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sábado, 28 de novembro de 2020

Nas Montanhas da Loucura - H.P. Lovecraft


Uma das minhas grandes e vertiginosas viagens de 2020 foi adentrar nos salões mentais de H.P. Lovecraft. Conhecido por uma legião de fãs, minhas informações acerca do escritor eram várias, porém apenas por terceiros. Aconteceu que acabou caindo um de seus contos (O TEMPLO) em minhas mãos ao ler a coletânea  Das Estrelas ao Oceano da Editora Martin Claret. A capacidade do escritor em produzir ecos de segredos milenares escondidos e insondáveis caiu como um bólido dentro de mim. O próximo e óbvio passo foi tirar da estante um outro livro do autor que há muito aguardava minha leitura, Nas Montanhas da Loucura. A edição da editora Hedra traz uma excelente e acdêmica Introdução de Guilherme da Silva Braga, Organizador e Tradutor do livro. Embora acadêmica, a Introdução é extremamente interessante e localiza bem o leitor dentro do Universo que permeia vida e obra de Lovecraft.


Escrito em 1931 mas rejeitado inicialmente, o livro foi mesmo publicado em 1936 na revista Astounding Stories. A obra mostra uma expedição ao continente Antártico, um dos lugares praticamente inexplorados à época. Narrado por um dos sobreviventes da expedição, a história cresce na perspectiva do estranho e inominável, uma vez que são encontradas ruínas colossais de uma metrópole no gelo. Mas uma metrópole estranha em sua arquitetura e idade, algo que antecede o aparecimento da espécie humana na Terra. Uma das grandes marcas de Lovecraft, e sobre a qual eu sempre havia lido, é a apresentação de seres cósmicos que, embora presentes em nosso imaginário mais rudimentar, realmente teriam sido reais. Essa experimentação de ideias do autor resgata o entendimento de que teríamos guardados em nosso DNA experiências e percepções de Eras passadas, daí nosso assombro diante desta realidade inominável.


Embora pareça um texto muito visto ao longo do século XX, estamos falando aqui da década de 30, ou seja, Lovecraft estava sendo pioneiro em uma narrativa que seria aproveitada ao extremo nas mídias vindouras. Mas a obra ainda teria algo a nos falar depois de quase um século de sua publicação? Minha resposta é sim. Isso porque mais interessante que os acontecimentos e desfecho da história (que são muito interessantes sem dúvida), é o frescor nas palavras de Lovecraft, que não escreveu apenas para contar um evento fantástico; o verdadeiro objetivo do autor transcende a história, ou seja, o que interessa é apresentar, nas entrelinhas, o mistério insondável que nos rodeia. E isso ele faz de forma poética, lírica e profunda ao conseguir colocar em palavras a sensação do ser humano diante do gigantesco, do imemorial, do desconhecido, do insondável e inqualificável. E foi exatamente esta capacidade de Lovecraft que me fisgou no conto O TEMPLO, que menciono no início do post.


Esta moldura narrativa que permeia a obra é que nos faz perceber o profundo e subliminar discurso do livro. O "fantástico" é uma ferramenta para apresentar sensações e questionamentos que o próprio autor tem, e que eu mesmo já tive acerca do que nos cerca. As questões primordiais são sobre como tudo pode ser muito maior que nós mesmos e o nosso ínfimo papel em tudo. Esta perspectiva nos abre portas para ressignificarmos os mitos e lendas à luz de uma memória humana primal, de reminiscências que sobraram dentro de nós. Uma palavra muito usada ao longo do livro é o termo "éon". Um éon é o que os geólogos chamam de a maior subdivisão de tempo na escala geológica. As Eras que conhecemos (ex.: Cenozóica, Mesozóica, Pré-cambriana...) compõem 1 éon. Isso quer dizer que a soma dos éons é aquilo que mais se aproxima da eternidade em termos de mentalidade humana. Os achados da expedição em Nas Montanhas da Loucura datam de éons ancestrais.


Há uma sutil sensação de perda e luto que permeia o livro... E para definir esta sensação as melhores palavras são da laureada escritora norte americana Joyce Carol Oates que escreve o seguinte na quarta-capa da edição da Editora Hedra:

"Existe uma grandeza melancólica e operística em Nas Montanhas da Loucura; uma curiosa poesia elegíaca de perda inefável, de desespero adolescente, e uma solidão existencial tão profunda que permanece na memória do leitor, como um sonho, por muito tempo depois que os rudimentos do enredo lovecraftiano se apagam" - Joyce Carol Oates.

Terminei de ler o livro já há algumas semanas, e os detalhes do enredo já começam a se esvair de minha mente, mas o que Joyce escreve acima é a mais pura verdade; ao lembrar de Nas Montanhas da Loucura sinto um sopro gelado de um vento antigo que tenta limpar as camadas mais profundas da minha mente em busca de segredos ancestrais escondidos...

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