"O quanto nossas memórias de infância influenciam nossa vida adulta?". Embora essa seja a pergunta-chave presente no livro de Neil Gaiman (O Oceano no Fim do Caminho), eu perguntaria mais: "O quanto nossos medos e fantasias de infância realmente foram fruto de nossa imaginação infantil? O quanto delas teriam sido reais?". Talvez cresçamos e percamos uma capacidade única presente em nossos primeiros anos de vida que nos permite perscrutar outros mundos, outras realidades e, quem sabe, nos permite viver e sentir mais intensamente o tecido da realidade. Talvez adultos apenas deixam de ousar, de imaginar e de sonhar...
Recentemente terminei de ler O Oceano no Fim do Caminho. Um livro de cheiros, sons, imagens e explicações para nossas incríveis sensações de infância. Um livro que me permitiu retornar à fazenda na qual fui criado e lembrar da trilhas que haviam lá, e que pareciam não levar exatamente para onde os adultos insistiam que iam. Das árvores que juntas pareciam discutir, em uma língua antiga, coisas além da compreensão e, embora os adultos dissessem que formavam apenas um bosque, eu sabia que havia algo mais nelas. De prados e recantos que por segundos eu conseguia afirmar com toda certeza que havia mais alguém ali. Alguma coisa antiga e sábia que eu aprendi simplesmente a admirar. Ao crescermos e, sobretudo, no modernizarmos fomos perdendo uma habilidade que os antigos cultivavam, fomos perdendo as ferramentas que nos permitiam, por segundos, ouvirmos e sentirmos a criação.
Neil Gaiman conta com habilidade uma história narrada pelos olhos de um menino de sete anos que vive uma experiência incrível e assustadora ao entrar em contato com forças que a humanidade simplesmente desconsidera em dias atuais, mas que na verdade continuam à nossa volta. Quando nos aquietamos e nos deixamos ouvir os sons do vento, da grama farfalhando, das folhas das árvores sendo despenteadas e nos sentimos em silêncio, é possível perceber que tudo pulsa, que tudo ainda está ali. E que habitamos um mundo mediante apenas uma concessão temporária. Experiências assim na natureza nos permite por alguns segundos usar algumas "antenas" em nosso interior. "Antenas" que foram danificadas por nossa arrogância e orgulho, mas que podem ser acionadas por pequenos segundos e nos permitem perceber a presença da criação.
Aos olhos de um menino de sete anos, Neil Gaiman nos faz conhecer as três mulheres que habitavam a antiga Fazenda Hempstock. Ali começaria a grande amizade entre o menino e a filha mais nova da Sra. Hempstock, Lettie.
O pequeno menino sabia que havia algo muito diferente com elas e não pôde deixar de participar de acontecimentos que acabaria por carregar para sempre em seu subconsciente pois, seria demais pedir que sua mente adulta acreditasse que fora verdade.
Lettie Hempstock provaria ser uma boa amiga, talvez a melhor que o pequeno menino já teve. O ponto central dos acontecimentos sempre foi o Lago nos fundos da Fazenda das Hempstock, que Lettie sempre teimara em afirmar que não era um Lago, mas sim um Oceano. O pequeno garoto achou tudo muito engraçado, mas realmente sentia que algo era realmente diferente ali.
Passar pela infância não é algo fácil... Talvez toda idade carregue mesmo suas dificuldades. Mas na história de Neil Gaiman, Lettie Hempstock ajuda o pequeno, tímido e introvertido menino a conhecer mais a respeito da natureza das coisas. Para ele era um conforto estar com ela, já que não conseguia demonstrar as características que seu pai gostaria de ver nele, o amor pelos esportes, a impetuosidade e coragem da maioria dos meninos. Ao contrário disso, o pequeno George sempre fora dado à livros, ao silêncio e aos programas de TV.
Adultos geralmente fazem sempre os mesmos caminhos. Em geral não ousam, não se aventuram. Na infância, no entanto carregamos algo que nos faz explorar, tomar atalhos, modificarmos por exemplo o caminho da escola para vermos o que tem depois, irmos um pouco mais além. Embora tímido o pequeno menino fez isso ao aceitar o convite da pequena Lettie que tinha onze anos de idade, mas George sabia que talvez ela tivesse onze anos de idade há muito, muito tempo.
Neil Gaiman |
O Oceano no Fim do Caminho é uma Fábula através da qual Neil Gaiman nos lembra que tudo continua lá... É só você ligar suas "Antenas" para sentir novamente a presença de algo estranho, antigo, mas maravilhoso à sua volta.
"que tudo ainda está ali"
ResponderExcluirÀs vezes, me lembro de fazer isso.
Parece um bom livro. Conheço bem o trabalho de Gaiman em HQs. Mas nada em prosa!
Abraços,
Oi Kleiton...
ExcluirTudo bem!? Espero que sim...
Havia lido uma coletânea de contos editada por Gaiman sobre o Universo de Sandman (O Livro dos Sonhos), bem como um livro intitulado "Belas Maldições". Gostei do estilo de escrita dele.
Realmente um bom livro.
Abcs!
Marcelo.
Um belo livro pelo que vc está narrando, mas acontece isso mesmo, quando nos tornamos adultos, deixamos de curtir as pequenas coisas que na nossa infância sabemos tanto apreciar e sem medo de ser taxado de ridículo ou infantil. Mas tem um momento que voltamos a nossa fase de criança sem medo desses estereótipos, quando também temos os nossos filhos e aprendemos com eles a curtir uma boa chuva de novo, a ver bichos em nuvens, a sentir a brisa ou o cheiro da chuva e curtir e mostrar a seu filho (a) que o mundo deles é encantador e não temos que ter pressa de sair de lá. A minha filha mais nova tem nove anos e tenho procurado mostrar a ela e ela a mim, como é bom vivenciar as coisas boas da vida. Parabéns Marcelo uma bela resenha. Abraços.
ResponderExcluirOi Marcílio! Tudo bem!?
ExcluirPuxa... Pelo seu comentário percebo que vc entende mesmo do que tratei na matéria. Que oportunidade ímpar essa sua de retornar a esse mundo com sua filha. Parabéns mesmo por perceber isso à tempo. Não é difícil de encontrar pessoas que se dão conta do que perderam quando já é tarde demais, ou seja, quando já se encontram sem ter muito com quem compartilhar esses sentimentos, ou quando já não possuem tempo hábil de vida para mudar.
Fiquei bem contente em saber dessa tua experiência. Não é à toa que dizem que a paternidade faz muito bem!!
Abcs!!
Marcelo.
Acho que ainda continuo criança nesse aspecto
ResponderExcluirNunca deixei de acreditar além do arco íris.
Com certeza irei amar ler esse livro.
Quando menina eu tinha longas conversas com um anjo
Que só eu via... E ele me ensinava coisas que
me fizeram ser o que sou.
Hoje mesmo que esteja adulta olho para trás
E custo a acreditar que eu tenha sido um sonho
Ou imaginação 😊 Aquilo lá parecia tão real.
Não li ainda esse livro mas pela resenha
me vi um pouco dentro dele sendo o menino 😊
Lindo texto Marcelo🎵🙏🏻
Olá Maria Fernanda...
ExcluirQue bom ver seu comentário aqui de novo!!
Espero que leia e depois traga aqui seu parecer. Você tem razão, a mágica está ao nosso redor. É só desenvolvermos nossas ferramentas adormecidas capazes de captar tais mensagens.
Valeu mesmo!!
Abcs!!
Marcelo
Que tenha sido um sonho
ResponderExcluirSim... Entendi!
ExcluirBj!
Marcelo