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quarta-feira, 7 de agosto de 2019

Senhor Milagre de Tom King



Tom King, roteirista de quadrinhos, ex-agente da C.I.A. e um dos nomes mais falados ao lado de Jeff Lemire, surpreendeu o mercado inicialmente com seu trabalho na HQ autoral Xerife da Babilônia (que particularmente não li). Seu nome entrou para o radar de muitos aqui no Brasil, sobretudo a partir do lançamento de sua série envolvendo o Sintozóide Visão (Visão Vol. 01 - Pouco Pior que um Homem e Visão Vol. 02 - Eu também Serei Salvo pelo Amor), esta sim que li e achei muito, mas muito acima da média em qualidade. Por conta disso, seu trabalho envolvendo o personagem Senhor Milagre vinha sendo aguardado por toda uma legião de fãs. King tem uma abordagem muito voltada para questões filosóficas e existenciais, utilizando-se dos personagens como veículos de suas reflexões, sem deixar de lado (obviamente) o universo no qual o super-herói está inserido. Desta forma já sabíamos que seu trabalho envolvendo o Sr. Milagre teria esta perspectiva. Apesar de eu já saber desta característica marcante do trabalho do autor, fiquei surpreso em Sr. Milagre com a densidade dramática e com os aspectos profundamente depressivos envolvendo a narrativa. Vamos então conhecer um pouco (sem spoilers) deste último trabalho de Tom King aqui no Brasil.


Escrever um arco de histórias envolvendo personagens do 4º Mundo é um desafio para qualquer roteirista. O 4º Mundo foi uma Saga criada pelo Rei Jack Kirby durante sua passagem pela Editora DC nos anos 70. Kirby concebeu uma mitologia completa envolvendo dois Mundos irmãos: Nova Gênese e Apokolips, lar do Pai Celestial e Darkseid, respectivamente. Mundos irmãos, porém antagônicos. O Senhor Milagre ou Scott Free (seu nome verdadeiro), é filho do Pai Celestial (Regente de Nova Gênese), e foi objeto de uma troca ainda bebê para selar um tratado de paz entre os dois mundos. Enquanto Scott Free foi enviado para ser criado pelo cruel Darkseid, o Pai Celestial de Nova Gênese recebeu como seu próprio filho Órion, filho do déspota Darkseid. Um acordo absolutamente cruel e impensável, mas que foi feito. A Saga do 4º Mundo ou dos Novos Deuses (como também é chamada) é uma obra-prima e introduziu personagens extremamente interessantes e críveis. Uma verdadeira Space Opera quadrinística que finalmente chegará ao Brasil em breve pela Editora Panini dentro da série Lendas do Universo DC (fique atento). Fica claro, portanto a responsabilidade de Tom King ao assumir um arco como esse.


Para mim ficou muito claro que muitas reflexões feitas pelo personagem Sr. Milagre/Scott Free ao longo do arco, são reflexões do próprio autor Tom King. Há um profundo sentimento de depressão e melancolia que permeia a obra. King mistura o cotidiano do Senhor Milagre, casado com a Grande Barda, e vivendo em Los Angeles, com a insanidade da Guerra novamente declarada entre Nova Gênese e Apokolips, e que ele tem que assumir e até liderar. Um sentimento profundo fica patente nas falas do personagem principal, a ideia de que tudo a sua volta não faz o menor sentido em função de que a maior questão de sua vida sempre esteve em suspenso, ou seja: Quem ele é? Como seu pai teve coragem de troca-lo? Qual o sentido de tudo que nos rodeia frente ao absoluto e total caos no qual o mundo atualmente vive, com a superficialidade de suas redes sociais, notícias e pessoas FAKES? Na ausência de respostas para estas perguntas o que Scott Free faz é simplesmente deixar-se levar pela loucura das situações sem sentido.


