Conseguir retirar a gordura da alma... Silenciar-se ao ponto de ouvir o que é para poucos... Muitos fizeram e buscaram isso. Yeshua (Jesus) fez o mesmo. Seus 40 dias e 40 noites no deserto são preenchidos nas Escrituras com apenas alguns diálogos entre ele e Lúcifer. Mas sabemos que não foi só isso... Houve silêncio, sede, pedras, pó, vento, sol, frio, calor, fome e sonhos. É fato que houve muito mais do que aquele diálogo entre Yeshua e Lúcifer. Exercitar a mente e tentar imaginar o que mais aconteceu naqueles 40 dias é ficção. Mas não há pecado na ficção, desde que não seja bem feita simplesmente para atender determinada doutrina, dogma ou grupo. A ficção feita com reverência, respeito, cuidado e humildade não é anátema, pelo contrário, nos aproxima do inefável. Assim foi para mim assistir ao filme Os Últimos Dias no Deserto (EUA - 2016 - Direção Rodrigo Garcia).
Ewan McGregor faz o jovem Yeshua (Jesus) que busca no deserto um lugar para ouvir o Pai e a si mesmo. Busca achegar-se ao Pai. Mas fica claro ao espectador que ele sabe que está aqui na Terra jogando pelas regras dos homens, e por isso sente cansaço, dor e toda e qualquer sensação humana. Sente até mesmo a vontade de ouvir claramente a voz de Deus e receber de volta o assovio do vento. Os primeiros longos minutos do início do filme já seriam uma grande obra, pois o diretor não tem medo de mostrar o silêncio, a solidão e a feroz batalha entre o deserto e o homem. Esse primeiro trecho seria suficiente para nos fazer entender porque é preciso ir para o deserto (seja qual for o lugar que cada um de nós chama ou conhece como "deserto").
Rodrigo Garcia (o Diretor) acerta ao não acessar o poderio divino de Jesus, pois conduz a história a partir das percepções do jovem Messias. Resolver tudo pelo poder divino talvez até desse mais bilheteria ao filme, mas não alcançaria a beleza de se chegar ao final pelo caminho mais difícil. Um caminho mais difícil, porém mais perene e mais parecido com nosso dia a dia. Yeshua não está interessado em resolver as coisas através de mágicas e truques divinos. Não é assim que funciona. Até porque se decidisse resolver tudo por meio de truques mágicos isso não geraria nas pessoas a transformação esperada e necessária. Ele realmente está jogando dentro das nossas regras, e quer entrar em contato com as motivações e contradições de nossos corações humanos e falhos. O campo de atuação do filme são as relações humanas.
Esperar por um filme grandiloquente e cheio de efeitos não é o caso aqui. A ideia é se voltar para dentro, para o secreto e para o coração pedregoso do homem. Nesse processo o diretor toma a licença de propiciar um encontro entre Yeshua e uma família sem esperança e cheia de contradições que mora no deserto. Yeshua testemunha uma difícil relação entre pai e filho e, ao testemunhar isso, parece entender seu Pai. Para qualquer filho que amou seu pai e teve qualquer problema com ele, o filme é libertador no seu silêncio, nas entrelinhas e nos espaços vazios deixados pelas falas não ditas. A própria cura física fica em segundo plano ao percebermos que a doença maior é a da alma.
A Trilha Sonora de Danny Bensi e Saunder Jurriaans emoldura o deserto e parece dar voz a ele. As conversas entre Lúcifer (que o tempo todo atormenta) e Yeshua são muito interessantes! O espectador verá a superioridade de Jesus não em função de seus efeitos pirotécnicos, mas sim pela sobriedade, sinceridade, honestidade e acima de tudo perseverança. Entre as cenas finais, destaco a que Lúcifer e Yeshua caminham lado a lado em direção à Jerusalém e simplesmente o Demônio desiste de continuar porque a caminhada é pesada, extenuante e demais para ele. Ou seja, ele simplesmente não aguenta. A simbologia da cena, ao revelar a superioridade e perseverança de espírito de Jesus, é fantástica. Pois no silêncio daquele momento revela-se o Gigante que o Messias foi em sua pequenez na Terra.
O filme foi para mim uma grata surpresa. Ele revela o Jesus humano sem torna-lo polêmico como outros filmes no passado pareceram fazer, tais como A Última Tentação de Cristo de Martin Scorsese ou Je vous Salue, Marie de Jean Luc-Godard.
Muitos temem apresentar o lado humano de Jesus com medo de que isso ofusque seu lado divino, em Últimos Dias no Deserto, é o contrário, é justamente esse lado humano que ressalta a grandeza de sua divindade.
Marcelo, é um prazer ler você. Fiquei muito interessada no filme, aliás, tudo o que fala de Jesus é um verdadeiro fascínio para mim.
ResponderExcluirA Bíblia sempre tem uma boa didática para ensinar, mas em se tratando de uma obra cinematográfica, a criatividade do diretor é um talento indispensável para preencher os espaços vazios, desde que não deturpe o que já estava escrito na obra em que ele se baseou.
Vejo aí três “pilares”: Jesus, Lúcifer e o Deserto. Sobre eles paira a essência que deve ser dominada nesta mensagem.
O primeiro pilar, Jesus, é claro o personagem mais importante. Ele materializou a figura humana na mais almejada perfeição: o bem, a qualquer preço.
