o autor, Christophe Blain, subverte o gênero ao mostrar o costumeiro e hermético universo masculino dos filmes de Bang-Bang a partir de fragilidades afetivas que todo homem possui, ainda que disfarçadas por estereótipos brucutus. A proposta é um comédia de afetos não correspondidos e aventuras amorosas truncadas, recheadas de tiroteios, assaltos e brigas de saloon. O resultado é divertido e, para mim, foi um exercício de desconstrução muito interessante do gênero. Como é um lançamento de alguns anos, recomendo àqueles que forem garimpar HQs ou, quem sabe, solicitar a republicação por alguma editora.


O Procurador é outra publicação com a assinatura de Gianfranco Manfredi a receber destaque entre minhas leituras deste ano. Lançada com o primor e cuidados tradicionais da Editora Pipoca e Nanquim, a obra é um recorte da segunda metade do século 19 nos EUA, a época tradicional dos filmes de Faroeste. Entretanto, o protagonista aqui é outro, ou seja, o exímio atirador e o centro da trama não é o pistoleiro fora-da-lei, pelo contrário, na verdade é o aparente "almofadinha" empregado das tradicionais empresas da época. A história é leve, e não tão profunda em seus nuances históricos como em outros trabalhos de Manfredi. Mas é envolvente, violenta, com pontos precisos de humor e fidedignidade ao seu tempo. Ótima leitura. Excelente HQ.


Hellnoir é outro destaque Bonelliano de 2023. Um Noir diferente, ao mesmo tempo que possui todos os elementos característicos do gênero. A diferença é que se passa no pós vida, em uma cidade (Hellnoir) que, em tudo, se parece com um purgatório. Há castas vampíricas e demoníacas de seres espirituais, policiais demoníacos corruptos e, em meio a tudo isso, almas que chegam desorientadas e são presas fáceis para todo tipo de criminosos. O protagonista é o detetive Melvin Soul que consegue manter uma estranha relação com sua filha ainda viva e ainda possui um tênue senso de justiça. Uma interessante sacada é que coisas que temos em nosso mundo e que representam conceitos espirituais, tais como, velas, incenso, água benta, são itens extremamente perigosos para todos os seres espirituais de Hellnoir, e por isso quase inexistentes naquela realidade. Uma história de terror-noir ao melhor estilo Bonelli.


Impossível descrever o que o autor Marc-Antoine Mathieu faz na história de Julius Corentin Acquefacques, protagonista de O Prisioneiro dos Sonhos. História dividida em 3 volumes atualmente publicados pela Editora Comix Zone no Brasil. Mistura de epopeia Kafkiana com elementos profundamente oníricos e simbológicos. Mathieu usa de metalinguística, quebra da 4ª parede, estruturas gráficas e até mesmo da concretude do papel no qual está impresso a história para completa-la. O resultado é uma obra modelável, fluida e que brinca com o senso de realidade do leitor. Por algum motivo que me escapa, acabei iniciando a leitura pelo volume 2 (O Processo), e não pelo volume 1 (A Origem). Mas pelo que pude depreender, a narrativa da história é tão surreal, que não há perda em fazer esta inversão. O último volume (O Começo do Fim) já foi lançado em 2023 no Brasil. Uma obra que precisa ser analisada em suas camadas de significados, e debatida em círculos de leitores. Uma experiência transcendente com um caráter circular e sutilmente opressiva. Excelente!


Vampiros da Meia-Noite foi um lançamento e uma das minhas mais agradáveis leituras do ano. A obra, lançada pela Editora Skript em parceria com a Quadriculando, é um quadrinho que reconstrói o roteiro do filme perdido London After Midnight de 1927 (Vampiros da Meia-Noite no Brasil). O filme foi perdido em um incêndio em 1967, que destruiu parte dos estúdios da MGM, e se tornou um Santo Graal para cinéfilos e estudiosos em todo mundo. London After Midnight trazia o ator das mil faces Lon Channey e o diretor Tod Browning (Drácula (1931) e Freaks (1932)), e ao que tudo indica era realmente uma obra de arte, uma vez que a adaptação para a HQ, feita por Enrique Alcatena (ilustrador) e Gonzalo Oyanedel (jornalista), descortina um roteiro criativo e original. Um roteiro, aliás, baseado no conto "The Hypnotist" do próprio diretor Tod Browning. Ao ler a obra, o leitor experimenta uma estranha sensação metalinguística, pois analisando-se retroativamente temos uma HQ baseada num filme (que foi perdido) e que, por sua vez vinha de um roteiro baseado em um conto. Além desta sensação, percebemos se tratar de algo raro, perdido, longínquo, e que tenta nos alcançar após quase 100 anos. Fascinante!!


