Os últimos anos têm sido incrivelmente fantásticos para a literatura de ficção científica no Brasil. Talvez o principal motivo seja o relançamento de clássicos com acabamento primoroso além, é claro, de um profundo senso de oportunidade da Editora Aleph (responsável por esses lançamentos). Alguns desses foram discutidos aqui no Blog em função da série de matérias que fiz sobre a A Saga da Fundação de Isaac Asimov. No último semestre de 2014 a Aleph voltou a me surpreender ao lançar Um Cântico para Leibowitz, clássico da literatura distópica lançado em 1960 do autor Walter M. Miller Jr.. Publicado em uma época em que o grande "Fantasma" da humanidade era o Holocausto Nuclear, Um Cântico para Leibowitz ainda permanece atual por trazer nas entrelinhas da obra uma discussão sobre os constituintes da alma humana que praticamente não se alteraram ao longo dos séculos de existência da nossa espécie sobre o planeta, sem contar que o Fantasma Atômico continua totalmente plausível ainda em nossos dias. A presente resenha visa garantir uma visão geral do livro bem como minhas impressões sobre ele preservando, no entanto o leitor do Blog de "spoilers, ou seja, você NÃO encontrará "Spoilers".
O livro de W.M. Miller Jr. possui um contexto que já é explicitado na própria contra-capa da edição da Aleph. Após uma hecatombe nuclear a humanidade mergulha novamente em uma Era das Trevas, onde a ciência e seus agentes (governos, universidades, intelectuais) receberam toda a culpa por terem manipulado o Fogo de Satanás. Assim, sucede-se a Era da Simplificação, um tempo em que todos os registros, livros ou material científico é queimado ou destruído. Nesse contexto de trevas do pensamento humano, a Igreja Católica volta a florescer, catalisando os medos e as inseguranças do homem. Assim, um homem de sobrenome Leibowitz se tornaria beato e alvo de adoração pela ordem dos Irmãos Leibowitz, que passaram a adotar o Modus Operandi de seu mártir, ou seja, preservar material científico (ainda que incompressível para eles) da destruição. Após Seis Séculos de obscurantismo a ordem se firma no deserto americano em sua precária abadia. Os EUA já não existiam como o conhecemos, mas tornara-se em um sistema de feudos com seus respectivos Senhores da Guerra. Um cenário dentro do qual a Igreja se equilibrava.
Divisão Territorial à Época de "Um Cântico para Leibowitz" |
O livro se inicia nesse ponto, contando a história do Irmão Francis Gerard de Utah, um noviço que tem um inesperado encontro com um estranho peregrino durante suas vigílias da Quaresma no deserto já no início do livro. A partir daí a história se desenrola e W.M. Miller Jr. constrói um painel onde a humanidade saiu dos trilhos e, inicialmente, ainda vive totalmente alheia ao florescimento tecnológico do passado. Já que os incríveis feitos humanos se perderam nas névoas do passado, sendo no máximo lendas. Miller converteu-se ao catolicismo após sua participação na 2ª Guerra Mundial, e publicou sua mais conhecida obra Um Cântico para Leibowitz que chegou a ganhar o prêmio "Hugo" de melhor ficção científica em 1961. Sua convicção católica aparece constantemente no livro, que traz explicações para os antigos rituais católicos romanos presentes entre nós. Isso também é uma atração à parte no livro. Na edição da Aleph encontramos, inclusive, um glossário ao final em que podemos compreender tais ritos.
A despeito da convicção de Miller Jr, sua história se encerra tragicamente em 9 de janeiro de 1996 com seu suicídio após a morte de sua esposa, um ano ano antes da publicação de um segundo livro sobre seu universo distópico: Saint Leibowitz and the Wild Horse Woman. Em Um Cântico para Leibowitz o leitor terá surpresas com o andamento da história, que cobre uma ampla margem de tempo, permitindo a construção de um panorama geral a respeito da índole humana e seu comportamento ao longo das Eras. Embora a história cubra cerca de 1800 anos (informação também presente na contra-capa do livro) a identidade de um personagem em específico será alvo contínuo de especulação para o leitor. Algo que daria um ótimo debate em um clube de leitores, no qual eu defenderia enfaticamente uma determinada identidade específica.
Talvez o grande questionamento de Miller Jr. seja o quão inexorável sejam nossos caminhos, aspirações e fraquezas, corroborando as reflexões de Ernest Becker em seu livro "A Negação da Morte" de 1973, em que nos é atribuído a alcunha de "Deus-Verme". A inescababilidade de nossas fraquezas e virtudes é, portanto (em minha opinião) um dos pontos centrais de Um Cântico para Leibowitz. O relançamento do livro pela Aleph é relevante sobretudo em tempos em que a ficção distópica vem aparecendo cada vez mais em livros e filmes à serviço de romances adolescentes rasos e desprovidos de questionamentos mais importantes, ou seja, diversão simples e descartável.