Já Lúcifer, atua naturalmente na sua maior especialidade, visando empreender tudo em prol do seu propósito original quando de sua queda: perder todas as almas.
O Deserto, muito longe de ser um mero coadjuvante ou somente um ambiente inóspito, está a postos como exemplo daquela conhecida lei de Murphy, “Nada é tão ruim que não possa piorar”, onde o piorar, ficou por conta de Lúcifer.
Voltando à essência que deve ser dominada, a grande lição é a provação. Venha ela em companhia da fome, da sede, da dor, da solidão e tudo o mais que o deserto proporciona, a provação tem sempre um objetivo: mostrar que somos um “nada” enquanto distantes do Divino, e que caminhar na direção D’ele é dirigir-se para fora do deserto.
O tempo de nossa vida, por si só é como um deserto que devemos atravessar. As dificuldades virão com certeza, mas nos cabe decidir enfrenta-las e sermos honestos consigo mesmos durante todo o caminho. Perseverar e apegar-se a Deus são como duas chaves que não podemos perder.
Jesus, como filho de Deus, poderia não se submeter a certas situações, mas ele não se valeu da sua condição divina para se manifestar melhor que ninguém. Ao contrário, Jesus neste mundo, foi “igual” a qualquer homem, com um objetivo bem claro: mostrar que é possível a qualquer homem, seguir para sair do deserto sem ser abatido pelas fraquezas humanas, e até a ceder às tentações que prometem resolver nossos “problemas”.
Além de mostrar à humanidade que a moral e o uso correto do livre arbítrio são essenciais para se vencer um deserto, lá Jesus refletia sobre sua missão e sobre o que dela iria ser evidenciado, e sua fome naquele momento era de ciência exata, de lealdade ao seu Pai.
A derrota de Lúcifer no caminho para Jerusalém, por que poderia ser senão pelo fato dele ser desprovido de Deus? Perseverar somente não basta, pois chegando do outro lado sem Deus, que vitória existiria? Aliás, sem Deus, pode-se nem se quer conseguir perseverar.
Vou parando por aqui, porque as minhas reflexões sobre os feitos de Jesus renderiam muitas páginas.
Mais uma vez, obrigada pelo seu belo texto, amei comentar.
Olá Maria Fernanda...
ExcluirTudo bem? Novamente agradeço sua presença e importante participação por aqui. Sempre trazendo uma opinião abrangente e ao mesmo tempo particular. Valeu mesmo!
Sobre Jesus, minha visão equipara-se com a visão primitiva dos pais da Igreja. Para eles (e para mim também) sua principal missão e objetivo não era (em primeira instância) trazer um bom exemplo a ser seguido (embora isso também esteja embutido na missão dele). Tendo em vista sua concepção sem pecado e, além disso, ele e Deus serem um só, a missão principal era expiar os pecados da humanidade para que todo aqueles que acreditassem nesse sacrifício não perecessem, mas tivessem a vida eterna. Ele precisava morrer (tal qual um cordeiro em sacrifício do antigo testamento) para que dali para frente nós fossemos novamente transformados em nossa natureza para um estado novamente digno de nos religarmos à Deus. Ninguém estaria habilitado no Mundo a carregar esse fardo porque todos nascemos já com a mancha do pecado.
Bem... Essa é minha visão (rs rs rs) e é assim que acredito. Mas entendo que muitos o vêem mesmo como um grande e bom exemplo que veio para nos mostrar que é possível transcender por nossas próprias forças essa nossa natureza caída. Eu particularmente não acredito nisso, ou seja, que temos esse poder em nós mesmos, que conseguimos transcender nossa natureza caída por nossos próprios esforços. Acredito que precisamos desta crença em seu sacrifício para que então possamos ser restaurados. Mas respeito muito quem o vê apenas como um homem bom e um bom exemplo. Como disse acima, eu O enxergo como algo e alguém muito maior que isso. Um verdadeiro advento, pois ele seria Deus vindo à Terra para lutar e vencer com nossas regras para nos salvar.
Bem... É isso!! Agradeço muito sua presença sempre constante!! Valeu mesmo!!!
Gde. Abc.
Marcelo
"Resolver tudo pelo poder divino talvez até desse mais bilheteria ao filme"
ResponderExcluirE resolver tudo pelo poder divino foi tudo o que Cristo não fez em sua passagem entre nós. Ele precisou nascer e morrer como homem.
Sou fã de Martin Scorsese. Mas seu filme, para mim, é uma grande porcaria.
Bela postagem, Marcelo.
Olá grande amigo Kleiton!! Saudade da sua presença por aqui!!
ExcluirMuito bom ver seu comentário!
Concordo plenamente. Há muita pirotecnia na instituição Igreja hoje. Esqueceram-se do Mundo Real e criaram um pacote midiático para chamarem clientes (fiéis). O problema é que esse show serve apenas para os finais de semana e para os momentos de maior emoção criados por bandas e efeitos especiais. No dia a dia, no chão duro da fábrica da vida, só mesmo olharmos para o fato de que a "chave" está no interior, no secreto e no relacionamento com ele. O fiéis modernos viciaram-se em um modelo divino e pirotécnico.
Nesse sentido este filme resgata esse secreto a que me refiro.
Valeu amigo!!
Marcelo
Lindo texto cara.
ResponderExcluirParabéns.
Opa!!
ExcluirMuito obrigado amigo!!
Valeu mesmo!! Para mim é uma honra ler esse seu comentário!!
Gde. Abc.!!
Marcelo