A Trilogia Gatilho em edição completa da Editora Pipoca e Nanquim, é um faroeste na melhor concepção do gênero. Desenhada por Pedro Mauro (brasileiro que vem recebendo justo e merecido reconhecimento), a obra propicia um mergulho no velho e bom bang-bang, ao mesmo tempo que traz a sutil lembrança de obras setentistas, época em que Mauro já estava em atividade. Uma excelente leitura do ano!

Falar bem de Ken Parker é realmente uma redundância! O personagem vem sendo publicado em ordem cronológica em edições capa-dura dignas de colecionadores pela Editora Mythos. Felizmente temos a promessa de publicação de toda a saga pela editora, algo que foi feito apenas uma vez no Brasil pela Editora Cluq, entretanto de forma muito lenta e com tiragens baixíssimas. Muitos leitores falavam, em seus comentários nas redes, o quão bom era esse personagem criado por Giancarlo Berardi e ilustrado por Ivo Milazzo, baseado nisso eu tinha muita expectativa e, por isso mesmo, medo de me frustrar. Mas esse, definitivamente, não foi o caso de Ken Parker, um Western situado na primeira metade do século 19, antes da Guerra Civil norte americana. Neste número 4 temos o fechamento do primeiro grande arco do personagem. Muita ação, significado histórico e lealdade à época. Maravilhoso!

Em geral, tudo que sai do Motoqueiro Fantasma me interessa. Acho o conceito do personagem muito forte, principalmente pela ideia de representar um conceito. Quando tentaram explicar quem ele era a partir de uma perspectiva celestial/bíblica, achei que houve uma certa perda de sua estrutura dramática. Prefiro pensar nele como a encanação de um conceito, tal qual personagens como Sandman e Monstro do Pântano, ambos da DC. Trilha das Lágrimas é uma boa história. Trata-se de um voo criativo de Garth Ennis com objetivo de dar sentido diferente ao Cavaleiro Fantasma original da Marvel (teoricamente um primeiro hospedeiro para o Espírito da Vingança). A arte de Clayton Crain impressiona muito. No encaminhamento final da história tive e impressão de Ennis se perder um pouco na condução da trama, mesmo assim foi um destaque.


Depois de muito relutar em conhecer o universo de Júlia de Giancarlo Berardi (sim, o mesmo de Ken Parker) cedi aos diversos comentários favoráveis de pessoas que respeito. Não poderia ter ficado mais satisfeito. Meu aparente desinteresse pela publicação por se tratar de um formato menor, preto e branco e com uma personagem com características delicadas e frágeis desaparece completamente à medida em que Berardi nos apresenta a brutal realidade por trás das mentes criminosas. Júlia Kendall, traz o contraste perfeito entre uma aparência frágil (inspirada na atriz Audrey Hepburn) e sua vontade de entender o modus operandi da "mente criminosa" e o universo dentro do qual tais mentes operam. Berardi fez uma viagem acadêmica profunda no universo da criminologia, estudando formalmente em ambientes acadêmicos. O que lemos pela boca da Profa. Júlia (ela também uma acadêmica) são informações concretas e reais acerca da área da criminologia. Minha estreia como leitor foi, por um acaso, em uma série que traz Júlia em sua época de estudante, trata-se portanto de um prelúdio à vida adulta da personagem. Recomendo muito mesmo à todo leitor inteligente e em busca de um universo adulto, crível e cheio de mistério e reviravoltas.


Outro universo que relutei muito em entrar foi o dos quadrinhos "mudos" (sem falas). Porém, acabei dando uma chance ao suíço natural de Zurique, Thomas Ott, que com sua robusta arte baseada em hachuras conseguiu capturar-me completamente. Ler, ou melhor, acompanhar a trama de A Floresta foi uma epifania. Senti a obra me tocar numa profundidade que há muito não experimentava. Em 2023 sentei-me numa poltrona em casa, coloquei ao fundo Chopin e abri A Floresta. Como se tivesse seguido os passos corretos para um ritual secreto, minha mente literalmente explodiu. Uma sequência de imagens que gritavam para escapar das páginas para entrar em nosso in/consciente profundo. Se você já vivenciou uma perda na família, ou possui esse sentimento de ausência dentro de si, a obra é para você, pois trata disso. Depois de A Floresta estou determinado a comprar todas as obras de Ott, que recentemente teve mais uma lançada no Brasil pela DarkSide Books, O Número 73304-23-4153-6-96-8.


