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domingo, 27 de dezembro de 2020

Viagem Literária - 2020


O que você leu em 2020? Por quais lugares sua mente divagou? A minha, em particular, fez voos por lugares muito diferentes e distantes. Mas em  todos os casos muito interessantes, às vezes estranhos e fantásticos, mas sempre positivos ao me auxiliar na difícil tarefa de enfrentar o contexto pandêmico. Viajei inicialmente à um mundo alternativo criado pela filósofa Ayn Rand em que ela ilustra seu curioso ponto de vista político e econômico no livro A Revolta de Atlas - Vol. 01. Estimulado pela forma de pensar do roteirista Alan Moore, li o seminal livro do Biólogo inglês Rupert Sheldrake intitulado A Ressonância Mórfica e a Presença do Passado - Os Hábitos da Natureza onde é apresentada sua elegante forma de explicar a vida e o que estaria por trás dos (ainda) inexplicados comandos para que nasçamos e cresçamos. Depois disso tive a vontade de me deixar envolver pelo estranho caso que sucedeu à Família Harper, na Rua Wood Lane Nº 84, Subúrbio de Enfield em Londres em 1977. Um relato incrível de um dos Poltergeists mais documentados da história apresentado no livro 1977 - Relatos Sobrenaturais - O Caso Enfield. Em seguida submergi na visão de quatro célebres e clássicos escritores da ficção científica na ótima antologia Das Estrelas ao Oceano. Talvez subconscientemente impulsionado pela pandemia pelo novo Coronavírus resolvi então retirar da estante um livro sobre os riscos biológicos de uma ameaça planetária no romance O Enigma de Andrômeda. Depois de muito postergar, resolvi ceder ao mundo ficcional de H.P. Lovecraft ao ler Nas Montanhas da Loucura, um relato ficcional com aspectos fantásticos e profundamente existências. No apagar das luzes de 2020 tirei da estante a biografia de uma das mentes mais inquietas, obscuras e fantásticas até hoje, o já mencionado Alan Morre, na biografia O Mago das Histórias


Manifesto de direita ou crítica legítima ao socialismo? A Revolta de Atlas traz a perspectiva da filósofa Russa radicada nos EUA Ayn Rand acerca da política social que deveria ser aplicada em sua opinião, a saber, o individualismo e a razão como únicos meios de adquirir conhecimento. Em seu conjunto de valores Rand rejeitou a fé, a religião e o altruísmo, apoiando o egoísmo racional e ético. Embora, eu não concorde com a aplicação ipsis litteris destes conceitos, eu sempre quis conhecer as ideias de Rand. Em A Revolta da Atlas a escritora constrói uma história envolvendo a personagem principal Dagny Taggart. Taggart é a herdeira de um império que parece ruir aos poucos à mercê de uma política em que tudo deve ser compartilhado em prol do bem comum. Leis e políticas de Estado são implementadas para garantir o desmantelamento da propriedade privada nos EUA. No entanto, uma apatia quase sobrenatural parece tomar conta de tudo e de todos, fazendo com que tudo que vai sendo compartilhado acabe se esfacelando pela falta de empreendedorismo e apatia das pessoas. Há princípios que vão sendo claramente apresentados ao longo da trama, um deles é de que a falta de estímulo mina a vontade humana de crescer. Apesar de polêmica, Rand possui uma verdadeira legião de fãs, incluindo o roteirista Steve Ditko (falecido em 2018), co-criador do Homem-Aranha ao lado de Stan Lee. Ditko chegou a criar personagens baseados no Objetivismo de Rand, como por exemplo o personagem Questão. Neste primeiro volume da série Rand, deixa várias coisas em suspenso, mas abre claramente o caminho para suas ideias.

