Quando Neil Gaiman anunciou há alguns anos que escreveria novamente uma história de Sandman o coração de muitas pessoas (inclusive o meu) bateu mais forte e descompassado. Apesar do universo de Lorde Morpheus ter sido expandido por muitos outros autores desde os anos 90, todos sonhavam com o dia em que o próprio Neil Gaiman novamente desse voz ao seu personagem mais emblemático, até porque nenhum outro roteirista, desde então, havia tocado exatamente nele. Mas a que se deve toda esta entropia ao redor de um título como este? Particularmente, posso responder como testemunha ocular da época em que o título Sandman chegou às bancas em novembro de 1989. Naquele momento o mundo dos quadrinhos já vinha sofrendo mudanças com Alan Moore e Frank Miller ao longo da década de 80, e o terreno estava relativamente bem preparado para receber Sandman. O fato é que Gaiman apareceu e jogou toda uma geração de jovens e adolescentes em um turbilhão Shakespeariano jamais visto nos Quadrinhos. Complexo, lindo, terrível, bizarro, sombrio, triste e melancólico, o Universo de Sandman tomou de assalto mentes e corações de jovens que ansiavam por algo que transcendesse a realidade de forma contundente.
Para quem não sabe Sandman é a encarnação de um conceito inerente à existência dos seres vivos: O Sonho. Sandman é o nome de um ser que já teve muitos nomes ao longo das Eras e ao longo das Culturas ao redor do Globo. Ele já foi chamado de Oneiros, Morpheus, O Contador de Histórias, Velho-do-Sono entre outros nomes... Mas a verdade é que Sandman faz parte de um grupo de seres (Os Perpétuos) que, assim como ele, representam um aspecto eterno da realidade: Destino, Morte, Delírio, Desejo... Os Perpétuos são irmãos e foram criados no início da criação para gerirem estes conceitos que sustentam a realidade sobre a qual o Universo está constituído. O Reino de Morpheus (O Sonhar) é o local para onde todos nós vamos quando dormimos. Lá, o solitário Senhor dos Sonhos, administra todas as histórias que já passaram pela mente dos homens, algumas histórias realmente vividas, outras contadas em livros e outras que nem chegaram a serem escritas ou imaginadas.
Sandman foi escrito por Neil Gaiman, mas concebido ao lado de Sam Keith e Mike Dringenberg. No Brasil a Epopeia Onírica do Senhor do Sonhar foi lançada em fascículos de Novembro de 1989 à Outubro de 1998, e demorou todo este tempo para sair em virtude de interrupções que ocorreram ao longo do processo, até a Editora Globo (detentora dos direitos de lançamento em nosso país à época) conseguir finalizar a saga. Todos os 75 fascículos foram compilados desde então em vários relançamentos ao longo das duas últimas décadas, sendo que atualmente todo material está disponível em 04 lindos Tomos lançados pela Editora Panini (abaixo) e que estão sendo novamente relançados. A história por trás da concepção de Sandman passa pela decisão da Editora DC Comics entregar diversos personagens nos anos 80 (Pós Crise nas Infinitas Terras) à talentosos roteiristas britânicos que na época despontavam no mercado. Assim, Neil Gaiman foi convidado a revitalizar o personagem Sandman, da Era de Ouro dos Quadrinhos.
Sandman de Neil Gaiman foi a obra que me tocou mais profundamente até hoje. Conseguindo trazer à minha mente inúmeras reflexões acerca da constituição, finalidade e razão da existência. Dono de uma escrita elegante, diálogos profundos e fortes, Gaiman logo tornou-se um dos autores mais conhecidos, sobretudo para uma legião de Nerds (incluindo eu). Mas qual a importância desta revisitação de Gaiman sobre sua obra em Sandman - Prelúdio? Lá fora, Sandman - Prelúdio foi lançado em 06 fascículos, já aqui no Brasil a Panini optou em lança-lo em 03 encadernados (1ª figura que abre esta matéria). Além do apelo nostálgico sobre uma legião de fãs que Sandman - Prelúdio possui, Neil Gaiman retoma pontos importantes da Mitologia de Lorde Morpheus, dentre eles sua relação com seu pai e sua mãe (nunca antes comentada), a origem de seu Elmo de Batalha e talvez a mais importante de todas: Como ele se deixou apanhar por um simples feitiço como visto no 1º fascículo de novembro de 1989.
Com isto em mente, é fácil deduzir que Sandman - Prelúdio se passa antes da Saga inicial apresentada nos anos 80/90 e compilada nas enormes Edições Definitivas apresentadas na figura mais acima. Para quem viveu e sonhou ao lado de Morpheus no final dos anos 80 e ao longo da década de 90, ler novamente palavras proferidas pelo Senhor do Sonhar após 28 anos é uma viagem pelo tempo e espaço, e um reviver de emoções esquecidas e significados adormecidos dentro de nós.
Sandman - Prelúdio mostra personagens já conhecidos dos fãs, e lida com aspectos da mitologia de Sandman que pode parecer um pouco estranhos para um leitor que nunca tenha lido nada do personagem. Se for este seu caso, minha sugestão é que primeiramente você leia a Saga Completa inicial para então adentrar-se no Reino de Sandman - Prelúdio. Isto dimensionará a obra de outra forma e lhe trará muito mais prazer.
A obra é ilustrada por J.H. Williams III, desenhista premiado e experimentado que conseguiu captar a atmosfera fluida e onírica de Neil Gaiman. A narrativa de Gaiman ao lado do traço de Williams proporciona uma experiência extremamente interessante ao leitor, que consegue em seu íntimo interagir com o clima etéreo do Sonhar.
Caso você nunca tenha lido ou ouvido falar de Sandman de Neil Gaiman está na hora de você conhecer esta obra que rivaliza com qualquer obra clássica em conteúdo e profundidade.
"Não há ninguém no mundo que saiba tantas histórias como o Velho-do-Sono. De noite, quando as crianças ainda estão à mesa, muito quietinhas, ou sentadinhas em seus bancos, ele tira os sapatos e sobe a escada, muito devagar, abre a porta sem fazer barulho e sopra areia nos olhos delas"
"Não há ninguém no mundo que saiba tantas histórias como o Velho-do-Sono. De noite, quando as crianças ainda estão à mesa, muito quietinhas, ou sentadinhas em seus bancos, ele tira os sapatos e sobe a escada, muito devagar, abre a porta sem fazer barulho e sopra areia nos olhos delas"
Hans Christian Andersen (1805-1875)