O longa HQ Crime e Poesia foi um achado! Um achado que muitos deveriam encontrar. A triste, reveladora e transcendente história de Matt Rizzo, um sobrevivente dos violentos bairros ítalo-americanos dos anos 1930 que, após uma malfadada experiência criminosa perde a visão. Rizzo amargaria anos e anos na prisão onde, em um ambiente hostil e completamente na escuridão, encontraria a luz a partir de Dante Alighieri. Uma história real que possui como pano de fundo uma outra história criminosa real, porém mais hedionda, que foi o crime de Leopold & Loeb em 1924. A história é narrada pelo filho de Matt, Charlie Rizzo que, por sua vez, a contou ao autor de Crime e PoesiaDavid L. Carlson. Assim, como Maus, a história de Matt Rizzo não poderia ser contada por nenhuma outra mídia a não ser mesmo os quadrinhos. A arte visceral de Landis Blair combina com o ambiente violento e ao mesmo tempo transcendente dentro do qual Matt Rizzo viveu. Uma obra maravilhosa que pode trazer aquilo que você está procurando em sua vida.


Última obra do gigante Will Eisner, O Complô - A História Secreta dos Protocolos dos Sábios do Sião, trazem um trabalho denso, muito diferente de outros do autor. Eisner reconstrói a origem dos mentirosos Protocolos do título. Um conjunto de escritos que foram, e ainda o são, usados para fomentar o antissemitismo. Um documento que deu base para diversos expurgos de judeus pelo mundo. Com raízes num livro (O Diálogo no Inferno entre Maquiavel e Montesquieu) publicado na França em 1850 pelo ativista político Maurice Joly, Os Protocolos dos Sábios do Sião tiveram sua construção a partir da Rússia czarista e atingiu centenas de nações. Em O Complô, Eisner consegue de forma genial reconstruir a história deste odioso documento e lança luz nas sementes de ódio sempre prontas para eclodirem, bastando um documento, sendo ele falso ou não.


Não me canso de me surpreender com a Coleção Tex Gold da Editora Salvat. Aliás, a surpresa é maior com Tex, o ranger Bonelliano que infelizmente demorei demais para conhecer. Em O Vale do Terror (La Valle del Terrrore), edição Nº 26 da coleção, Cláudio Nizzi mostra que é realmente um dos grandes roteirista do personagem. A história é o último trabalho do desenhista, também italiano, Roberto Raviola (conhecido como Magnus). Envolvente e graficamente belo, a obra coloca Tex e seu parceiro Kit Carson em um microcosmo familiar cheio de drama e mágoas. Ótima leitura e com certeza destaque.


O ano se fecha novamente com ele, Gianfranco Manfredi, com seu personagem Adam Wild, mistura de explorador e libertador. Um personagem solidamente construído a partir de figuras reais, como o explorador David Livingstone, primeiro europeu a percorrer toda a África Negra. Com uma construção histórica sólida e fiel à realidade vivida pelas tribos africanas assoladas pelos caçadores e mercadores de escravos na segunda metade do século 19, Adam Wild é fascinante. É impossível não relacionar a obra à outra a pérola da literatura universal que é O Coração das Trevas, do polonês Joseph Conrad. Fruto das experiências vividas por Conrad no coração da selva africana, O Coração das Trevas é um atestado da crueldade, violência e loucura humanas, tendo sido adaptado por Francis Ford Coppola em 1979 em seu Apocalypse Now. Adam Wild é um exemplo de literatura Pulp da melhor qualidade com fortes raízes na realidade histórica. 

