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sexta-feira, 16 de novembro de 2018

Fátima - Milagre ou Construção?


Em Julho de 2018 visitei Portugal e não pude deixar de ir à cidade de Fátima e à aldeia de Aljustrel. Conhecido ao redor do Mundo, o Santuário de Fátima possui forte apelo no imaginário coletivo de católicos, estudiosos e pessoas em geral. Minha ida ao Santuário foi motivada por um misto de curiosidade (já que em minha infância eu ouvia muito sobre as aparições de Nossa Senhora no local) e vontade de proporcionar à minha mãe esta viagem e experiência única. Sou cristão, mas minhas raízes católicas ficaram para trás há 3 décadas. Tudo teria sido mais uma experiência turística para mim não fosse uma sensação que me acometeu quando iniciei minha visita pelo Santuário. Confesso que, apesar de já ter se passado alguns meses da visita, ainda não consigo definir o que senti durante a manhã e início da tarde que passei ali. Um misto de uma grande vontade de ficar em silêncio associado à uma sensação profunda de contato com algo diferente, que transcendia meu entendimento. Ao voltar para meu hotel em Lisboa tive muita dificuldade para dormir naquela noite, assolado por uma sensação de "presença". Ainda naquele quarto de hotel decidi que precisava saber o que tinha acontecido de fato em Fátima em 1917. No entanto, queria ler algo que não fosse contaminado por seus detratores ou defensores. Queria um relato destituído dos vieses dos dois lados.

Basília do Santuário de Fátima

Em minha busca (ainda no quarto de hotel) deparei-me com o livro "Fátima: Milagre ou Construção?" da Jornalista Portuguesa Patrícia Carvalho. Comprei-o-o e não via a hora de retornar ao Brasil para lê-lo. Concluída a leitura do livro posso dizer que consigo responder a pergunta do título: "MILAGRE ou CONSTRUÇÃO?". Para mim fica a seguinte resposta: "As duas coisas". Algo sobrenatural realmente parece ter acontecido com os três pequenos pastorinhos (Lúcia dos Santos e os irmãos Jacinta e Francisco Marto), todos abaixo dos 10 anos de idade no dia 13 de Maio de 1917 na região da Cova da Iria. Local que os pequenos usavam para apascentar as ovelhas pertencentes à família de Lúcia. O avistamento relatado por Lúcia em 13 de Maio se repetiria ao longo dos cinco meses seguintes daquele ano, sempre nos dias 13 de cada mês, sendo 13 de Outubro de 1917 a data da última aparição. Portugal vivia à época uma ferrenha perseguição à Igreja Católica fruto de uma Governo Republicano que queria romper definitivamente com dogmas religiosos que, em sua concepção, atrasava o desenvolvimento do país. Missas em lugares públicos e até trajes religiosos (usados por padres e freiras) eram alvo do governo na época.

Da esquerda para direita: Lúcia, Francisco e Jacinta.

Embora o governo central de Lisboa ligasse a religiosidade ao atraso do povo, este por sua vez era pobre e entendia (instintivamente) sua religiosidade como uma forma de ser acolhido e ter esperança diante das agruras cotidianas. Este povo, portanto não entendia este conflito político-religioso que se instituía em plena aurora do novo século. Foi neste cenário, portanto que se deu as Aparições na Cova da Iria próximo à aldeia de Aljustrel. Um povoado pobre onde a maioria das pessoas não sabia ler, e as poucas mães alfabetizadas eram vistas como detentoras de grande sabedoria. A mãe de Lúcia, Maria Rosa, era uma destas mães que sabia ler e sempre lera para seus filhos os catecismos católicos todas as noites. Era, portanto do conhecimento de Lúcia (a principal vidente do trio, com 10 anos de idade em 1917) os relatos das aparições na cidade de Lourdes na França e de outros relatos de milagres que a mãe lia para ela e seus irmãos. Muitos detratores das Aparições de Fátima veriam nestas experiências domésticas de Lúcia, a fonte dos relatos da menina. Mas o que exatamente aconteceu com essas crianças?