Quando li A Saga do Monstro do Pântano do escritor Alan Moore, fiquei surpreso com tamanha genialidade ao refazer um personagem à luz da ideia de um "Campo de Ressonância" que permeia as criaturas vivas, e de onde muito do que somos provêm. O próprio Moore, no entanto, atribui estas ideias à Rupert Sheldrake, biólogo inglês que criou uma teoria muito elegante acerca dos comandos naturais aos quais estamos sujeitos. No livro A Ressonância Mórfica e a Presença do Passado - Os Hábitos da Natureza suas ideias são fundamentadas e apresentadas. Sheldrake em linhas gerais explica que as experiências vividas por uma espécie acaba por criar um campo de ressonância, o campo morfogenético. O autor ilustra que tijolos, cimento e madeira são ingredientes para se construir uma casa. Mas em separado de nada servem. É preciso de um plano de construção e sobretudo de comandos para a construção da casa. Nossa herança genética são o cimento, madeira e tijolos, mas tal herança não explica de onde vem os comandos necessários para que todas as proteínas se combinem de maneira ordenada para construção de um ser vivo. Isso não está nos genes. O livro é excepcional e traz uma concepção interessante acerca da vida, sem perder de vista a experimentação e fundamentação científica. Pena que esse livro é de uma Coleção Portuguesa (Coleção Crença e Razão). Mas consegui achar facilmente em uma livraria.


Às vezes a ficção invade nossa realidade e se impõe como fato. O livro 1977 - Relatos Sobrenaturais - O Caso Enfield do jornalista e testemunha ocular Guy Lyon Playfair, traz o que parece ser algo inconcebível para muitos, a interferência (acima de quaisquer suspeitas) de um ou vários Poltergeists que assolaram uma família (os Harpers) ao longo da 2ª metade de 1977. O caso foi extensamente documentado por Playfair e pelo colega Engenheiro e Pesquisador Maurice Grosse. O resultado dessa incrível experiência está neste livro publicado em primorosa edição pela Darkside Books aqui no Brasil. Playfair consegue realizar um relato humano e crível que não cai na armadilha de se tentar "florear" o ocorrido. Sua escrita é objetiva e cheia de compaixão pelo que a família Harper sofreu. Em seus vários pedidos de ajuda à outros profissionais ligados ao paranormal, tudo que Playfair conseguiu na época foi relatórios estapafúrdios de pesquisadores que atribuíam tudo à cabeça das meninas da família, na época pré-adolescentes. Ao não conseguirem explicar o que ali acontecia, toda culpa recaía sobre a família, taxados de embusteiros querendo chamar a atenção. Playfair e Grosse foram os únicos que acompanharam o lar dos Harpers até o fim e amenizaram o sofrimento da família. Um livro muito interessante e que não tenta dar nenhuma resposta cabal ao sobrenatural.


Na antologia de ficção científica Das Estrelas ao Oceano a editora Martin Claret traz cinco contos de quatro grandes autores clássicos: H.G. Wells, Julio Verne, H.P. LovecraftJ.H. Rosny Aîné. Publicados quando o mundo era totalmente diferente do nosso, os contos mantém o cerne de mistério que envolve, a seu modo, cada um deles. Além do óbvio exercício histórico que é lê-los, o leitor (ao abrir sua mente) consegue facilmente experimentar a estranheza e mistério proposto em cada narrativa. A proposta gráfica do livro em muito lembra os antigos lançamentos do hoje lendário e saudoso Círculo do Livro. A seguir seguem os nomes dos contos: de H.G. Wells, A ESTRELA, acerca da angústia em massa frente à destruição planetária iminente e ARMAGEDDON: O SONHO, um interessantíssimo relato sobre a matéria de nossos sonhos (!!); de Julio Verne, O ETERNO ADÃO, uma história envolvente acerca da nossa pequenez frente às modificações de nosso planeta; de H.P. Lovecraft o aterrador O TEMPLO, que traz o que há de melhor na narrativa do escritor, sua capacidade de expressar de forma surpreendente nosso passado; e de J.H. Rosny Aîné o UM OUTRO MUNDO antecipa, em minha opinião, o que hoje acredita-se como verdadeiro, a saber,  existência de mundos paralelos.

Possivelmente influenciado pela pandemia pelo Novo Coronavírus, retirei da estante o livro O Enigma de Andrômeda do conhecido Michael Crichton, escritor muito adaptado para o cinema. O livro, publicado ainda nos anos 60 traz o relato extremamente crível de como seria uma ameaça biológica ao Planeta Terra. Diferentemente da COVID-19, o vírus do livro, chamado de Variedade Andrômeda veio do espaço trazido por uma sonda/satélite sub-orbital. Absurdamente letal, o vírus extermina de pronto uma cidadezinha americana em apenas alguns minutos, já que era transmitido pelo ar. Narrado em tempo real, a história mostra os planos de contingência norte-americanos para esse tipo de ameaça. Aliás, eu propriamente nunca tinha pensado na perigosa possibilidade de algum artefato feito pelo homem (Ex. um ônibus espacial) que após um voo orbital acabasse trazendo algo letal para nossa espécie vindo do espaço. A obra foi adaptada para o cinema em um filme de mesmo nome de 1971. Embora o final seja um tanto quanto mal desenhado, o livro é muito interessante e vale sim a leitura pelo suspense muito bem construído e pelas incríveis informações que Crichton oferece acerca dos protocolos de segurança norte-americanos. Alguns deles, inclusive, nada éticos, humanitários ou morais.


