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quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

Destaques 2020 - Quadrinhos


Com o fim de 2020 se aproximando está na hora de mencionar as HQs que foram destaques entre minhas leituras nesses últimos 12 meses. A seleção se refere ao que li ao longo do ano, e não necessariamente às obras lançadas nesse período. Marcado como um ano de profundo impacto na vida de todos em função do novo coronavírus, as HQs mais que nunca funcionaram como escapismo à dura realidade pandêmica de confinamento e desgaste físico e emocional. Situações assim nos mostram como o bem estar pessoal se relaciona com a saúde mental, emocional e social, e a 9ª Arte mais que nunca forneceu momentos de repouso psíquico para mim. A matéria apresentará as HQs dentro de minha ordem cronológica de leitura.


O Desafiador (Boston Brand) é um dos personagens mais interessantes do Universo Místico da DC, no entanto, pouco já foi publicado no Brasil acerca de sua origem e motivações. Este encadernado levanta muito do manto de mistério sobre sua origem, sua relação com seu irmão, com a entidade Rama Kushna e com a cidade mística de Nanda Parbat. Publicada originalmente em formato de minissérie em 1986, Desafiador - Retorno à Eternidade é continuação direta da história Ninguém Escapa do Desafiador! que saiu em The  Brave And The Bold  n° 86 de 1969 (publicada aqui no Brasil há não muito tempo em Lendas do Cavaleiro das Trevas - Neal Adams volume 2), ou seja, uma história que demorou 17 anos para ser continuada. O encadernado é uma obra importante para a mitologia do personagem. Vale ressaltar que, infelizmente, a abordagem até um pouco engraçada dada à Boston Brand nas últimas décadas, como se ele fosse um espírito desencarnado com grande inclinação para a confusão, pouco tem a ver com sua trágica e triste origem. Este encadernado mostra essa angústia e posiciona bem o Desafiador dentro da esfera mística da DC. O personagem tem grande apelo dramático em minha opinião, o que foi muito bem explorado, por exemplo, em outra HQ de extrema referência chamada Deadman - Amor após a Morte publicada no Brasil ainda pela Editora Abril em 1990.


A edição Tex Gold - Em Território Selvagem é o Nº 45 da Coleção Tex Gold da Savat, atualmente em sua fase final aqui no Brasil. Tex é um dos personagens mais emblemáticos dos quadrinhos italianos e, para entender seu carisma é preciso imergir dentro das HQs do personagem. Ao fazer isso o leitor é rapidamente integrado à atmosfera selvagem do Velho Oeste, tendo em Tex a figura do herói do período que nada tem a ver com qualquer estereótipo panfletário. Nesta HQ, o DNA do personagem é muito bem apresentado, evidenciando Tex como uma mistura de homem simples, mas sábio, que sabe como e quando agir. As complexas situações nas quais ele é inserido são resolvidas de forma crível e permitem ao leitor uma imersão na época. Para quem, como eu, pouco conhece o personagem, será um prazer conhece-lo por meio deste volume. 


Demolidor por Frank Miller & Klaus Janson vol. 02 integra um pequena, mas brilhante coleção de encadernados da Panini com 3 volumes. Os encadernados apresentam a fase em que Miller construía uma nova abordagem do Demolidor no final dos Anos 70 (1979 à 1981). Estas histórias pavimentaram a mitologia urbana e definitiva do herói, retirando-o do ostracismo que ele amargava ao longo dos anos à época. Miller inovou com histórias que apresentavam a cidade como um lugar violento, perigoso, com muitos elementos dos filmes "noir". Coadjuvantes mundanos, tais como prostitutas, cafetões, criminosos e páreas dos mais variados tipos começaram a chamar atenção, aproximando O Homem Sem Medo a uma realidade crível, consolidando o caminho para o que viria logo a seguir, ou seja, uma das maiores histórias do Demolidor, a saber, A Queda de MurdockDemolidor por Frank Miller & Klaus Janson mantém o frescor das boas histórias e evidencia a mente de Miller e a arte de Janson.