Cova da Iria à Época das Aparições - Hoje Local do Santuário de Fátima

No dia 13 de maio de 1917 as 3 crianças estavam da Cova da Iria pastoreando o rebanho e, após terminarem de rezar o terço como de costume, começaram a brincar. Segundo o relato das 3 (mas principalmente de Lúcia) elas foram surpreendidas por um relâmpago acima de uma Azinheira (pequena árvore comum naquela região). Apesar do medo elas observaram um clarão acima da pequena árvore dentro do qual se podia divisar a figura de uma Menina. O relato inicial de Lúcia descreve que era uma menina por volta de seus 15 anos. Estava vestida com sapatinhos, meias, saia, blusa e um cinto com detalhes em ouro (algo que chamou muito a atenção de Lúcia). Lúcia conversou com a "Menina", travando uma conversa (descrita no Livro de Patrícia Carvalho), oscilando entre perguntas sobre sua identidade e o que ela queria. A Aparição não diria à Lúcia (em um primeiro momento) exatamente sua identidade ou mesmo seu desejo, limitando-se à informar que apareceria novamente dali há um mês naquele local. O relato dos pastorinhos aos pais rendeu uma ida à igreja onde eles repetiram tudo ao padre local, que por sua vez (e sabiamente) não emitiu julgamentos. Mantendo esta postura discreta ao longo de 1917 durante as outras aparições. A mãe de Lúcia seria uma das pessoas que mais a desencorajaria a continuar afirmando o que vira. Talvez com medo de estimular uma mentira da filha.


Seria imprudente de minha parte tentar reproduzir todos os diálogos relatados por Lúcia entre ela e a "Menina" (que logo passaria, ao longo dos meses, a ser chamada de "Senhora"). O fato é que apesar de toda discrição do padre local e das palavras contrárias da mãe, o relato de Lúcia ganhou vulto. Isso fez com que a cada 13 de maio ao longo de 1917 o número de pessoas afluindo à Cova da Iria só aumentasse. A imprensa Republicana passou a noticiar os relatos das Aparições condenando-os e explicando-os à luz da histeria coletiva e imaginação fértil e mirabolante de Lúcia. O fato é que mesmo esses artigos fizeram os relatos de Lúcia se expandirem. Foi neste cenário que uma importante figura chegou em Aljustrel, o Padre Manuel Nunes Formigão. Seria ele o responsável por tornar Fátima, ao lado do Bispo Dom José Correia da Silva, um local de adoração divulgando os relatos de Lúcia. Dom José percebeu o difícil momento em que a Igreja se encontrava em Portugal, e Fátima seria talvez a resposta que poderia ser dada ao Governo Laico que ora se impunha. A última Aparição se deu em 13 de outubro de 1917, quando a Senhora prometera realizar um grande milagre nesse dia. A população que afluiu à Cova da Iria nesse dia foi muito grande, e muitos dos presentes realmente relataram o que ficou conhecido como o "Milagre do Sol". Durante algum tempo muitos presenciaram movimentos aleatórios e mudanças de cores no Sol. Um fenômeno que emocionou à muitos no dia, muito embora alguns relatassem não terem conseguido visualizar tal fenômeno. A esta discrepância de relatos se diria que talvez fosse fruto de falta de fé de muitos.

Padre Manuel Nunes Formigão

Bispo Dom José Correia da Silva

E as crianças? O que aconteceu com elas? Jacinta e Francisco morreriam pouco depois do fim das Aparições vítimas de um surto de doenças pulmonares que acometeria Portugal. Lúcia, no entanto teria sua vida controlada pelo Bispo Dom José, que a afasta de Aljustrel e a coloca em um Convento. Não podemos dizer que isso foi contra a vontade de Lúcia, já que ela mesmo descreve em suas cartas sua anuência. Foi à pedido de Dom José que a vidente escreveria o que ficou conhecido como suas Memórias Parte 1, 2, 3 e 4. Nas quais uma Lúcia mais adulta refaz muitos de seus relatos inciais. Dando inclusive mais consistência ao que viria a ser conhecido como Segredos de Fátima. A imagem que conhecemos hoje da Senhora de Fátima foi concebida por um artesão local à pedido do Padre Formigão a partir de ajustes nos relatos inciais de Lúcia, daí as diferenças entre a imagem que conhecemos e os relatos iniciais da vidente sobre uma "Menina".

