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sexta-feira, 31 de dezembro de 2021

Destaques 2021 - Quadrinhos


2021 foi um ano de muitos lançamentos importantes. A partir do trabalho e engajamento de determinadas editoras, tivemos aportando no Brasil autores, desenhistas e obras de qualidade, descortinando uma realidade que antes era conhecida apenas por pessoas com maior conhecimento da 9ª Arte. Quadrinhos europeus e sul-americanos chegaram com força, nos mostrando o quanto as artes gráficas podem ser poderosas em sua transmissão artística. Aqui vai uma lista do que passou pelas minha mãos esse ano. A maioria das obras foram lançadas em 2021, outras, no entanto, apesar de terem sido lançadas em anos anteriores, passaram pelas minhas mãos apenas esse ano, e merecem menção por sua qualidade e força narrativa!!

























Traço de Giz foi minha primeira incursão pelo universo artístico do Espanhol Miguelanxo Prado. A obra será fácil-fácil candidata à melhor lançamento de 2021. Dono de uma arte espetacular, Prado constrói uma história que à princípio parece uma narrativa acerca de sentimentos não correspondidos, mas aos poucos a obra ganha ares de realismo fantástico e tudo é ressignificado. Mas volto a reforçar, a arte de Prado transforma os elementos da natureza, o "mar", o "vento", as "ondas", as "rochas" em personagens, e o leitor é literalmente absorvido para dentro da cena. Obrigatório!


Sérgio Toppi foi outro gigante das artes gráficas que entrou para minha vida em 2021, e essa entrada não poderia ter sido mais monumental do que pela sua obra O Colecionador (Editora Figura - 2021). Um artista com um domínio narrativo fenomenal e com um traço que traz genuína solidez ou fluidez àquilo que desenha. E ao fazer isso Toppi cria um efeito quase catártico no leitor. A impressão que tive foi de estar visualizando objetos e cenas em suas concepções primárias e essenciais. Como se tudo isso não bastasse a edição traz a obra completa de Toppi sobre um de seus únicos personagens autorais, o enigmático, ambíguo e sagaz Colecionador do título. Uma viagem étnico-cultural ao redor do planeta que precisa ser vivida pelas mãos do gigante Toppi.



Quadrinistas sul-americanos finalmente tem chegado ao Brasil com o tratamento que merecem. Viajante de Cinza é um excelente exemplo para provar isso. Desenhado pelo Uruguaio Aberto Breccia (1919-1993) e roteirizado pelo Argentino Carlos Trillo (1943-2011), a obra é de uma delicadeza e crueza que impressionam. Os artistas passeiam por situações históricas a partir de uma cela escura na qual o presidiário Cornelius Dark tenta escapar da loucura do ambiente em que vive. Outro lançamento de 2021 que facilmente está em meu top 5.





Quando fiquei sabendo que a Editora Mythos ia retomar o personagem Bonelliano Ken Parker no Brasil a partir da sua cronologia inicial, não pude conter meu entusiasmo. Embora eu nunca tivesse lido suas histórias, sua fama de "excelente" sempre o precedeu. Eu sabia que iria gostar. E não deu outra. Ken Parker é tudo que eu achava que era e mais. A obra é, talvez, uma das retratações mais honestas do Oeste Selvagem, na qual o personagem não está imune às adversidades do ambiente. Ken Parker desmistifica muito o "mito" por traz do personagem clássico de Faroeste, mas ao fazer isso ele não empobrece o gênero, pelo contrário, ele o eleva à outros níveis dramáticos! Para mim com certeza o ponto alto de 2021!



A Música de Erich Zann é uma daquelas publicações que chega às suas mãos e, de repente, você percebe estar diante de algo muito bom. A obra é uma adaptação de um conto de H.P. Lovecraft. Como se não bastasse a qualidade do conto original, a arte da mineira Gio Guimarães o emoldura de forma que arte e história entram em um sinergismo que acabam por potencializar o texto original. Aqui está uma história que frequentemente retorna à minha mente, sobretudo por tratar de "portais" escondidos no ordinário.