Por isso, Um Cântico para Leibowitz traz um frescor aos leitores que gostam da ficção distópica como ferramenta para discussões relevantes e contemporâneas sobre o destino da humanidade, nossa índole, virtudes e pecados. E não como veículo para introdução de atores, atrizes e escritores. Convido o leitor a ler o livro desprovido da visão "enlatada" vigente atualmente, permitindo assim formular questões por trás da história de W.M. Miller Jr.
Por isso, Um Cântico para Leibowitz traz um frescor aos leitores que gostam da ficção distópica como ferramenta para discussões relevantes e contemporâneas sobre o destino da humanidade, nossa índole, virtudes e pecados. E não como veículo para introdução de atores, atrizes e escritores. Convido o leitor a ler o livro desprovido da visão "enlatada" vigente atualmente, permitindo assim formular questões por trás da história de W.M. Miller Jr.
Um grande abraço à todos!
Eu estou profundamente apaixonada pelas obras que a Aleph está lançando no Brasil. É INCRÍVEL ver toda essa movimentação em torno dos livros, ver a galera lendo eles, DISCUTINDO, formando opiniões, descontruindo preconceitos, formando novas ideias e conhecendo coisas novas e antigas e tudo o mais. :)
ResponderExcluirEu comecei a ler algumas páginas desse livro. Provavelmente vou intercalar com outro aqui que estou lendo, mas tenho certeza que vou adorar. Ótimo post, aliás, não conhecia seu blog. ;)
Abração!
Raquel Moritz
www.pipocamusical.com.br
Olá Raquel...
ExcluirQue legal receber sua visita aqui. Seja bem vinda e espero que retorne muitas vezes!!
Realmente a Aleph tem ajudado no ressurgimento de um novo movimento na direção da Ficção Científica de qualidade. O investimento em títulos e autores famosos que há muito haviam saído do mercado editorial brasileiro tem sido uma grande sacada da Aleph. Ademais, histórias de qualidade nunca se tornam anacrônicas ou ultrapassadas.
Ver um grande número de pessoas ao redor desses livros é muito legal mesmo. São livros que, na maioria, mostram algo mais do que uma simples delírio criativo, mas expõem medos e anseios profundos da espécie humana. Percebo muito isso nos livros do Asimov.
Agradeço novamente sua visita Raquel e faço votos que retorne muitas vezes. Quando terminar de ler Um Cântico para Leibowitz traga suas impressões. Ok?
Não conhecia seu "Site". Já dei uma espiada lá e parece excelente!
Vou coloca-lo dentre os minhas sugestões na barra lateral.
Grande Abraço!
Marcelo.
Olá Fabiano...
ResponderExcluirPois é... A definição precisa de quem é o culpado pelo aquecimento e pela mudança climática ainda é debatida. Embora, em minha opinião a humanidade tenha grande parte da culpa.
Porém, depois de tantos debates e brigas sobre o tema entre a ciência séria e os gestores e defensores do petróleo como fonte de energia, penso que não adianta muito saber de quem é a culpa, mas sim sabermos a resposta de um milhão de dólares: "Como sobreviveremos à ela!?".
A aceleração de eventos programados para o final desta década já se faz sentir agora. Uma vez que 2014 foi o ano mais quente da história. Ainda que tudo isso seja um ciclo natural do Planeta, se ele continuar teremos problemas. Assim, fico imaginando o que os governos estão pensando a respeito. Na distopia de Walter M. Miller Jr. o holocausto atômico poderia muito bem ser substituído pela a hecatombe climática. E a pergunta que fica é, independente da culpa, o que faremos a respeito (?). Pois percebo cada vez mais que as possíveis soluções dependem de vontade política em primeira instância.
Valeu pelos comentários Fabiano!!!
Abc.
Marcelo.
Opa! Valeu Fabiano...
ResponderExcluirObrigado pela lembrança!!
Vou dar uma olhada!
Grande abraço!!
E ai Marcelo, tudo bem? Passei pra informar que citei seu blog no meu http://botecodeoa.blogspot.com.br/ sobre a coleção de miniaturas DC e Marvel (aliás, faz um tempinho que você não as posta né? hehe)
ResponderExcluirAbraço.
Olá Felipe!!
ExcluirValeu amigo!!
Dei uma olhada no post. Ficou muito bom! Parabéns!!
Pode deixar que já tem matéria no forno de uma próxima personagem da DC.
Um grande abraço!!
Marcelo.