Jacinta (no colo) pouco antes de seu falecimento

O livro de Patrícia Carvalho traz vários depoimentos de pessoas que estiveram presentes nos dias 13 de cada mês durante as aparições. É interessante notar algumas coincidências entre estes relatos. Por exemplo a presença de um zumbido (como de abelhas) que acompanhava os momentos nos quais a Senhora falava com os Pastorinhos. Vale lembrar que durante as conversas com a Senhora, apenas os 3 viam a Aparição. Um outro aspecto coincidente nestes relatos de terceiros é a existência de uma aura de luz que circundava os 3 pequenos enquanto conversavam com a Senhora. Estes, entre outros aspectos retirados dos relatos de testemunhas oculares dos eventos daquela estranho ano de 1917 nos faz pensar que realmente algo aconteceu naquele local. Porém, não podemos negar que a Igreja também entendeu o potencial para a fé em tudo aquilo e a oportunidade de manutenção de sua existência em terras portuguesas.

Dom José e Lúcia anos depois, próximo à ordenação da vidente

A Igreja Católica reconheceria na década de 30 as Aparições como legítimas a partir de um relatório elaborado por uma comissão tendo o Padre Formigão à frente. Fátima já estava se tornando na época a "Lourdes Portuguesa". O livro de Patrícia Carvalho se encerra com algumas opiniões muito interessantes de estudiosos, leigos e religiosos acerca de Fátima. Um deles me chamou especial atenção. Nele um dos estudiosos diz que podemos considerar a existência de duas "Fátimas". Uma que advém dos relatos originais de uma pequena pastora que sustentou sua experiência mesmo diante de diversas pessoas que pediam para que ela a negasse. Esta seria a "Fátima Original", aquela que se ancora em testemunhos originais dos 3 pastores e de pessoas que estiveram presentes nos locais das Aparições. Há, no entanto uma segunda Fátima, uma que cresceu ancorada sobre relatos de uma Lúcia já adulta. Relatos estes que eram supervisionados diretamente pelo Bispo Dom José e se articulavam com o Mundo em plena transformação (2ª Guerra Mundial, surgimento da Rússia como potência militar...). É curioso notar que nestas memórias posteriores de Lúcia há uma íntima associação entre o que a "Senhora" disse em 1917 e os eventos Mundiais posteriores que, em 1917 nem tinham acontecido ainda. Daí a conclusão, da qual compartilho, de que há duas "Fátimas". Uma primeira, cheia de relatos interessantes, ingênuos e honestos, e uma segunda, já sob supervisão de Dom José e do Padre Formigão.

Jacinta, Lúcia e Francisco
Acontecimentos assim sempre escaparão ao entendimento completo, como sempre acontece ao que é sobrenatural. A ciência não pode trazer respostas cabais quando temos o elemento "fé" dentro da equação e, como é costumeiramente falado nas Missas católicas... Este é o Mistério da Fé.

Um comentário:

  1. Marcelo, parabéns pela resenha belíssima que fizestes sobre Fátima.
    A ocasião religiosa que nós estamos vivendo hoje é da maior importância. Porém, além disso, nos traz uma grande inquietação. Por que? Não sei se sou eu que percebo, ou se você já percebeu também que as igrejas nunca tiveram tão cheias de gente, nunca se falou tanto em Jesus, nunca se falou tanto em Deus como nestes tempos.
    Mas, em Fátima o que aconteceu de fato? Houveram vários argumentos para o que se deu nesse dia, e cada um com sua própria definição.
    Então busca-se muito o MILAGRE. Mas houve um milagre afinal, ou se tratou apenas de um fenômeno de efeito físico? Para mim milagre por significado é tudo aquilo para o que a gente não tem explicação. Ali na cova da iria existiu uma ligação Divina qualquer.
    O tempo deixa sua marca na história com seus fatos.
    E esta frase cai como uma luva “Há mais mistérios entre o céu e a Terra do que a vã filosofia dos homens possa imaginar.”
    Para mim houve o sobrenatural ali com certeza.

    Saudades daqui

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