Nathan Never - Futuro Duplo, ou também conhecido como A Saga dos Tecnodroides, é uma obra da década de 90 com roteiro de Antonio Serra e arte de Roberto De Angelis. Nathan Never traz uma mistura de Blade Runner com o gênero Noir que particularmente eu acho incrível. Esta abordagem dentro do gênero sci-fi é a que eu mais gosto. A edição publicada pela Editora Graphite esse ano é enorme e recheada de artigos que contextualizam muito bem a obra. Mas mais do que tudo isso ressalto a qualidade do material. Serra consegue homenagear diversos momentos emblemáticos da ficção científica sem parecer em momento algum que os copia. Eles estão ali como que para nos lembrar dentro de que tradição Nathan Never procede. A história é extremamente envolvente e se fecha perfeitamente, acrescentando elementos importantes à mitologia de Never. Outro ponto algo de 2021.



A Coleção Clássica Marvel foi uma cartada certeira da Editora Panini ao trazer o material clássico da Marvel em ordem cronológica e diversificada. Cada volume corresponde à um famoso herói ou grupo. Minha menção à essa edição em específico O Espetacular Homem-Aranha - Poder e Responsabilidade ocorre porque ela dá a tônica desta coleção, ou seja, a oportunidade única de observarmos personagens em suas concepções originais. Ao fazer isso o leitor entende rapidamente porque tais heróis e vilões se tornaram os ícones que são. As histórias são extremamente interessantes de se acompanhar, mas não é só isso. O material se converte em uma "Máquina do Tempo", transportando o leitor para um período anterior às diversas camadas mitológicas que foram acrescentadas aos personagens ao longo das décadas. Uma experiência única para o fá de quadrinhos.
 

O Astronauta foi um relançamento de 2010 que voltou às livrarias pelas mãos da editora Comix Zone em 2021. É também o primeiro trabalho de Lourenço Mutarelli com o qual entro em contato. A obra é desconexa e disruptiva ao mergulhar no universo do astronauta do título, no caso o próprio Mutarelli que posou para as fotos que serviram de base para as xilogravuras de Fernando Saiki. O realismo dos desenhos de Saiki fazem um contraste brutal com o "fantástico" da narrativa, transformando a obra em uma viagem pelo universo hermético de alguém que, diante da realidade, transforma sua casa (no caso o apartamento do próprio Mutarelli) em um ambiente onírico. O resultado é uma jornada estranha em meio à heteróclitos objetos do nosso dia a dia. Uma viagem que vale a pena ser feita.



Joe Golem - Detetive do Oculto foi uma grata surpresa em 2021. A HQ entrou no meu radar pela capa, que traz uma atmosfera Noir (um gênero que gosto muito) ao retratar um típico detetive das décadas de 1930 e 1940. A outra coisa que me saltou aos olhos foi a arte. Sem muitas recomendações acerca do lançamento na época, resolvi dar uma chance. Nunca havia lido nada do Universo do conhecido Mike Mignola. Mesmo o seu Hellboy (embora muito falado) nunca me passou pelas mãos. Mas Joe Golem merece ser mencionado aqui pela abordagem que faz do mito do GOLEM. A história caminha em duas unidades temporais (uma na década de 50 e outra séculos atrás no leste europeu). Uma unidade vai descortinando elementos da outra. A temática passa pelo horror/terror de forma excelente, e o leitor percebe que o que está lendo é apenas a "ponta" de algo muito maior. Gostei muito mesmo! Espero que e Editora Mythos continue publicando o título no Brasil.



Quando vi o nome desta HQ algo parecia muito errado. É difícil associarmos a figura materna à armas, tiros e porradaria... Só que, quando verificamos que o motivo por trás de tal comportamento é talvez um dos sentimentos mais ancestrais da nossa espécie (a proteção de uma "cria" ou "filhote") daí o "caldo literalmente entorna" mesmo. A roteirista Christa Faust emoldura muito bem a história de Bad Mother ao escolher como protagonista uma mãe de meia idade que começa a sofrer com a constatação de seu envelhecimento. Roupas que não servem mais, expectativas aparentemente não satisfeitas... Mas tudo isso só aproxima a personagem de nosso mundo real. A história é muito boa e não economiza em inteligência e desfechos honestos e violentos! Vale a pena!!





