A editora Martin Claret é a casa de grandes livros já há muito tempo. Sua proposta de lançar clássicos literários em formato de bolso, em capa cartonada, de baixo custo e em pontos de grande circulação é louvável e necessária em tempos de tão baixo índice per capita de leitura. Mais recentemente, no entanto, a editora vem também investindo em um acabamento gráfico mais requintado, sem abrir mão de sua consagrada curadoria. Alguns exemplos desta nova proposta são O Homem Que Ri de Victor Hugo e Grande Contos de H.P. Lovecraft. Desta safra também faz parte Das Estrelas ao Oceano, uma coletânea de 5 incríveis contos de ficção científica de 4 grandes mestres: H.G. Wells, Júlio Verne, H.P. Lovecraft e J.H. Rosny Aîné. Para além do seu conteúdo obviamente de qualidade, o livro é um primor por outras razões, a começar pelo projeto gráfico de um estúdio chamado Manga Mecânica Studios. A linda capa tem toda uma simbologia para quem lê o livro, pois faz referência à cada um dos 5 contos. Além disso, o livro foi impresso em um formato que me lembrou muito as edições do saudoso Círculo do Livro. Empresa que fazia a alegria de leitores pelo Brasil inteiro nos anos 80 com sua revista bimestral a partir da qual podíamos fazer nossos pedidos de livros. Não apenas o formato externo lembra as edições do Círculo do Livro, mas o tamanho da fonte e o papel das páginas.
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Maravilhoso projeto gráfico do Manga Mecânica Studios |
Os dois primeiros contos que abrem o livro são de autoria do consagrado H.G. Wells. Fica muito patente a grande cautela (que beirava o pessimismo) que Wells tinha em relação ao futuro. Muito desse pessimismo, aliás, se mostrou verdadeiro como viria a provar o Século 20. Em A ESTRELA, Wells nos presenteia com uma história que (acredito eu) deva ter servido de base para Lars Von Trier filmar o seu MELANCOLIA de 2011. A frustração, negação, desolação e melancolia da humanidade diante de um desastre iminente transborda pelas páginas. O 2º conto do autor, ARMAGEDDON: O SONHO, mantém a perspectiva de cautela e certo pessimismo do autor em relação aos rumos da humanidade. Esta característica confere à H.G. Wells a qualidade de observar os homens sob um prisma muito peculiar, o da realidade sem ceder à sentimentalismos.
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H.G. Wells |
Editado pelo filho de Júlio Verne, o conto O ETERNO ADÃO não é apenas intrigante, mas oferece uma forma diferente de pensarmos o passado e a origem da humanidade. A construção narrativa de Verne é verossímil, sobretudo ao nos oferecer uma interpretação perfeitamente possível para nossas origens, além de expressar o orgulho e a soberba humana diante de seus próprios feitos, o que nos conduz ao esquecimento de que somos apenas mais uma espécie residente nesta casa chamada Terra. Influenciado pelas descobertas da época, e pela construção Darwinista da realidade, Verne nos apresenta um conto instigante e intrigante, com a ciência a emoldura-lo de forma brilhante.
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Júlio Verne |
A pérola da coletânea para mim é o conto O TEMPLO, de H.P. Lovecraft. Dono de uma fama póstuma incrível, Lovecraft é o tipo de escritor que, assim como seu contemporâneo e criador do Conan, Robert E. Howard, acabou sendo mais conhecido por meio das obras que inspirou. Embora eu soubesse da importância de Lovecraft para o gênero terror e ficção, para minha vergonha eu nada havia lido dele ainda. Pois ao ler O TEMPLO eu percebi da onde vem toda fama e reconhecimento. Lovecraft realmente consegue nos levar a um envolvimento tal que acabamos por experimentar, em certa medida, as sensações de medo e assombro dos personagens. Somos levados a perceber o deslumbramento mítico a que o homem é suscetível quando confrontado com sua pequenez diante de mitos, lendas e, porque não, verdades. Se ler Lovecraft estava em meus planos, a partir de agora serei obrigado a fazê-lo imediatamente.
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H.P. Lovecraft |
O francês J.H. Rosny Aîné fecha a coletânea com o conto UM OUTRO MUNDO. O autor narra o nascimento de um homem extremamente estranho, a começar pela coloração violeta clara de sua pele. Muito magro e esquelético, o jovem é dono de uma visão capaz de enxergar espectros da luz e da radiação invisíveis ao olho humano comum. Alem disso, possui um raciocínio e agilidade física extremamente elevadas. Nascido em uma família simples em uma cidade da Holanda, o estranho menino logo descobre outros sentidos, dentre eles a capacidade de enxergar uma realidade paralela a nossa e que existe à poucos milímetros de nós. Uma realidade que co-existe à nossa mas que nos é invisível porque "vibra" em uma ressonância diferente da de nossos átomos. É incrível verificar que em 1895 (data da publicação deste conto) o autor imaginou algo que é bem possível que seja verdade, uma vez que a teoria das cordas sugere exatamente estes estados vibracionais diferentes da matéria. Para mim este conto de Aîné soa quase como uma profecia! Com um final muito interessante também!
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J.H. Rosny Aîné |
A Martin Claret acertou em cheio ao publicar Das Estrelas ao Oceano. Este será um livro ao qual voltarei no futuro para rele-lo em função da atemporalidade de seus contos, ideias e pressupostos. Uma das minhas melhores leituras de 2020 até o momento!
Olá, Marcelo.
ResponderExcluirVim a esta postagem por indicação do LEO. Cara, que edição primorosa. O trabalho do Manga Mecânica Studios, embora meio brega, ficou lindo. Mas sou suspeito para avaliar, pois sou brega.
Tenho vários livros do finado Círculo e sempre achei aquele formato confortável para se ler: tamanho perfeito para segurar o volume por horas sem cansar, páginas "curtas" para folhear, fontes e margens decentes, assim como o espaçamento.
Só não comprarei esta edição porque ando evitando, mesmo, a compra de material impresso.
Abraços!
Olá amigo Kleiton...
ExcluirPois é. Esta edição me lembrou muito o saudoso e quase insuperável Círculo do Livro. Digo insuperável porque era uma outra época... Uma época de espera contida e de grande alegria quando nossos pedidos chegavam. Isso sem contar a revista bimestral deles. A própria revista era uma celebração à literatura universal.
Essa antologia da Martin Claret é muito interessante. Um saldo para lá de positivo. O projeto gráfico é, realmente, para os dias atuais chamativo e talvez "brega"... rs rs... Mas o próprio projeto traz consigo uma aura de antiguidade gráfica. Fiquei muito satisfeito.
Pelas redes sociais fui informado que a Martin Claret possui alguns problemas de tradução. Mas não cheguei a notar nada neste livro. Acredito que eles tenham resolvido este problema ou estão a resolver, até pela incursão da editora para títulos mais bem acabados graficamente como este.
Gde. Abc.!
Marcelo
Você pretende resenhar a antologia "As melhores histórias de viagem no tempo"?
ResponderExcluirEstou quase terminando essa leitura. Gostei demais da coletânea. Uma das melhores que li por esses tempos.
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