Influenciado pela leitura do conto O TEMPLO de H.P. Lovecraft (1890-1937), presente na Antologia Das Estrelas ao Oceano (mencionada acima), tirei da estante o livro Nas Montanhas da Loucura. O autor influenciou absurdamente toda literatura fantástica que foi produzida no século XX e ainda reverbera mais do que nunca hoje. Ao ler Nas Montanhas da Loucura é possível entender um pouco o "porque". Lovecraft entendia a literatura fantástica como um dos únicos veículos capazes de transmitir as insondáveis memórias ancestrais de nossa espécie e iluminar o passado longínquo de nosso Planeta. A excelente introdução do livro, feita por Guilherme da Silva Braga, Organizador e Tradutor do livro contextualiza muito bem a obra dentro das ideias de Lovecraft. Inclusive os meandros da escrita do livro. A história apresenta uma expedição feita aos longínquos territórios gelados do círculo polar antártico, onde os desavisados exploradores se deparam com as ruínas de uma monumental cidade possivelmente datada de milhares de anos atrás, antes até dos Dinossauros. A narrativa mantem seu frescor, sobretudo em função das inúmeras e excepcionais maneiras de Lovecraft traduzir em palavras sentimentos obscuros guardados dentro de nós e que afloram quando estamos diante do insondável, do inimaginável, ou de paisagens que evocam em nós um sentimento ancestral. Não há como não se dobrar à isso!! Tanto que preciso transcrever aqui as palavras da escritora norte-americana Joyce Carol Oates que escreve o seguinte na quarta-capa desta edição da Editora Hedra:

"Existe uma grandeza melancólica e operística em Nas Montanhas da Loucura; uma curiosa poesia elegíaca de perda inefável, de desespero adolescente, e uma solidão existencial tão profunda que permanece na memória do leitor, como um sonho, por muito tempo depois que os rudimentos do enredo lovecraftiano se apagam" - Joyce Carol Oates. 

Alan Moore é um dos mais importantes, e talvez obscuros artistas, dos últimos 40 anos. Capaz de trafegar entre escrita, música, teatro entre outras expressões de arte, Moore é uma figura enigmática, brilhante, misteriosa em função de suas crenças, ética e honesta. Diante de suas incríveis obras para a 9ª Arte tais como A Saga do Monstro do Pântano, Watchmen, V de Vingança, Miracleman, Do Inferno (apenas para citar algumas), como não ficar curioso em conhecer mais de perto sua mente? Graficamente magnífico e com uma escrita apaixonada, o livro Alan Moore - O Mago das Histórias de Gary Spencer Millidge, faz jus à profundidade dos trabalhos do artista, além de descrever com incríveis imagens e diversas passagens sua vida pessoal e profissional. A edição da Editora Mythos é portentosa, com seus quase 30 cm de comprimento e 22 cm de largura. Impressão em papel de alta gramatura com excelente reprodução de capas, fotos e imagens. Mas mais do que toda esta estrutura gráfica, o conteúdo do livro é profundo e consegue transmitir como o autor pensa e no que acredita. A obra cobre praticamente tudo que ele produziu e não esconde características difíceis para nós entendermos, como por exemplo as crenças de Moore, que a partir de 1993 decidiu se tornar mago. Para todo amante dos quadrinhos, literatura e arte Alan Moore - O Mago das Histórias nos desafia a expandir nossa compreensão do que nos cerca. Sem dúvida nenhuma o livro será alvo de uma matéria completa aqui no Blog.

E você? Qual foi sua viagem literária feita em 2020? Quais lugares, mundos ou realidades você visitou? Conte aqui e, aproveitando... FELIZ 2021

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