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sábado, 4 de novembro de 2017

Distrito: Top 10 de Alan Moore


O que você esperaria de uma HQ que tivesse um cachorro falante e inteligente de verdade, e que todos os dias vestisse uma armadura ciborgue que o colocasse em posição vertical bípede (o Kemlo "Hiper-Cão" César)... Nesta mesma HQ você teria também seres humanos barrigudos e comuns, só que com super poderes... Misture as esses conceitos super-heróis com nomes do tipo "Rei Pavão", Pete "Peter Chocante" Cheney, Sinestesia Jackson, Duane "Demônio da Poeira"... Bem, você não daria um tostão furado por uma HQ assim, cheia de conceitos absurdos e até infantis, certo? Pois é... Eu também não daria 1 real por ela. Exceto por um pequeno detalhe que me chamou atenção quando comprei estas duas HQs (Top 10 - Contra o CrimeTop 10 - Assuntos Internos) da Editora Devir lançadas no Brasil em 2005 e 2006, respectivamente: este detalhe chama-se Alan Moore. E uma coisa eu digo, Top 10 é talvez uma das HQs mais inventivas que já li. Esta matéria tratará do universo de Top 10 e, como sempre, sem spoilers.


Eis a premissa: Na década de 40 diversos combatentes da liberdade (chamados de Heróis da Ciência) pipocaram em vários lugares para combaterem as Forças do Eixo. Bastava um garoto vestir um colant e realizar alguns feitos heroicos para começar a contaminar sua vizinhança com o "vírus" do heroísmo. Soma-se a isso o fato de alguns meteoritos ou acidentes radioativos terem conferido superpoderes à diversas pessoas. Isto posto, depois de algum tempo já tínhamos uma considerável febre pró-heroísmo instalada. Com o final da 2ª Guerra Mundial, o contingente super-heroístico ficou razoavelmente ocioso e, além disso, não podemos esquecer dos inúmeros autômatos, robôs, e vilões que continuaram a aparecer inspirados nos vilões nazistas dos anos 40 que também não tinham muito o que fazer. Todo este contingente tinha, é claro, uma certa dificuldade em se ajustar a uma vida comum que constava de ir para o trabalho todos os dias com fins de semana comuns com churrasco na casa dos amigos e trabalhos de jardinagem. Como era de se esperar começaram a nascer os filhos dos casais super-heróicos formados nas frentes de batalha mundo afora e, com isso acontecendo, pronto (!!), estava armada uma "panela de pressão" de super-seres com seus diversos superpoderes precisando ser regulamentada e colocada na linha.


Por conta de todo o cenário acima, pareceu plausível a construção de uma cidade na qual todos estes super-seres bons e maus pudessem ser alocados e assim vivessem a vida que gostariam de viver com trabalhos e expectativas mais voltadas para sua natureza. Os grande vilões do nazismo foram convocados e desenvolveram a planta e gerenciaram a construção da cidade que foi chamada de NEÓPOLIS. Tudo ia muito bem, porém ninguém previu o "boom" populacional dos anos 60, de maneira que nos anos 80 a "panela de pressão" novamente parecia que iria explodir. Assim, em julho de 1985 um plano proposto pela Alter-Terra (uma das centenas de Terras Alternativas que começavam a fazer fronteira dimensional com nosso Mundo)  foi aceito de bom grado pelas centenas de Neópolis espalhadas pelas inúmeras Terras do Multiverso. Este plano previa a criação de uma força policial que teria um distrito em cada Neópolis de cada uma das Terras alternativas, obedecendo ao distrito central sediado na Terra 54, a Central-Mor. O Top 10 do título é nada mais nada menos que um dos postos avançados desta força policial, presente em uma das Terras.