Lançada pela Editora Panini em 3 volumes (o primeiro em 2016 e os dois últimos em 2018), Face Oculta foi uma das melhores coisas que li em 2020. O que pode parecer uma monótona HQ histórica, é na verdade um relato emocionante e cheio de viradas de um obscuro momento da história bélica da Itália. Escrita pelo roteirista, cantor e compositor italiano Gianfranco Manfredi, a obra narra a vida de Ugo Pastore, um jovem pacifista que se vê lançado dentro de uma Guerra infelizmente já esquecida atualmente. No final do século 19 a Itália voltou sua atenção colonialista para a África, mais especificamente para Etiópia, um importante local que serviria de base para suas intenções comerciais e territoriais. Diante deste painel político se sucedeu a 1ª Guerra Ítalo-Etíope (1895-1896) narrada na série. Face Oculta é uma obra extremamente interessante que chegou a chamar a atenção de militares italianos à época de sua publicação original em 2007. Cartas foram escritas para Manfredi por oficiais elogiando o resgate do autor e contribuindo com informações relevantes. Embora os 3 personagens principais da série sejam fictícios (Ugo Pastore, o Tenente Vitorio de Cesari e a jovem rica Matilde) os demais coadjuvantes que orbitam a trama são todos verídicos, o que expõe a complexidade de uma Guerra e toda maquinaria política por trás dela, isso tudo sem deixar a atenção do leitor se dissipar. A continuação do volume 3 foi financiada na plataforma de financiamento coletivo Catarse e se chama Shanghai-Devil, trazendo a continuidade das aventuras de Ugo Pastore. Uma iniciativa da Editora Red Dragon. Se você não conhece Face Oculta não perca tempo!


Após mais de 3 décadas A Saga do Monstro do Pântano de Alan Moore continua reverberando. Não há o que acrescentar aos adjetivos já usados para descrever o que Moore fez à frente do título. Ousado, brilhante, metalinguístico... Um trabalho que continua a nos impactar. Neste Livro Dois estão compiladas as edições originais de Swamp Thing Vol. 2 números 28 à 34 e ainda Swamp Thing Annual - Vol. 2 Nº 2. Especificamente neste Livro 2 da Panini temos o cerne do que Moore quis fazer com a criatura do Pântano. Encerra-se a conexão que ela tinha com Alec Holland, vemos se concretizar os planos malignos de Anton Arcane e temos como ápice disso a descida do personagem ao inferno através do "verde". Uma viagem não apenas espiritual, mas um mergulho nas concepções existenciais que nos rodeiam. Após este clímax Moore desacelera e publica três histórias autocontidas que são verdadeiras pérolas: Pog (#32), Abandonadas Casas (#33) e Rito de Primavera (#34). Pog é uma elegia à perda da conexão com a natureza, levando uma raça à melancolia e angústia ao se ver órfã no universo após degradar sua própria casa. Abandonadas Casas além de resgatar o passado do Monstro do Pântano, dá os primeiros passos para explicar o que realmente ele realmente é, ou seja, um Avatar do Verde. Rito de Primavera mostra a união sexual do Monstro com o Abigail Arcane, uma história que consegue traçar a profundidade que a união entre dois seres representa. Brilhante!


Em 2013 a Editora Devir iniciou a publicação de Imperdoável. Mas só foi a partir de 2018 (com a republicação do vol. 01) que a série ganhou fôlego no Brasil. Imperdoável é um trabalho autoral do conhecido e já laureado roteirista Mark Waid (Reino do Amanhã). A história é quase que um espelho distorcido do mito do super-herói. Tudo gira em torno de Tony, um super-herói que, tal qual Superman é todo poderoso, porém em algum momento Tony, ou melhor O Plutoniano (como é conhecido) sai dos "trilhos" e se torna um assassino em busca de vingança por todos os pequenos atos de rejeição que sofreu ao longo de sua vida. Por vezes o leitor se identifica com a solidão na qual Tony viveu e sofreu ao longo de sua vida, ao se ver sempre como um "inadequado", um "não aceito" em função de seus poderes que a todos inspirava um certo medo. A HQ é muito boa e não faz concessões aos atos de brutalidade de Tony. Mark Waid ao que tudo indica constrói um personagem além de qualquer redenção. Estes são os volumes 3 e 4. Uma série que tem valido muito a pena acompanhar!!