As duas obras acima fazem parte da Coleção Tex de Graphic Novel da Editora Mythos, a primeira (Snakeman) lançada em 2021 e a segunda (O Herói e a Lenda) em 2016. As duas merecem ser conhecidas por motivos muito semelhantes. O primeiro deles a arte. Se em Snakeman, Enrique Breccia dá um show de realismo com seus desenhos de tons multi-coloridos, O Herói e a Lenda não fica atrás com a arte robusta e encorpada de Paolo Eleuteri Serpieri (roteiro e arte). Ambas apresentam perfis diferentes de Tex. Em Snakeman vemos um Ranger já relativamente melancólico, que precisa enfrentar a jornada de vingança de um antigo inimigo do povo Navajo. Já em O Herói e a Lenda vemos um jovem e talvez "alternativo" Tex. Mais violento, selvagem, mas não menos justo e honesto. As duas obras são excelentes!!


Embora lançado em 2017, A Vida Secreta de Londres foi o primeiro quadrinho que li em 2021. Uma obra toda construída a partir da enigmática psico-geografia. A estranha ciência que estuda eventos que ocorreram em determinados locais em função de suas características físicas, topográficas, climáticas dentre outras. Um conceito, aliás muito bem trabalhado por Alan Moore em seu Do Inferno. A Vida Secreta de Londres é formado por pequenas histórias de diversos autores, dentre eles o próprio Alan Moore, Neil Gaiman dentre outros. A obra produziu em mim a estranha sensação de entrar dentro da "alma" ou "aura" do lugar, no caso, Londres. Além disso, a partir desta experiência comecei ter essa mesma percepção com o lugar em que moro ou lugares que conheço. Uma obra a ser mais conhecida.

Sangue no Colorado faz parte da Coleção Tex Gold da Editora Salvat. Uma coleção de 60 números que trouxe a publicação italiana ao Brasil. Sangue no Colorado é ao mesmo tempo épico e contido. "Contido" por contar de narrar um episódio específico na vida de alguns mineiros, e "épico" por, aos poucos, descortinar um drama familiar que dá profundidade dramática. Ótima história do Ranger!


O Homem Máquina entrou para meu radar quando eu li Terra X. Obra apocalíptica do Universo Marvel. Desde então minha curiosidade se aguçou a respeito do robótico personagem. Para satisfaze-la o encadernado Homem Máquina de Tom DeFalco ajudou bastante. Uma história fundamental para se conhecer a mitologia básica do herói, mas mais do que isso, uma história "justa" e "honesta". E com "justa" e "honesta" eu quero dizer que não busca ser mais do que é, ou seja, busca ser um entretenimento muito bem alinhado e sem pretensões de se tornar a nova mega saga ou mega evento, e este é o trunfo da história datada da década de 90. A HQ simplesmente se propõe a contar uma boa história e é isso que faz. Quem leu a nova e recente Saga do Homem de Ferro 2020 verá que, infelizmente, o Homem Máquina ali retratado nada tem a ver com o antigo (apresentado no encadernado acima). Este sim é para mim o verdadeiro e profundo Homem Máquina



E como menção final, mas não menos importante, chega às mãos dos leitores agora em dezembro/21 um dos maiores lançamentos do ano. Financiada pela plataforma Catarse por iniciativa da Editora Tundra, a aclamada série Storm de Don Lawrence volta ao Brasil. Uma série que viu a luz do dia no Brasil apenas no final da década de 80, e apenas os 10 primeiros capítulos pela Editora Abril. Agora a obra retorna com a previsão de sair completa. Aqui está um lançamento que todos devem conhecer e apoiar. Uma das minhas HQs Favoritas de todos os tempos!!! Aliás, acabei de receber o meu exemplar, diga-se de passagem. Conheça a campanha do Volume 2 no Catarse que a partir de 02/01/22 estará em vigor e, caso não tenha adquirido o Volume 1, ainda é possível fazê-lo pela Loja Virtual da Editora Tundra.