Um acontecimento marcante envolvendo o herói já nas primeiras páginas do 1º volume já resume bem o que eu disse acima. O leitor mais atento perceberá que toda essa falta de rumo e de direcionamento é algo, muito provavelmente, experimentado pelo próprio autor. Isso porque seria muito difícil conduzir essa história mantendo esse tom contínuo de desconexão com a própria identidade sem um mínimo de experiência própria. Como informado no início da matéria, Tom King foi agente da C.I.A., e possivelmente teve acesso em menor ou maior grau a decisões que, possivelmente o fizeram desconectar-se de si mesmo, ou descrer do status quo. No arco envolvendo o Visão já ficava claro essa busca filosófica do autor. De qualquer forma, para além desta abordagem, Senhor Milagre de Tom King aprofunda-se muito bem na Mitologia criada por Jack Kirby. Aparecem o amigo Oberon, além de Órion, Vovó Bondade, Desaad, Kalibak, as Fúrias, Metron... ou seja, o leitor não ficará com a ideia de uma história escrita por um novato ou desinformado sobre os Novos Deuses. No entanto, aqui vai um questionamento que faço e que gostaria muito de ouvir a opinião de quem já leu: Como fica os eventos mostrados nesta série em relação à cronologia oficial? Digo isso porque as coisas que acontecem na história são simplesmente bombásticas! E se isso fizer parte da cronologia oficial, então simplesmente a "casa caiu" (!), pois como ficaríamos depois destes acontecimentos?


As respostas para essa minha pergunta estariam dentro de três possibilidades, são elas: 1) a história não faz parte da cronologia oficial, devendo ser considerada apenas um delírio criativo de King; 2) a história seria algo irreal, ou seja, construído pela mente angustiada e melancólica de Scott Free; 3) a terceira e última hipótese (e que eu acho mais plausível) prefiro não comentar aqui para não gerar spoiler. Vou deixar esta última hipótese para conversar com quem quiser nos comentários abaixo. Assim, se você ainda não leu a história, é só ler e depois voltar aqui nos comentários da matéria para debatermos. Há inúmeras referências e metáforas espalhadas pela história, e só isso já daria debates interessantes acerca do que cada um deles significa. Por exemplo, de tempos em tempos há distorções nos desenhos, como se fossem uma interferência. Isso pode ser visto na 2ª imagem desta matéria. Se você observar direitinho perceberá que há uma parte dela que está distorcida e em descompasso com o restante. Esse efeito é constante ao longo da história e em minha opinião significa algo que validaria minha 3ª hipótese (que explicarei nos comentários abaixo para quem quiser).


A arte ficou ao cargo de Mitch Gerads, desenhista estadunidense de 37 anos. O tipo de arte de Gerads à princípio não me agradaria, mas surpreendentemente o desenhista me fisgou ao introduzir um elemento emocional extremamente forte nos desenhos, trazendo alma e profundidade às imagens (vide acima). Algo muito importante em uma HQ na qual há silêncios e movimentos sutis dos personagens, coisas que o leitor deve prestar muita atenção para experimentar toda dimensão da história. Isso fez com que o trabalho de Gerads entrasse para meu radar de leitor a partir de agora. Não posso de deixar de mencionar a semelhança do traço de Gerads com o de outro desenhista imortal, Bill Sienkiewicz.


Bem amigos... Gostaria muito de saber a opinião de você sobre esta história, sobretudo em relação a interpretação dos fatos nela ocorridos e suas implicações cronológicas e mitológicas para os Novos Deuses. Tenho minhas hipóteses. Quais são as suas?

Forte abraço!

13 comentários:

  1. Olá, Marcelo. Quanto à cronologia da DC a partir de Novos 52, não sei se já ganhou mais substância. Uma hora falam de um monte de Robins, depois o Tim nunca foi um, o Super é substituído, e agora parece que sempre foi o mesmo, quando os Titãs voltaram, havia um personagem novo, meio selvagem, e agora nem se fala nele, a Donna Troy, quando voltou nas páginas da Mulher Maravilha tinha uma origem sombria, que nunca vi ser explorada nos Titãs, o Darkseid já morreu antes, na guerra com o Antimonitor, e o Lex Luthor ficou no lugar, e depois na saga Mal Eterno aparece uma criança Darkseid não sei de ontem (que saudade das notas do editor no rodapé), sem falar de um monte de itens poderosíssimos que apareceram como se fosse um Deus ex Machina. Assumindo que Darkside tinha morrido mesmo e deu um jeito de reviver mas aparentemente morreu de novo agora, acredito que voltará de novo na próxima megassaga. Mas algo me diz que há um truque. Qual é a sua terceira hipótese?