Embora já tenha ouvido falar muito de Hal Foster e seu Príncipe Valente, foi dentro da Coleção Príncipe Valente da Editora Planeta DeAgostini que finalmente pude entender porque o personagem é uma referência para toda 9ª Arte. Publicado ininterruptamente ao longo de décadas em formato de pranchas semanais desde 1937, Príncipe Valente de modo algum é datado. A coleção acompanha em ordem cronológica a epopeia do herói Arturiano. Com uma arte extremamente acadêmica e cheia de detalhes que nunca se chocam ou cansam, Hal Foster (que era também o desenhista da série) construiu um verdadeiro monumento perpétuo dentro dos quadrinhos. Cada volume da série é impressionante. Em 2020 pude ler apenas esse em função de muitas outras leituras acumuladas. Mas sem dúvida nenhuma Príncipe Valente estará entre meus destaques nos próximos anos!


Com o fim do selo Vertigo na DC, a Editora inseriu em seu lugar outro intitulado Black Label. E para mostrar seu investimento nesta iniciativa a DC trouxe diversos de seus medalhões para estrelarem histórias com desenhistas e roteiristas conhecidos, caso deste encadernado escrito por Brian Azzarello e desenhado pelo incrível Lee Bermejo. Embora tenha sido alvo de opiniões controversas (pelo que acompanhei nas redes sociais) Amaldiçoado foi uma grande experiência de leitura. Para além da óbvia e maravilhosa arte de Bermejo, com seu traço "encapotado", a história concebida por Azzarello é estranha e misteriosa. Para mim ficou clara a associação que o escritor faz entre Batman e Coringa, uma associação que transcende a realidade e a própria vida. Para mim o autor quis dizer, com o ambíguo final da história, que Batman e Coringa não são apenas dois lados da mesma moeda, na verdade talvez seriam a mesma manifestação. Em uma matéria que fiz apenas para discorrer sobre essa história lancei diversas conjecturas sobre o que Azzarello realmente quis dizer com aquele final. Sem dúvida uma obra que vale ser conhecida e dissecada em minha opinião.


Sou fã incondicional de Astro City, já expressei isso aqui no Blog em diversas matérias a respeito dos encadernados da série que já li (A Vida na Cidade Grande - Vol. 01; Confissão - Vol. 02; Álbum de Família - Vol. 03). Neste 4º Volume O Anjo Maculado, Kurt Busiek eleva ainda mais o nível de qualidade da série ao trabalhar a vida de Carl Donewicz, um criminoso que viveu relativos dias de glória na bandidagem no passado, mas que amargou 20 anos em uma prisão federal. Ao sair de lá, tudo que Carl quer é ficar em seu canto, sem arrumar confusão, sozinho com suas lembranças e, quem sabe num golpe de sorte fazer alguma coisa de bom na vida dentro do tempo que lhe resta. Ao desenhar Carl  Donewicz com a feição triste e cansada do ator Robert Mitchum o desenhista da série Brent Aderson acertou o tom perfeito para o personagem. Um trabalho primoroso que precisa ser redescoberto e apreciado. A série Astro City consegue, em cada um de seus volumes, desencavar os conceitos básicos dos super-heróis, transcendendo a avalanche dos inúmeros pastiches que invadiram o mercado dos quadrinhos (e que ainda existem) após a publicação de Watchmen de Alan Moore. 