Um excelente 2022 à todos!

domingo, 19 de dezembro de 2021

Pílula Gráfica #15: Tex Graphic Novel #11 - Snakeman (2021)







O sobrenome "Breccia" tem me despertado interesse todas as vezes que o vejo. Tudo que tenho conhecido do pai (Alberto Breccia) ou do filho (Enrique Breccia) tem estado além das minhas expectativas. Infelizmente conheci esses dois grandes desenhistas e quadrinistas argentinos tardiamente. Mas ainda a tempo de atestar o grande talento dos dois. Por isso quando vi a capa da edição de número 11 da Coleção Tex - Graphic Novel (Editora Mythos), não pude deixar de me espantar ao reconhecer a presença de Enrique Breccia nos créditos e, mais uma vez, não me decepcionei com o trabalho do artista. Com roteiro de Mauro Boselli, Snakeman traz uma arte de "cair o queixo". Breccia conseguiu materializar a grandeza épica das paisagens do Oeste Americano em seus vários matizes e tons. O leitor tem uma profunda sensação de interação com os locais retratados pelo artista. Impossível não se surpreender com o que se vê. Desde a aridez da rochas, até os coloridos entardeceres, Breccia proporciona uma experiência imersiva ao leitor. O roteiro de Boselli é ótimo e exige perspicácia daquele que lê. Nele, encontramos um Tex mais introspectivo e melancólico ao lembrar do seu passado, e com isso o personagem ganha densidade. A violência está presente e não é gratuita. A nêmese do Ranger nessa história é o xamânico e assustador Snakeman, um home que arrebanha ao redor de si índios de um tribo para servirem de instrumento de sua vingança contra os Navajos. Por vezes a arte rouba a cena e Boselli toma a decisão correta ao deixa-las sem texto, entendendo que qualquer relato estragaria, desnecessariamente, a soberba arte de Breccia. A edição despertou meu interesse pelos outros números da série Tex - Graphic Novel. Se você quer ter uma experiência singular a partir de uma arte mágica, você precisa conhecer Snakeman.






domingo, 5 de dezembro de 2021

Pílula Gráfica #14: Bad Mother - (2021)


Uma HQ fechada, violenta, eletrizante, realista e honesta com o leitor. Às vezes o ordinário pode ser mais perigoso que o extraordinário... Isso porque é no dia-a-dia que se acumulam nossas insatisfações, frustrações, danos e agravos pessoais. E desse caldo interior surgem personagens como Walter White, o pacato professor de química que se vê diante da finitude nas mãos de um câncer e, com isso, traz à tona seu verdadeiro "eu" na série Breaking Bad, ou então o William Foster do filme Um dia de Fúria de 1993, interpretado pelo ator Michael Douglas. Um funcionário comum e burocrático de alguma repartição empresarial pública ou privada que se vê vilipendiado e menosprezado todos os dias pelo sistema (mídia) e pelas pessoas à sua volta. Até que um simples engarrafamento faz dele uma "bomba ambulante humana". Em Bad Mother a sensacional roteirista Christa Faust traz à tona o dia-a-dia comum de April Walters, uma mãe de meia idade que se vê às voltas com a difícil relação com a filha adolescente, ao mesmo tempo que observa seu corpo não caber em mais nenhuma peça de liquidação das lojas do subúrbio em função dos quilos a mais que a maternidade e a idade gera. Cenas e situações comuns? Sim... Mas um "comum" que nos faz deixar passar a índole e a tenacidade verdadeiras das pessoas que nos rodeiam. E quando se fala em proteger filhos e filhas... Bom... Aí o "sapato aperta" e o "caldo entorna"... Porque o instinto materno é visceral, violento e ancestral. Um instinto reptiliano e primal. É desse cenário que Christa Faust constrói uma história violenta e arrebatadora por mostrar o que se esconde por debaixo do verniz social. Christa vai além ao mostrar a "mulher" em seus instintos e poderes mais básicos e poderosos. A capacidade inata que toda mulher tem de ser "feminina", "atraente" e "violenta" não importando seu peso corporal, sua conformidade ou não com o modelo socialmente aceito de beleza... E são exatamente essas características que são poderosamente atraentes, fascinantes e amedrontadoras para qualquer homem. A protagonista de Bad Mothher (April) vê sua filha ser inadvertidamente arrastada para uma trama envolvendo drogas, corrupção de pessoas e violência. Tudo associado à uma organização gerida por ninguém menos que uma outra mulher. Endinheirada, com um corpo quase perfeito e "na crista da onda social", essa matriarca do crime parece ter sido alçada à essa posição por, no passado, ter sido a esposa de um poderoso chefão do crime. Ardilosa, violenta e totalmente sem escrúpulos, será com esta chefe do crime que a comum April terá que "bater de frente". Christa consegue manter esse enfrentamento dentro de patamares reais, sem trazer situações muito mirabolantes para resolver as perigosas situações da história. Uma história que apesar da violência é muito sensível ao abordar temas à que estamos tão ligados em nosso dia-a-dia: família, segurança, criação de filhos, envelhecimento, matrimônio... Bad Mother é Excelente e é "tiro-porrada-e-bomba" da melhor qualidade literária!!