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    1. Olá amigo Moura!

      Puxa... Excelente retrospectiva das inconsistências da DC! Ao ler seu comentário realmente temos a noção de que planejamentos e estratégias são abandonadas pela editora ao longo do tempo. Muito provavelmente por motivos comerciais eu acho, infelizmente. O que não dá tempo para as ideias se provarem válidas.

      Minha 3ª Hipótese sobre o Senhor Milagre do Tom King é que o personagem morre logo no início da história em sua tentativa de suicídio. Meus argumentos sobre essa ideia é que no volume 2 a Vovó Bondade fala com ele por meio do espelho e diz ao Scott Free que ele deveria voltar. O próprio Metron também diz isso, concluindo que ele já provou aquilo que queria provar naquele local. Isso explicaria também as distorções das imagens ao longo da histórias. Como se a realidade ali fosse frágil e irreal. Desta forma a morte de Darkseid, e todos os acontecimentos da história teriam se passado nesse "Purgatório" onde ele estaria expurgando seus fantasmas e demônios.

      O que acha, Moura? Para mim pareceu bem plausível esta hipótese, ou seja, quem morreu não foi Órion, a vovó Bondade ou Darkseid, mas sim o Senhor Milagre. O que acha?

      Abcs!

      Marcelo

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  2. Olá, Marcelo,
    Lá pelo final da série eu estava embarcando nessa teoria, e já esperava ele acordar de um coma ou algo assim e descobrir que quase tudo que se passou não havia sido real, ou descobrisse que estava sob a influência do Dr. Bedlam, como era insinuado de vez em quando, ou mesmo pela Equação Antivida, e conseguisse se libertar, mas ao final o que pareceu foi que ele redescobriu um sentido para a vida e que suas aventuras iriam continuar, o que tornaria meio chato prolongar por mais tempo e só lá na frente revelar isso, algo como o final fake de caverna do Dragão, ou pior, o final de Lost. O fato é que muita coisa não é o que parece. Confesso que me afeiçoei ao Jake. Queria que pelo menos ele continuasse real.
    Outra coisa tocante foram as homenagens ao Jack Kirby, como bem pontuou o pessoal do Pipoca & Nanquim, no video que fizeram sobre a obra.

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    1. Bom Dia Moura...

      Acredito que este entendimento possa ser correto sim. Fico pensando, no entanto sobre a morte da Vovó Bondade e do Darkseid e até mesmo do Órion. Seria uma decisão ousada para acontecer desta forma tão sutil. Acredito que a DC teria capitaneado e capitalizado mais em cima de um evento como esse que mexesse com bases tão sólidas de seu Universo. Isso me fez pensar que eles não iriam deixar matar o DarkSide desta forma tão discreta fora de um megaevento.


      O Jake é realmente fantástico. Ele se faz presente em sua simplicidade de nenê. A cena que ele interage com o Darkseid é hilária.


      Você tem razão ao levantar a questão que simplesmente dizer que o Sr. Milagre estaria morto ao final da HQ seria um total anti-climáx e uma saída já bem manjada. Achei até que a intenção do King seria essa mas no final ficou com medo de deixar explícito isso e cair na mesmice. Por isso teria deixado "no ar" e sem muita explicação.

      Tenho curiosidade de saber se houve alguma continuação da história por outro roteirista e, se sim, como ele lidou com o que aconteceu nesse arco.

