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domingo, 13 de outubro de 2019

Resenha: A Assombração da Casa da Colina


Publicado em 1959, A Maldição da Casa da Colina é um livro de uma autora que influenciou profundamente grandes mestres da literatura mundial, dentre eles Stephen King, Neil GaimanRichard Matheson. Shirley Jackson (1916 - 1965) foi uma autora norte-americana que criou em A Maldição da Casa da Colina (The Haunting of Hill House) um dos textos mais contundentes acerca da casas mal-assombradas. O livro de Jackson voltou a ser comentado há alguns meses por dois motivos, 1º em função de sua republicação pelo selo SUMA da Editora Companhia das Letras e, em 2º, em função da adaptação que o Canal de Streaming NetFlix fez em 2018 para a obra, a série intitulada A Maldição da Residência Hill (nome mais fiel ao título original em inglês). Shirley foi uma autora que, embora pouco ligada aos holofotes de sua época, foi aos poucos sendo reconhecida como uma das autoras com um conjunto literário de grande valor para o século XX. Interessei-me pelo livro A Maldição da Casa da Colina em função de uma resenha que li, e só depois fiquei sabendo da adaptação do NetFlix.


A edição brasileira da "Suma" é facilmente encontrada e possui uma sobrecapa com a imagem da série da NetFlix. A capa acima é a que vem logo abaixo da sobrecapa. A história gira em torno da vida da personagem principal Eleanor, uma jovem já na casa dos 30 anos que viveu a vida toda à sombra de sua mãe e irmã. Sua vontade de se libertar e viver uma vida própria ganha força quando ela recebe uma carta de um certo Dr. Montague. Um pesquisador que após rastrear pessoas que já haviam passado por experiências paranormais resolve convida-las a participarem de um experimento: passar uma temporada em uma casa (A Casa da Colina) em que fenômenos paranormais haviam sido relatados e permaneciam sem explicação. Montague quer catalogar estes fenômenos e buscar explicações racionais e científicas para as manifestações. Adicionalmente ele quer tentar enxergar tais fenômenos através dos olhos de outras pessoas, no caso, seus convidados. Por mais estranho que pareça o convite, Eleanor encontra na carta uma possibilidade de realizar algo só seu, uma aventura só sua.

Sobrecapa da Edição Brasileira com a imagem da Série da NetFlix

Poucas pessoas respondem ao convite de Montague além de Eleanor, dentre eles Theodora, outra jovem mulher que, diferentemente de Eleanor, é superficial, ligeiramente fútil e um tanto quanto mimada. Além de Theodora aparecem também Luke, o herdeiro da Casa da Colina e posteriormente a própria esposa do Dr. Montague, a Sra. Montague. Um dos grandes méritos do livro e da narrativa de Shirley, é a capacidade de descrever de forma muito adequada e crível os ambientes e as sensações despertadas pela Casa em seus hóspedes. A autora a descreve como uma casa construída propositadamente com ângulos e medidas fora dos padrões, o que desperta uma sensação estranha de imediato na percepção das pessoas. Paredes que parecem tortas, torres que dão a impressão de estarem inclinadas. A sensação estranha que isso provoca nas pessoas logo de imediato viria da inadequação de nossos sentidos frente àquilo que não esperamos encontrar nos cômodos, ou seja, A) paredes que parecem fora do lugar, B) vistas de janelas que não correspondem exatamente ao esperado quando se olha de fora, C) portas dentro dos quartos que parecem levar a outros cômodos... entre outros. Tudo isso consegue proporcionar ao hóspede um incômodo contínuo e inexplicável.

Shirley Jackson

A história segue colocando Eleanor, Luke, Theodora e o Dr. Montague em situações sutilmente sobrenaturais. O fato da autora resolver não descrever de forma clara as manifestações dentro da casa, cria o ambiente correto para nascer uma das mais potentes ferramentas a serviço do "medo", a capacidade de sugestionar o leitor ou expectador. Este modelo de condução narrativa cresceu depois de Shirley, mas vale lembrar aqui que a autora escreveu o livro no final da década de 50, ou seja, Shirley foi notável em sua percepção e forma de construir seu livro. Nossa mente, se corretamente estimulada, fabricará sozinha todas as sensações necessárias para o sucesso de um livro como esse. A competência da escritora está em disparar os "gatilhos" corretos, o resto nossa mente completará.

