No final do anos 80, início dos 90 eu me encontrava no 1º terço de minha juventude. Os poetas chamam essa fase de aurora da vida. Independente disso ser verdade ou não, é uma fase difícil para qualquer garoto ou garota recém-saído da adolescência. A necessidade de afirmação pessoal e social nos assola, pois dependemos daquilo que os outros pensam de nós e do que pensamos de nós mesmos. Nessa época eu estava em Londrina (PR), terminava o cursinho e ingressava na faculdade. Bem... para lidar com todo esse "stress" fui estudar órgão eletrônico. Cheguei a avançar no método mas para ser sincero não fui mais do que um aluno mediano, às vezes até medíocre em minhas execuções. Bom, na escola de música havia a Lilian, uma garota doida, doida mesmo, mas uma ótima musicista. Certa vez tive que passar em sua casa, que ficava perto da Av. Duque de Caxias, para pegar um livro de música. Ela era doida, mas uma boa anfitriã pois me ofereceu um café da tarde. Até então eu não sabia... mas uma grande coisa estava para acontecer. Eu já estava me deliciando com um café com leite quando ela retorna da sala de sua casa acompanhada de um som que vinha do toca-discos de seu pai. Um som que jamais me esquecí. Era uma célula sonora que ficava se repetindo em um movimento em espiral e que me pareceu vindo de uma outra dimensão (talvez do céu, pensei). Imediatamente eu disse: "PARE TUDO! O QUE É ISSO???". Assustada ela disse: "Calma!" ... e logo em seguida me mostrou a velha e carcomida capa de um disco de seu pai. Aquela música era "Europe Endless" primeira faixa do disco "Trans-Europe Espress" do Kraftwerk de 1978.
Iniciado em Düsseldorf, Alemanha em 1970 por Florian Schneider e Ralf Hütter o Kraftwerk foi, ao lado do Tangerine Dream, um dos representantes da música progressiva alemã (a Krautrock). Sua formação principal e mais duradoura contou com Florian Schneider, Ralf Hütter, Wolfgang Flür e Karl Bartos. À semelhança do Tangerine, o Kraftwerk é dono de uma beleza glacial, porém inumana. Seus discos, trazem de forma recorrente o tema: A humanização das máquinas em detrimento da desumanização da humanidade. O Kraftwerk sonhou um futuro que para nós já envelheceu em vários aspectos. Um futuro onde uma Europa dos anos 40 se fundia com um mundo robótico. Tal frieza em sua temática não destitui suas músicas de sentimento (embora seja mais difícil de reconhecê-lo). Por isso mesmo nos arremete ao filme "Metrópolis" de 1927, do cineasta, também alemão, Fritz Lang. No filme uma sociedade oprimida por castas superiores obrigavam o proletariado à cultuar uma andróide chamada Maria. Embora genial, ao meu ver nenhum outro grupo posterior administrou o legado do Kraftwerk à altura. Com outros discos igualmente fantásticos eu gostaria, no entanto de comentar o "Trans-Europe Express".
Lançado no final dos anos 70, esse álbum é a síntese e o clímax de uma música que ainda não foi entendida por todos nós. Europe-Endless (a primeira faixa) mantem uma contínua e celestial célula sonora abafada por uma percussão eletrônica que às vezes dá lugar à fria e melodiosa voz de Shneider. É alegre, mas ao mesmo tempo sabemos que conta uma história já esquecida e abandonada. A faixa dois "The Hall of Mirrors" incia-se com o som sideral de sintetizadores antigos e ultrapassados, daí a nostalgia do som. Porém a faixa nos surpreende pela sua frieza e automatismo. Um teclado solitário inicia uma sequencia de notas glaciais acompanhada pela mesma voz aveludada quase humana de Schneider, mas apenas quase. Logo em seguida o ambiente reflexivo e automático se acentua com a faixa "Showroom Dummies", porém aqui um elemento comum às composições do Kraftwerk aparece, um coral de fundo. O que exacerba o tom profundo.
A faixa 4 é a tão esperada "Trans-Europe Express". Música que tem ao fundo uma percussão contínua que simula um trem que avança por estações imaginárias e esquecidas. Divididas em duas partes (TEE e Metal on Metal) a faixa possui pouco mais de 12 minutos que levam o ouvinte à uma viagem sonora. Eventualmente um teclado simula um trem passando bem ao seu lado, entremeado à isso as vozes do grupo são ouvidas, são nomes de lugares, paradas e locações da Europa. Trans-Europe Express é enfim uma faixa peculiar, mesmo para o Kraftwerk. O clima de suspense e estranheza da faixa termina com o início da linda e flutuante "Franz Shubert", penultima faixa do disco.
Em "Franz Shubert" o som de um órgão antigo, que parece-nos vindo de uma audição milenar, invade nossos ouvidos, sempre seguido de um segundo e angelical órgão que toca notas que lembram bolhas de ar. "Franz Shubert" é sem dúvida uma experiência maravilhosa.
O disco termina com uma pequena faixa de 55 segundos onde os integrantes do grupo nos fazem lembrar da eternidade dos lugares em nossa mente ao simplesmente dizerem "Endless" repetidamente... repetidamente... repetidamente...
Teste.
ResponderExcluircurto o kraft a muitos anos....
ResponderExcluirOlá Pedro!
ExcluirQue bom encontrar alguém que conheça e goste do Kraftwerk! Aqui está uma banda que carrego comigo desde quando a conheci nos anos 80.
Valeu pela presença e comentário!
Gde. Abc.
Marcelo.