Estes foram meus destaques dentre minhas leituras de quadrinhos em 2023. Quais foram as suas? Se quiser deixe nos comentários!

terça-feira, 19 de dezembro de 2023

Pílula Gráfica #34: Adam Wild - Vol. 01 (2021)


Depois de Face Oculta, Gianfranco Manfredi tornou-se um dos meus roteiristas favoritos. Uma de suas marcas é a profundidade histórica e temporal com que localiza seus personagens. Embora ficcionais, as interações destes personagens com o meio é totalmente real. Vemos um desfile de chefes, presidentes, exploradores, empreendedores que realmente existiram. A partir de profunda pesquisa, Manfredi constrói dramas e aventuras que nos capturam profundamente. Quando vi a Editora Saicã trazer a série Adam Wild através de financiamento coletivo pelo Catarse, não me chamou muito atenção, até ver de quem era o roteiro. Adam é um aventureiro/explorador ao melhor estilo dos clássicos Pulps. Uma mistura entre um Jim das Selvas libertário com um aventureiro e apaixonado Errol Flynn. Ambas personas convivendo em um só personagem que odeia escravagistas até a última fibra do seu corpo. Escocês, Adam é membro da Royal Geographical Society e já teve várias explorações financiadas pela renomada associação. Indomável e amante da natureza, conseguiu fazer amizade com líderes tribais, inimizades com os grandes caçadores, vendedores e compradores de escravos. Passeando pela complexa teia de intrigas, violência, crueldade, política e comércio, Adam vive no fio da navalha. A Editora Saicã trouxe ao Brasil a série completa em 7 volumes, sendo o 6º e 7º financiados recentemente também pelo Catarse. Entretanto, todos podem ser adquiridos na Loja Virtual da Editora. Terminei o vol. 01 recentemente e o destaque vai para a personagem real que norteia toda história inicial, o explorador David Livingston, primeiro europeu a percorrer toda a extensão da África Negra. Um homem que não conseguiu acreditar na brutalidade, crueldade e racismo a que a humanidade pode chegar. Aliás, muito da narrativa de Manfredi tangencia outra personalidade real, a do polonês Joseph Conrad, que em 1899 nos presentearia com a pérola da literatura universal No Coração das Trevas. Livro que narra a experiência de Conrad no comércio de marfim na segunda metade do século XIX nas profundezas da selva Africana. A história de Adam Wild conjuga um manifesto contra a ferida aberta no continente africano e histórias típicas de aventura. Ambas se tocando e se reforçando mutuamente, mantendo assim a atenção do leitor. A edição da Saicã possui capa cartão e um preço bem acessível, além de manter os textos originais de Manfredi antes de cada capítulo. As informações que Manfredi traz re-significam totalmente a leitura, pois contextualizam a época e fornecem concretude às personagens. Uma excelente HQ com "H" maiúsculo. Ao melhor estilo de um dos maiores roteiristas italianos.