domingo, 28 de novembro de 2021

Pílula Gráfica #13: Nathan Never - Futuro Duplo - (2021)


O primeiro personagem da Editora Bonelli que conheci foi Tex, o segundo foi Nathan Never. Como aficionado que sou por ficção científica, Nathan Never se tornou um dos meus preferidos, seguido logo atrás pelo Ranger Águia da Noite. Minha discreta preferência por Never não ocorre apenas por ele viver suas histórias a partir da ótica sci-fi, mas sobretudo por ter suas aventuras contadas em um ambiente que mistura distopia à uma ambientação Noir. Não há como não perceber, pelo modo de agir do personagem uma discreta, mas ao mesmo tempo profunda, melancolia. Um sentimento que, ao ser associado à constante busca inconsciente pela redenção de pecados passados, cria a atmosfera perfeita para a ambiguidade moral e complexidade das tramas. Nesse aguardado volume Nathan Never - Futuro Duplo, a Editora Graphite nos traz uma obra que define muito bem a natureza do herói. Com um acabamento em capa dura, verniz localizado, excelentes resenhas e papel de ótima gramatura, a edição faz jus à importância de Nathan dentro do Universo Bonelliano. O autor da trama, Antonio Serra, parece ir por caminhos óbvios nas primeiras páginas, mas logo mostra a maravilhosa complexidade de sua trama, que se desenvolve em futuros distintos. Com isso ele rapidamente se descola de enredos já utilizados no passado e vai além. Serra consegue homenagear séries e filmes do passado associando-os à um roteiro cheio de vitalidade, de maneira que o leitor consegue ver suas amadas obras de sci-fi representadas dentro de algo cheio de vigor. Em um dos extras da edição, o próprio autor se antecipa às eventuais críticas acerca das homenagens que faz ao dizer o quão difícil é escrever sobre um tema tão explorado até então (e olha que ele escreveu a obra na década de 90). E é justamente isso que chama a atenção, ou seja, sua obra conseguiu sobrevier ao teste do tempo de maneira vigorosa e ainda relevante. O tratamento dado pela Graphite ao material é de fã para fã, e os extras contextualizam muito bem a dimensão e o alcance da história. Não à toa a Graphite está se tornando a casa do personagem no Brasil. Originalmente publicada na Itália na série Nathan Never Gigante #1, aqui no Brasil esse lançamento foi financiado através da Plataforma Catarse. A impressão que eu tenho é que a base de fãs brasileira de Nathan Never não é tão gigante a ponto de permitir um financiamento ultra rápido, o que fez com a edição saísse dentro de um prazo mais alongado. Isso (infelizmente) nem todos entendem, ou seja, que é necessário uma estratégia de lucro a partir do dimensionamento do personagem no país, o que faz que cada obra tenha seu prazo para ser financiada, lançada e ainda seja sustentável. Vi com tristeza alguns comentário nas redes sociais acerca da demora para que a edição chegasse aos fãs. Embora eu entenda a vontade de se ter logo o exemplar chegando em casa, é preciso que consigamos amadurecer enquanto colecionadores e consideremos as diversas facetas que envolve a produção e o lançamento de uma HQ com um acabamento adequado. De qualquer forma desejo vida longa à Nathan Never no Brasil, e que permaneça nas mãos de quem curte o personagem tanto quanto eu.