Da esquerda para a direita, os irmãos Theodora, Steven, Eleanor, Luke e Shirley da adaptação para o Canal NetFlix

A série do NetFlix muda completamente a história principal, no entanto preserva muito bem a essência do que Shirley Jackson propôs em minha opinião. Montague, Luke, Theodora e Eleanor estão presentes na adaptação, mas tem papéis e relações completamente diferentes daquelas propostas na obra original. Dirigido pelo habilidoso Mike Flanagan (diretor de outros filmes de terror elogiados tais como "O Espelho" de 2013 e "Ouija - A Origem do Mal de 2016), a minissérie do NetFlix (A Maldição da Residência Hill) evolui e expande os pontos sugeridos por Jackson no livro. Elementos emblemáticos da obra original tais como "a xícara de estrelas", "pedras que caem do céu sobre telhados", a frase "... jornadas terminam no encontro de amantes" são citadas na série quase que como uma homenagem. Gostei muito da adaptação da NetFlix e recomendo!

Desafio do Além - 1ª Adaptação para o cinema em 1963 para o livro de Shirley Jackson

Mas A Assombração da Casa da Colina já havia sido adaptada outras duas vezes, só que para o cinema. A 1ª delas em 1963 no filme intitulado "Desafio do Além", que não assisti mas entrou totalmente para meu radar. A 2ª adaptação foi lançada em 1999 no filme "A Casa Amaldiçoada" com o elenco estelar de Catherine Zeta-Jones, Owen Wilson, Liam Neeson e Lili Taylor. Esta versão de 1999 eu assisti e confesso que o filme vai bem em boa parte, porém ao final há uma explicação mal construída para toda a paranormalidade do local, o que desarma boa parte da trama.

A Casa Amaldiçoada - 2ª Adaptação para o cinema em 1999 para o livro de Shirley Jackson 

Stephen King, um dos mestres do terror contemporâneo, viria a dizer o seguinte a respeito do livro de Shirley Jackson: "A história de Casa Mal-Assombrada mais próxima da perfeição que eu já li". A frase de King se justifica porque a forma como a autora apresenta a casa, torna-a crível enquanto personagem, passando a ocupar as páginas do livro com uma presença gigantesca. A forma abrupta como a história termina no livro, abre sugestões a respeito do que teria realmente acontecido e, nesse ponto, acredito que a autora poderia muito bem ter escrito uma continuação.


A Assombração da Casa da Colina é um daqueles livros que nos permite entender que sensações, experiências e emoções vividas deixam ecos ao nosso redor, e esses ecos podem impregnar paredes, encanamentos, estantes e cômodos, que acabam por funcionar como câmaras de ecos para a posteridade. Monumentos vivos de nosso passado.

Um abraço à todos.

3 comentários:

  1. Li há anos no formato eletrônico, pois a obra estava esgotada e, em sebos, encontrávamos apenas edições mal conservadas a preços exorbitantes (R$ 200, R$ 300 etc.).
    Este é aquele livro que você ama ou odeia. Fico no primeiro grupo e isso bem destacado por você (não tentar oferecer explicações) é a grande graça do romance.
    Realmente, o livro é uma constante na obra de King, uma eterna referência.

    https://bloguedoneofito.blogspot.com/2019/08/a-hora-do-vampiro-de-stephen-king.html

    Abraços!

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    Respostas
    1. Olá Kleiton...

      Tem toda razão acerca da relação afetiva que se tem com o livro. O leitor mais recente, acostumado a livros que mais parecem roteiros para cinema, nos quais a ação é mandatória para prender a atenção (cada mais dispersa) do leitor, provavelmente achará que o livro de Shirley possui lacunas importantes. Mas a ideia da autora ao que me parece era justamente deixar espaços a serem completados pela mente do leitor.

      Toda ambientação que a autora proporciona é realmente muito boa.

      Li sua matéria acerca do Livro do King, A Hora do Vampiro. Muito boa! Deixei um comentário lá.

      Abcs!!

      Marcelo

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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