Adam Wild

Errol Flynn

sábado, 18 de novembro de 2023

Pílula Literária #16: Amityville - 1977


Escrito em 1977 pelo escritor e roteirista Jay Anson, o livro Amityville narra, dia a dia, as 4 semanas durante as quais a família Lutz morou no Nº 112 da Avenida Ocean Drive em Amityville, Long Island, EUA. O momento em que Anson decidiu escrever o livro ainda guardava muita proximidade dos acontecimentos vivenciados pelos Lutz no inverno de 1975. Mas para entendermos um pouco o que aconteceu realmente em Amityville temos que retornar para o ano de 1974, mais precisamente 13 de novembro de 1974. À época a casa era habitada por outra família, os DeFeo. Nesse fatídico dia, Ronald DeFeo, o filho mais velho da família, pegou um rifle de grosso calibre e matou seus dois irmãos mais novos, suas duas irmãs mais novas e seus pais. Todos chacinados enquanto dormiam. Condenado à prisão perpétua, Ronald disse várias vezes durante seu julgamento que fora fortemente influenciado por vozes que habitavam a casa para que executasse os assassinatos. Pouco mais de 01 anos depois, no dia 18 de dezembro de 1975, George Lee Lutz de 28 anos, um ex-fuzileiro naval, dono de uma empresa de agrimensura, mudou-se para o Nº 112 da Ocean Drive aproveitando a pechincha pela qual a casa estava sendo vendida. Embora George soubesse do terrível crime que a casa fora palco, sua personalidade pragmática não levou isso em conta. Assim, George, sua esposa Kathleen (Kathy) de 30 anos, e os filhos de Kathy (que George assumira como seus), Christopher de 7 anos, Daniel de 9 e Melissa (Missy) de 5 mudaram-se com grandes expectativas e planos. O livro de Jay Anson segue então os acontecimentos vivenciados pela família Lutz nos 28 dias que ali estiveram, quando em 14 de janeiro de 1976 foram obrigados a saírem correndo da casa apenas com a roupa do corpo, deixando todos seus pertences para trás, apenas carregando a ideia fixa de jamais pisarem o local. O caso Amityville (como passou a ser chamado) viria a ser alvo de filmes e derivados, sempre explorando o terror e o sobrenatural. Mas para saber o que realmente aconteceu lá, Anson baseou seu livro no extenso material gravado pelos Lutz no qual descreveram todas as experiências ali vividas. O relato da família foi corroborado por policiais que estiveram envolvidos tanto no caso dos DeFeo quanto no dos Lutz. Além dos policiais, o padre Frank Mancuso, sacerdote que abençoara a casa por ocasião da entrada da família no dia 18 de dezembro de 1975, não apenas atestou o relato da família como também sofreu terríveis experiências pessoais (descritas no livro) de natureza espiritual em retaliação ao seu envolvimento com "seja lá o que" habitava a casa. O número 112 da Ocean Drive ainda existe, muito embora os atuais habitantes tenham solicitado a mudança de número na tentativa de despistar os inúmeros curiosos que até hoje vão ao local. Inesperadamente como começara, a casa deixou de manifestar a presença que ali esteve à época dos DeFeo e dos Lutz. De forma muito curiosa, entretanto, todos os acontecimentos ali relatados coincidem em muito com aquilo que foi observado em outros locais do mundo, conforme descritos em interessantes livros como Assombrações do Recife Velho (1955) de Gilberto Freire, 1977 - Relatos Sobrenaturais - O Caso Enfield (1980) de Guy Lyon Playfair e Demonologistas (1980) de Ed & Lorraine Warren. Mergulhos em realidades estranhas e aterradoras.

A Família Lutz

quarta-feira, 15 de novembro de 2023

Pílula Gráfica #33: O Vale do Terror (2019)


Lançada de 2016 à 2020, A Coleção Tex GOLD da Editora Salvat não para de surpreender. Muito provavelmente porque para mim foi meu ponto de entrada no Universo Texiano. Em o Vale do Terror (La Valle del Terrrore), edição Nº 26 da coleção, Cláudio Nizzi coloca Tex Willer e seu amigo Kit Carson no rastro de uma seita de fanáticos que cometem assassinatos cruéis e violentos. Porém, esta narrativa cairia no lugar comum não fosse vários elementos da história. Além da costumeira sagacidade de Tex, a arte do saudoso Roberto Raviola (desenhista italiano mais conhecido como Magnus) salta aos olhos, sobretudo na concepção das paisagens, das cenas amplas, da arquitetura das construções e da ambientação interna. Não conhecia muito seu trabalho, mas a concepção artística de Magnus brilha a cada página. Considerando que este é um dos últimos trabalhos do artista, a história também serve como uma despedida. Mas há mais em O Vale do Terror. Um peculiar aventura em que TexKit se envolvem em uma investigação dentro de um núcleo familiar. Um microcosmo dentro do qual o ranger e seu amigo, acostumados com embates diretos com seus inimigos, têm agora que administrar uma investigação em um contexto de afetos, perdas, desilusões e brigas familiares. Um terreno minado e de difícil manobra. Cláudio Nizzi é mesmo um grande roteirista, pois constrói a narrativa fornecendo ao leitor um ambiente crível e passional. A concepção de uma das principais vilãs da história é incrível. A sensual, ardilosa, fiel e violenta chinesa May-Ling. Governanta da casa de Victor Sutter, antigo magnata do Vale do Rio Yuba e que agora amarga uma ruína financeira, May-Ling entende a dor e a raiva de seu patrão que foi levado à derrocada financeira por famílias que contribuíram para sua situação. Como governanta, ela compra a vingança de Sutter e se alia à misteriosa e cruel seita. Uma verdadeira teia de intrigas e dramas dentro da qual Willer e Carson se veem enredados. E tudo, como já mencionado, emoldurado pela excelente arte de Magnus. Concebida inicialmente em preto e branco, O Vale do Terror saiu colorizado para esta coleção. Algo que em minha opinião deu muito certo, muito embora para alguns isto possa deslegitimar a originalidade artística de Magnus. Embora este seja apenas mais um volume dentro da Coleção Tex Gold, eu poderia dizer que é um dos pontos altos de minhas leituras de 2023.




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