quinta-feira, 18 de novembro de 2021

Pílula Gráfica #12: O Astronauta - (2021)


A canção Nave Errante de autoria do músico Guilherme Arantes foi lançada em 1976 no disco homônimo "Guilherme Arantes". Nessa música a letra diz "Minha casa é uma nave; E eu trafego só; Sem contato com viv'alma; No silêncio frio das trevas...". Como que a ecoar esta canção Lourenço Mutarelli e o artista Fernando Saiki fizeram uma obra singular para dizer o mínimo, O Astronauta. Um dos lugares mais incríveis que se tem para viajar, desde que se tenha a imaginação como guia, é nosso lar. Nele conseguimos nos refugiar e facilmente transforma-lo em uma nave errante. No mundo atual, utilitarista, hedonista e recheado de conselhos superficiais e supérfluos acerca da necessidade de se expor continuamente, o modo de vida pessoal introspectivo possui pouco apelo. Mas eis que uma obra retorna às prateleiras para dizer o contrário. O Astronauta é uma viagem interna ao universo pessoal do autor, que abriu seu apartamento e serviu de "modelo" para as fotografias de hiper-realismo fantástico do fotógrafo Flávio Moraes. Feita de reminiscências e reflexões pessoais de Mutarelli, O Astronauta pode parecer uma HQ sobre "nada", mas isso é exatamente o que o autor quer que você pense, pois no final é sobre "tudo". Sobre memórias, inconsistências, evolução, frustação, introspecção... Ao enxergar sua própria casa como um universo à parte, Mutarelli me fez mergulhar dentro do meu próprio universo (como às vezes faço) atrás de significados cotidianos. O artista Fernando Saiki fez um trabalho hercúleo ao traduzir para a xilogravura as fotos de Moraes. E ao fazê-lo conseguiu criar a atmosfera onírica perfeita para o mergulho interior de Mutarelli. O efeito das xilogravuras no leitor o leva à uma vivência visceral com a história. Os indefectíveis objetos identificados no apartamento de Mutarelli (reproduzidos fielmente por Sakai) me causaram a estranha sensação de estar enxergando-os na sua essência primordial. A lixeira da cozinha, o cinzeiro, os móveis, a cafeteira, os botões do fogão... Tudo tão brasileiro, tudo tão familiar à nossa cultura, mas ao mesmo estranhos ao serem contemplados em outra perspectiva! O efeito é lisérgico e profundo. A experiência vivida pelo protagonista ao longo da história, no caso o próprio Mutarelli, é de neurose e ao mesmo tempo transcendência. Lançada em 2010, a obra ganha reedição pela editora Comix Zone que fez um caprichado projeto gráfico valorizando nos extras as fotos originais de Morares, além de trazer um card/postal com a capa. Insólito e ao mesmo tempo curioso, O Astronauta é uma obra para se revisitar esporadicamente para se reter outras nuances, outras imagens, outras sensações... da concretude da chama acesa em uma das bocas do fogão, ao isolamento de um sofá vazio que dá toda dimensão de um espaço sideral imenso e profundo. Na "chamada" da Editora, há uma associação da obra com os sentimentos causados pelo isolamento social imposto pela pandemia de COVID-19 nesses últimos dois anos. Talvez uma tentativa da editora de alinhar a HQ com o nosso tempo. Acho que essa associação é válida, visto que muitos foram forçados a vivenciarem experiência semelhante à do protagonista em suas vidas nesse estranho tempo em que vivemos. O Astronauta é ímpar e singular em sua estranheza, beleza e transcendência.