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Boa matéria! Senhor Milagre de Tom King é excelente. Eu não quero falar muito pq eu acho que nunca irei compreender totalmente o que é essa história e acho que ninguem fará isso tb. Essas suas 3 hipoteses do final e do que ocorreu, uma delas pode ser verdade, ou nenhuma.

    Ao que me parece isso só sera solucionado em uma continuação (que dizem que será feito). Senão for feito, acho que essa será uma daquelas obras onde o leitor vai decidir com base em suas mente, o que ele acreditou que seria o final e o sentido. Vai da visão de cada leitor.

    Se os personagens que aparentemente morreram voltarem a aparecer no universo DC, vai realmente ficar a pergunta: Essa historia é fechada em seu proprio espaço, na propria vida do Senhor Milagre? Ou faz parte da cronologia total da DC? Só o tempo dirá.

    Essa foi uma das melhores leituras que fiz nos ultimos anos. É muito significado, coisas pra pensar, lições. Eu vi o tempo todo o existencialismo de Nietzsche, misturado ao de Camus e Sartre. É uma obra que diz algo pra cada um que lê.

    Espero que tenha uma continuação. E senão tiver, que cada um de nós a traduza como quiser ou como entender.

    Talvez a última obra antes dessa que li e me disse tantas coisas foi o Homem Animal do Grant Morrison.

    Senhor Milagre do Tom King é excelente e faz um ótimo tributo ao 4 Mundo e a Jack Kirby. E que venha agora o 4 Mundo de Jack Kirby.

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    1. Olá Camus!

      Obrigado pelo comentário e visita aqui ao Blog. Fico contente que tenha gostado da matéria.

      Esta obra de Tom King realmente pode ser comparada à um quadro de arte abstrata, ou seja, cada um poderá ver aquilo que talvez reflita seu interior. Como temos experiências, emoções e temperamentos distintos, tudo ganha um significado diferente dependendo do olhar.

      Se os os personagens que morreram voltarem aí realmente é o que você coloca, teremos a certeza de que tudo que ocorreu foi algo a parte ou dentro da mente do Sr Milagre.

      "Eu vi o tempo todo o existencialismo de Nietzsche, misturado ao de Camus e Sartre." - Tem toda razão... e ainda teríamos outros representados viu amigo. Isso mostra o quanto King tem de bagagem filosófica.

      O HOMEM ANIMAL do Grant Morrison tem muitos paralelos mesmo com esta obra do King. Nâo tinha pensando nisso, mas agora percebo que tem sim. Todo questionamento feito pelo Homem Animal aparece aqui novamente, inclusive a questão maior a respeito do CRIADOR.

      Para mim esse lançamento do Tom King no Brasil não poderia ter vindo em hora melhor, pois está funcionando para muitos como um "ESQUENTA" para a vindoura OBRA do 4º Mundo pela PANINI. Lançamento este que estou mega ansioso. Algo que esperávamos há décadas.

      Que venha o 4º MUNDO!!

      Abcs!

      Marcelo

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  5. Sim, teremos uma continuação. Palavras do King:
    “Finalmente, finalmente começando as continuações de Senhor Milagre e Visão. Mais uma vez, minisséries de 12 edições com muita ambição. Estou assustado, mas cara, estou me divertindo”

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    1. Olha só Moura! QUe boa notícia! Completando inclusive o que estávamos conversando acima.

      Teremos portanto algumas respostas para as dúvidas deixadas nesta primeira obra. Espero que o King consiga manter este nível.

      Forte abraço!

      Marcelo

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  6. Ainda não tinha lido a sinopse da nova mega saga "DCased": "Um mundo em que Darkseid corrompeu a equação antivida e causou a sua própria morte, gerando um vírus que está matando todos no mundo".
    Esse Darkseid daqui a pouco vai atingir a marca da Tia May e da Fênix!

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    1. kkkkkkk... Verdade Moura...

      Aliás um roteiro um pouco simplista... rs rs. Mas vamos esperar. Dependendo de quem escreva fica bom. É como o Alan Moore diz: Não existem personagens, mas sim escritores ruins.

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  8. Boa matéria. Interessante as interpretações.

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