Tudo isso que descrevi acima é o que você precisa saber para começar a ler Top 10. Embora tudo pareça "meio" maluco, a realidade é que Alan Moore deu, com esta base narrativa, plausibilidade à existência de Super-heróis de verdade, ou seja, acredito que algo muito parecido teria acontecido com nosso mundo caso eles realmente tivessem nascido nos anos 40 em nossa Terra real. O 10º Distrito é formado por uma equipe que patrulha uma Neópolis que, para um bom leitor, é cheia de "easter eggs" sobre o Mundo dos quadrinhos. Se você for atento poderá ver ao fundo da maioria dos quadros referências incríveis acerca de personagens e acontecimentos importantes da Marvel e da DC. A história é inteligente e cheia de pontas interligadas em cada caso investigado pelos heróis do 10º Distrito. Inicialmente você não vê muita ligação entre os acontecimentos, mas como uma colcha de retalhos tudo vai se encaixando para revelar algo muito, muito maior.

Toy Box ao centro

A história começa com a chegada de uma recruta ao batalhão do 10º Distrito, a Sargento Slynger, codinome Toy Box. A partir daí casos e investigações se sucedem apresentando personagens extremamente críveis, dramáticos e reais ao leitor. Mesmo o Sargento Kemlo "Hiper-Cão" César é extremamente crível e passa a figurar como um personagem integrado e relevante durante toda história. Isso sem falar nos diversos outros policiais. É perceptível a nostalgia presente em cada página ao verificarmos heróis que perderam o rumo ao longo da vida e hoje fazem parte do grande contingente de mendigos nas ruas de Neópolis. Isso fora os super-heróis mutilados em Guerras e confrontos que hoje não possuem uma pensão decente por parte do governo. Problemas existentes em nosso Mundo real são todos espelhados em Top 10. E se você pensa que "perda de emprego" e "pensão social" são os únicos assuntos debatidos por Alan Moore na história, está redondamente enganado. Para surpresa minha e, acredito que sua, aqui vai uma lista de assuntos que permeiam Top 10: 1) Prostituição; 2) Suicídio; 3) Pedofilia; 4) Existencialismo; 5) Satanismo; 6) Cristianismo; 7) Homossexualismo; 8) Intolerância Étnica... E aí: Está bom ou quer mais!? Não é a toa que a obra é recomendada apenas para leitores adultos.

Da esquerda para a direita: Capitão "Jetman" Traynor; Slynger "Toy Box" e Jeff Smax

Todos esses assuntos são incorporados à trama e apresentados completamente inseridos no dia a dia dos personagens. Isto faz com que o conteúdo não seja "panfletário" ou "proselitista". Em momento nenhum você se sentirá pressionado a seguir uma determinada crença ou tendência do autor. Há passagens incríveis como a que trata de uma infestação de Super-ratos no apartamento da mãe do policial Duane "Demônio da Poeira". Um dedetizador (parecendo o Bane da DC) é contratado e leva Super-gatos para lidar com a situação. Quando o leitor retorna ao problema, páginas à frente, a questão já possui proporções Cósmicas nos cômodos do apartamento, com a presença de um Galactus do Mundo felino e de ninguém menos que o personagem Eternidade do Mundo dos Ratos que pela silhueta parece ser Mickey Mouse. Veja na imagem abaixo (!!).


O leitor "Nerd" ficará positivamente surpreso com a forma com que Moore apresenta estas homenagens sem ferir em nada a seriedade das histórias originais. Tudo fica realmente com um ar de respeitosa homenagem. Todas estas referências, é claro, podem eventualmente passarem despercebidas pelo leitor iniciante, mas em nada compromete o andamento da história, ou seja, você não precisa ser um expert em quadrinhos para gostar da obra. Os desenhos ficam por conta do desconhecido (pelo menos para mim) Gene Ha. De início achei o traço dele um pouco carregado, mas nas primeiras páginas eu senti que sua narrativa gráfica se ajustava perfeitamente à trama.


Os dois encadernados acima se completam e fecham todas as tramas iniciadas no 1º volume. Aparentemente Alan Moore parece ter criado Top 10 para acabar nestes dois encadernados. No entanto, fiquei sabendo que lá fora saíram algumas continuações. Infelizmente no Brasil só temos estes dois volumes iniciais publicados pela Devir e acredito que talvez possa ser difícil de achar estas publicações. De qualquer forma seria uma boa pedida para republicação!

Sargento Kemlo "Hiper-Cão" César

Bom amigos... É isso aí! Um forte abraço à todos!!

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