Aproveitando a alusão à Michael Ende gostaria de falar de outro de seus livros. Esse direcionado para crianças: O Teatro de Sombras de Ofélia escrito em 1988. Ilustrado por Friedrich Hechelmann essa fábula vale a pena ser contada.
"Ofélia nasceu e cresceu querendo se tornar uma grande atriz de teatro. Seus pais queriam muito isso, por isso colocaram-lhe o nome de uma grande personagem de teatro. Ofélia possuia, no entanto, uma voz muito fraquinha e por isso não conseguia dizer as falas na intensidade adequada. Ofélia envelheceu e o único emprego que conseguiu foi o de auxiliar. Ela ficava em um biraquinho perto do palco soprando com sua vozinha baixa as falas que os atores esqueciam. Ofélia era feliz com seu singelo e discreto emprego.
Um dia, por falta de público, o teatro em que Ofélia trabalhava foi fechado. Em seu último dia de trabalho ela ficou até mais tarde se despedindo do lugar quando de repente percebeu uma sombra na parede e perguntou: "O que é você?". A sombra respondeu: "Sou uma sombra, fico sempre aqui. Posso ficar grande e também bem pequenininha. Porém sou sozinha nesse mundo". A partir daí Ofélia começou a guardar essa sombra em sua bolsa. Várias outras sombras que eram sozinhas no mundo vieram e começaram à morar com Ofélia.
À noite as sombras se acumulavam em seu quarto, até que um dia o dono do lugar em que Ofélia morava resolveu aumentar o aluguel e a pobre velhinha teve que ir embora, pois não tinha dinheiro para pagá-lo. Ofélia saiu pelo mundo afora apenas com suas amigas sombras em sua bolsa e uma pequena mala na qual guardava seus pertences. As sombras ficaram muito tristes por Ofélia e quiseram ajudar. Elas pediram-lhe que estendesse em uma árvore um lençol branco e pularam para o lençol. Ali elas começaram a ensenar as peças de teatro que Ofélia as havia ensinado.
Muitas crianças começaram à vir, pois queriam ver o belo Teatro de Sombras de Ofélia.
Todos que vinham sempre achavam que atrás do lençol haviam pessoas representando a peça e nem imaginavam que eram as sombras que antes perambulavam por aí sozinhas e tristes. Todos gostavam muito e Ofélia se sentia muito feliz por continuar ajudando as sombras e também por trazer alegria para muitas crianças e adultos. Um dia, no entanto, Ofélia estava caminhando com sua malinha e com sua pequena bolsa cheia de sombras e aconteceu algo diferente. Uma grande sombra a parou no caminho.
Ofélia logo perguntou à sombra: "Você também é mais uma daquelas que ninguém quer?". E a sombra respondeu: "Sim... Creio que posso dizer isso". "Você quer que eu seja sua dona também?", perguntou Ofélia. "Você gostaria de ficar comigo?", perguntou a sombra. "Claro", disse Ofélia. "Você não gostaria de saber meu nome?" a grande sombra perguntou. "Como você se chama?", indagou Ofélia. "Me chamam de Morte". Houve um grande silêncio e a sombra perguntou "Ainda assim quer ficar comigo?" e Ofélia respondeu "Sim, pode vir". Nisso a grande sombra a envolveu.
Subitamente Ofélia se achou com olhos novos, olhos que eram jovens, claros e não mais velhos e míopes. Ela se sentia jovem novamente. Parecia-lhe que tinha um novo corpo. Ofélia olhou em volta e viu um grande e imenso portão: O Portão do Céu. O enorme portão se abriu e Ofélia entrou em um suntuoso palácio, que na verdade era um gigantesco teatro. Haviam muitas figuras felizes e alegres ao seu redor.
Caminhando pelo lugar Ofélia se deparou com uma placa que informava, em grandes letras douradas: TEATRO DE LUZ DE OFÉLIA. Assim Ofélia e aquelas figuras representavam grandes e eternas peças de teatro segundo as grandes palavras dos poetas, que os anjos conseguem entender. Dizem, também, que de vez em quando o bom Deus vem assistir ao espetáculo. Mas isso a gente não pode afirmar com certeza".