Jeff Lemire é um dos roteiristas que vem se destacando no mercado dos quadrinhos, sobretudo em seus trabalhos autorais. É difícil dizer se suas histórias terão o impacto que as de outros grandes autores dos quadrinhos tiveram, mas sem dúvida nenhuma sua abordagem trafega dentro de um espectro da narrativa ficcional que gosto muito, ou seja, passeia pelo fantástico, terror, ficção científica... e tudo conduzido de uma forma a não engolir os dramas pessoais dos personagens. Há respeito por eles. Em Black Hammer, Lemire homenageia os quadrinhos de super-heróis trazendo suas versões de grandes heróis clássicos dos quadrinhos. É possível reconhecer facilmente amálgamas de Capitão América/Demolidor, o Caçador de Marte, além de Shazam... entre outros. Mas o grande mérito do autor é fazer esta homenagem de forma distorcida; por vezes parece que estamos em um episódio de uma série de terror que rapidamente migra para ficção científica que rapidamente se transforma em um episódio de Além da Imaginação (The Twilight Zone). Embora tenha lido algumas críticas negativas quanto à simplicidade do final da saga, mais do que o fim, a importância da série está na construção e ambientação de cada personagem. Muito bom!


Uma HQ que pareceu ficar um pouco à margem dos lançamentos mainstream foi Bowie - Stardust, Rayguns & Moonage Daydreams, um quadrinho feito de fã para fã do Camaleão David Bowie. A partir de um relato coerente, mas com uma atmosfera onírica, o autor apresenta os primeiros anos da carreira de Bowie. A história é recheada de referências musicais e episódios de bastidores do artista. Um dos grandes méritos é mostrar o processo criativo do músico que parecia ser algo quase "espiritual", ao se conectar com os personagens que eram gestados dentro de si e que erupiam em suas performances. As conexões de Bowie com o mundo pop foi tamanha que extrapolou os recônditos musicais, transbordando para a cultura cinematográfica e literária. Uma obra que precisa ser conhecida e reconhecida!


A nova série do Incrível Hulk indicada ao Prêmio Eisner chegou ao Brasil em 2019 e após angariar diversos comentários favoráveis nas redes sociais me chamou atenção. Li os dois primeiros encadernados em capa cartonada que a Editora Panini lançou no Brasil (recentemente saiu o volume 6). A abordagem do roteirista inglês Al Ewing é interessante e foge das muitas outras já feitas ao personagem. Com uma narrativa voltada para o horror e terror, o Gigante Esmeralda não parece mais o mesmo; para o leitor é até difícil reconhecer que um dia ele foi classificado como herói. Ainda é cedo para dizer para onde Ewing está indo, mas os dois primeiros volumes se mostraram interessantes. Ainda não tenho elementos para dizer se a série é ou não merecedora de tantos comentários positivos, mas no mínimo é uma HQ acima da média. Menção honrosa aqui!


O Fantasma é sem dúvida um herói com uma mitologia interessante mas que, para minha vergonha, nunca foi alvo de minha atenção. Lançado pela Editora Mythos o encadernado O Fantasma por Jim Aparo traz a passagem do desenhista pelo personagem, época em que o Espírito-que-Anda era publicado pela Charlton Comics. O volume congrega todas as histórias que saíram pelas mãos de Aparo, de abril de 1969 à junho de 1970. Embora os roteiros pareçam relativamente simples, é incrível como ficamos absortos no rico universo do herói. De alguma forma misteriosa o traço de Jim Aparo nos captura e transforma um material que poderia ser alvo apenas de fãs em algo que vai além. Acho muito injusto quando tentamos analisar uma obra à luz do nosso tempo. Para que ela seja devidamente apreciada cabe sempre o exercício de contextualiza-la à época. Quando fazemos isso percebemos o quanto livros, discos e quadrinhos mais antigos crescem. Caso façamos esse exercício aqui, teremos um material que passará de muito bom para ótimo. Destaque para a decisão da Mythos em preservar as propagandas que saíram nas revistas originais à época de seus lançamentos, o que auxilia grandemente na imersão que comentei acima. O brinde (um anel do Fantasma em metal), além do papel escolhido para impressão são outras decisões acertadas.

Bem amigos... Estes foram meus destaques em minhas leituras de quadrinhos em 2020. Li muitas outras coisas, mas acredito que a matéria evidencia obras que precisariam ser conhecidas ou que mereceriam sua atenção. Claro que há sempre a questão do "gosto pessoal", mas no geral as HQs aqui apresentadas possuem qualidade com certeza! Grande Abraço é um Feliz Natal à todos!!

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