segunda-feira, 1 de novembro de 2021

Pílula Gráfica #11: Ken Parker #1 - (2021)

2021 tem sido um ano de anúncios extraordinários para o leitor de quadrinhos brasileiro. Além da volta de Storm ao Brasil pela Editora Tundra, do recente anúncio do retorno de Corto Maltese de Hugo Pratt pela Editora Trem Fantasma e das diversas obras publicadas de mestres como Alberto Breccia (Ninguém, Viajante de Cinza, Um Tal Daneri, Perramus...) e Sérgio Toppi (O Colecionador, Fábulas do Velho Mundo, Tanka), tivemos também a volta de Ken Parker pela Editoria Mythos. Infelizmente para mim, conheci tardiamente a riqueza do Universo Bonelliano, mas mesmo apesar do meu desconhecimento, Ken Parker sempre esteve em meu radar em função das excelentes análises que sempre li sobre o personagem. Com tantos elogios uma obra sempre corre o risco de estar superestimada. Mas definitivamente não é o caso de Ken Parker. Criado em 1977 pelo roteirista e desenhista Giancarlo Berardi e Ivo Milazzo, respectivamente, a obra que narra a história de Keneth Parker atinge graus de realismo, dramaticidade e poder narrativo impressionantes. O leitor se deparará com uma realidade na qual Berardi não faz concessões ao expressar a dureza da violência e a complexidade das relações humanas norteadas por questões políticas, étnicas e territoriais no ainda fragmentado Estados Unidos do pós Guerra da Secessão (1861-1865). Conflito no qual o Norte (progressista) confronta os Estados Confederados do Sul (ainda resistentes ao progresso e, sobretudo, libertação dos escravos). Ken se difere dos diversos outros personagens dos Westerns ao ser confrontado com questões que o colocam constantemente em cheque, e dentro das quais ele tenta tomar a melhor decisão possível (muitas vezes equivocadas), mas sempre com a humildade de revê-las. O assassinato do seu irmão mais novo nas primeiras páginas da 1ª História da série passa a influenciar profundamente a decisão de Parker a ficar ao lado de pessoas mais fracas. Mas nada é tão simples, pois a ambiguidade das ações do homem branco é sempre um desafio para qualquer homem de bem. As cenas e os desfechos são poderosos e causam forte comoção no leitor. Não pude deixar de ficar sem saber para quem "torcer" nas duas primeiras histórias deste número 01 da Editora Mythos (que se propõe a publica-las em ordem cronológica). Isso porque as ações de índios e homens-brancos são difusas se analisarmos o complexo pano de fundo. Se adotarmos uma base moral simplista, será muito difícil entender na sua totalidade a profundidade de Ken Parker. A ambientação é excelente ao apresentar locais conhecidos dos amantes dos filmes de faroeste. Também não pude deixar de ver o personagem Ken Parker como uma mistura de Daniel Boone (1734-1820 - explorador estadunidense), Henry Thoreau (1817-1862 - naturalista, filósofo e autor da maravilhosa obra WALDEN) e John Muir (1838-1914 - explorador e escritor escocês-americano). Outro ponto que diferencia muito a obra é o fato de que Ken Parker experimentará a passagem do tempo ao longo das edições, mudando seu físico e posições acerca das coisas que o cercam. Berardi/Milazzo inovam ao decidir pela finitude ficcional do personagem. Isso aproxima o personagem do leitor, no entanto, acaba por impor um fim à trama no futuro. Mas assim é a vida real também. Se você quer conhecer uma série de extrema qualidade, adulta e totalmente fora do lugar comum, você precisa conhecer Ken Parker.




sábado, 2 de outubro de 2021

Pílula Gráfica #10: Coleção Clássica Marvel #1 - O Espetacular Homem-Aranha - Vol. 01 (2021)


Todos conhecemos o Homem-Aranha em seus diversos aspectos: seu humor, sua vida conturbada ao se equilibrar entre o super heroísmo e a vida comum, suas dores e perdas, e principalmente seus poderes. No entanto, uma análise mais detalhada sobre o personagem em sua concepção inicial, suas primeiras histórias e, principalmente, os elementos que tanto cativaram logo "de cara" uma legião de fãs, é um exercício que só poderia ser feito de forma adequada a partir de uma leitura cronológica. Embora alguns dos elementos que citei acima já estivessem presentes nessas primeiras aventuras, há coisas diferentes que causariam surpresa mesmos aos fãs mais ardorosos. Uma época em que o Amigão da Vizinhança ainda estava livre de diversos estereótipos que, com o passar do tempo, forçariam muitos roteiristas a aborda-lo dentro de um cânone. A possibilidade de observar o herói logo no início sempre foi uma experiência para poucos dado a necessidade que comentei acima de se ter as edições em ordem cronológica. Eu mesmo, apesar de ser fã do personagem, nunca tinha me deparado com o Peter Parker original, aquele que nem sabia que se tornaria um fenômeno dentro e fora da 9ª Arte. Na verdade nem seu roteirista (Stan Lee) e desenhista (Steve Ditko) sabiam muito disso. A Coleção Clássica Marvel, iniciada este ano, está permitindo a possibilidade de se embarcar em uma "Máquina do Tempo" e "zerar" nossa mente para os conceitos que foram gradativamente sendo inseridos nos "medalhões" da Casa da Ideias, sempre adicionando uma camada a mais a cada um. As histórias da coleção apresentarão os personagens sem praticamente nenhuma dessas camadas criativas. Ler o Homem-Aranha nesse espaço criativo inicial foi para mim uma experiência sensacional. Talvez muitos pensem que, em função das histórias datarem da década de 60, os enredos sejam mirabolantes e non-sense, mas o fato é que as histórias são muito envolventes e interessantes. Ao lê-las, parece que  uma "chave" em nossa mente se liga e somos transportados diretamente para o "Espírito do Tempo" dos longínquos anos 60. E uma vez dentro desta perspectiva a experiência é quase catártica. O Peter Parker que aparece é um jovem (ainda com elementos da adolescência muito evidentes) que é, na maior parte do tempo, triste, magoado e até rancoroso! Características que praticamente nunca estiveram em evidência no Aracnídeo. Nessas primeiras histórias vemos um Peter pensando em coisas que nunca imaginamos que passaram pela cabeça dele. Como por exemplo dar um "sopapo" no Flash Thompson ou mesmo cogitar deixar o colega à mercê do Dr. Destino. De certa forma, tudo isso gera em nós uma enorme identificação com o personagem. Pois é exatamente o que cogitaríamos também. Outra questão interessantíssima é o fato do herói não saber exatamente a dimensão dos seus poderes, e talvez, até Stan Lee não o soubesse. É possível ver também a evolução da arte de Ditko, e suas saídas gráficas cada vez mais interessantes para cada cena. Uma evolução que pode ser vista de forma clara na luta do Aranha contra o Dr. Destino (Amazing Spider-Man #5). Não posso deixar de dizer que tudo que comentei acerca da interessante experiência de ver o herói em ação pela primeira vez nos quadrinhos, vale também para as primeiras aparições de vilões emblemáticos como o Abutre (Amazing Spider-Man #2), Dr. Octopus (Amazing Spider-Man #3) e Homem-Areia (Amazing Spider-Man #4). Também curiosa e cheia de receios é a relação existente entre o Cabeça-de-Teia e o recém-criado e desconfiado Quarteto Fantástico! Se você não conhece essa Coleção, recomendo-a fortemente pois, além de se entreter, finalmente você entenderá porque os ícones Marvel fizeram tanto sucesso!

Edições que compõem esse volume 1 da Coleção.

 Amazing Fantasy - Vol. 1 - #15 - Agosto de 1962.


Amazing Spider-Man - Vol. 01 - #1 - Março de 1963.


 Amazing Spider-Man - Vol. 01 - #2 - Maio de 1963.


Amazing Spider-Man - Vol. 01 - #3 - Julho de 1963.


Amazing Spider-Man - Vol. 01 - #4 - Setembro de 1963.


Amazing Spider-Man - Vol. 01 - #5 - Outubro de 1963.
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