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terça-feira, 21 de julho de 2020

1977 - Relatos Sobrenaturais - O Caso Enfield


Às 21h30min da noite de 31 de agosto de 1977 os moradores da Rua Wood Lane Nº 84, subúrbio de Enfield , zona norte de Londres, ouviram pela primeira vez um barulho que, se soubessem o que estaria por vir, talvez tivessem se mudado da casa já naquele momento. Moravam no pequeno sobrado uma mãe divorciada (a Sra. Harper) com os filhos: Rose de 13 anos, Janet (um pouco mais jovem), o irmão Pete, e o caçula Jimmy de 07 anos. Durante 01 ano, a família Harper passou um período que teria (possivelmente) desestruturado muitas famílias, e todo o caso foi acompanhado pelo jornalista Guy Lyon Playfair, autor do livro 1977 - Enfield - Relatos Sobrenaturais. O caso, conhecido mais tarde como o Caso Enfield, foi um dos fenômenos paranormais mais documentados até hoje. Playfair, que morou no Brasil por muitos anos acompanhando casos parecidos, trabalhou para a Revista Inglesa The Economist, para a Time americana e na Agência de Notícias Associated Press. Em 1977 Playfair já fazia parte da Sociedade Britânica de Pesquisas Psíquicas, uma das associações mais antigas e sérias ligadas à fenômenos que escapam à explicações convencionais. O livro, lançado no Brasil pela Editora DarkSide, é um relato franco, sincero e cheio de intenções genuínas de se ajudar uma família que foi pega no redemoinho do que o autor chamou de o Poltergeist de Enfiled.


Playfair acompanhou o caso não apenas do ponto de vista jornalístico, mas também humano ao tentar apoiar de verdade a amedrontada família Harper. Durante o caso esteve também presente o pesquisador e Engenheiro Maurice Grosse. A dupla conseguiu registrar os fenômenos mais bizarros e estranhos possíveis. Mas o mais curioso de tudo é que, mesmo diante de provas incontestáveis dos fenômenos ali vividos, a maioria das demais pessoas que passaram pela casa (excetuando os fiéis vizinhos e a família do irmão da Sra. Harper), todos lutaram até o último minuto para dizer que era uma fraude. Playfair em vários momentos de seu relato mostra sua frustração ao perceber que aquilo que a ciência não consegue explicar, ela luta até sua última gota de sangue para dizer que é fraude. E nessa briga quem sofria era a família Harper.

Janet Harper (possivelmente o epicentro do fenômeno) em uma de suas muitas experiências com o poltergeist

Mas o que começara na noite de 31 de agosto de 1977 com um barulho e um móvel extremamente pesado sendo arrastado à vista de toda a família, evoluiu para fenômenos cada vez mais sérios, tais como, levitações das duas irmãs Rose e Janet pelo quarto, objetos sendo atirados para todos os lados, quedas inexplicáveis de sofás e armários, deformação de objetos e, por fim, dois outros fenômenos que para mim foram o ápice desta experiência: 1) o aparecimento de uma voz extremamente difícil de ser reproduzida que falava através de Janet e Rose e 2) o raro fenômeno da passagem de um corpo sólido através de superfícies também sólidas. A maioria destes fenômenos (mais de 90%) foi presenciada pelas mais variadas pessoas, autoridades e até mesmo por transeuntes na rua em uma manhã em que o barulho dentro da casa fora tão alto que chamou a atenção de comerciantes, guardas e outras pessoas na rua. Muitas destas pessoas olharam para o janela do quarto de Janet de onde vinha o barulho e viram, para seu espanto, a menina levitando.


A voz que menciono vinha diretamente das meninas, sobretudo de Janet que, sem mexer os lábios, produzia uma voz que foi alvo de inúmeras gravações. Apresentando-se como Bill, Joe, Fred entre outros nomes, a estranha voz pode ser ouvida em vídeos disponíveis no YouTube. O fenômeno parecia ser mesmo produzido na garganta de Janet, embora mesmo os homens que acompanhavam o caso tiveram extrema dificuldade para imitar o fenômeno, e quando conseguiam produzir som semelhante o faziam por apenas alguns segundos, tamanho o esforço e dor que a imitação gerava nas cordas vocais. Já Janet falava desta forma sem mexer os lábios por horas. Não vou reproduzir aqui as conversas entre Playfair, Grosse e a "Voz". Para isso é preciso de contexto e de proximidade com os eventos que ali ocorriam. O que posso adiantar é que o autor consegue manter uma narrativa muito objetiva acerca dos fenômenos, em nenhum momento cedendo totalmente à explicações puramente metafísicas, mas também admitindo a impossibilidade da existência de tais fenômenos segundo nossa leis físicas ora vigentes. É justamente esse lado humano de Guy Playfair que me conquistou na leitura do livro. Em todo o momento o que o move é, em primeiro lugar, a vontade de ajudar a frágil família.

Travesseiro em pleno vôo no quarto de Janet

As hipóteses do autor na tentativa de explicar o fenômeno envolvem a existência de um mundo para além do físico, e o autor chama atenção para a possível sobrevivência de reminiscências de memórias ou personalidades que, perdidas, poderiam participar do fenômeno. A busca dos pesquisadores que seguiram o caso considerou a possibilidade de uma interação entre matéria e mente que transcende e escapa às nossas limitadas capacidades. O próprio autor cita situações semelhantes à esta dos Harpers descritas na literatura mundial, muitas delas envolvendo adolescentes (meninas) na puberdade. De todo modo se você estiver esperando um livro de terror com cabeças girando, exorcismos e líquidos de cor verde, 1977 - Relatos Sobrenaturais não é para você, pois como o autor mesmo alerta na introdução, o livro trata das longas horas de registro dos estranhos fenômenos e da dificuldade emocional que uma situação assim provoca nas pessoas envolvidas. Talvez por isso mesmo o livro acaba por se ancorar muito bem na realidade, o que o torna, por isso mesmo, assombroso.

Janet encontrada sobre a cômoda depois de ser levitada até o local

O caso ganhou grande expressão à época, tendo sido alvo de investigação até mesmo do famoso casal de pesquisadores do sobrenatural Ed e Lorraine Warren. Além disso, um interessante documentário produzido pela BBC sobre o caso foi lançado à época e pode ser visto no YouTube. De toda narrativa presente na obra o que me tocou profundamente foram duas coisas. A 1ª delas a dedicação de Playfair e Grosse em cuidar da família. Sem ganharem nada com isso os dois não deixaram de apoiar e estar ao lado da família. Em 2º lugar fiquei chocado com a frieza da ciência que, em nenhum momento, se preocupou com as pessoas envolvidas, mas sim com a busca incessante por fraude, o que não conseguiram provar. Embora muito tenha se dito sobre esse caso, que serviu inclusive para produções de Hollywood, o mais importante é entendermos que havia gente sofrendo com isso, e existiram pessoas capazes de ajuda-los. 

 
O poltergeist de Enfield foi um dos mais ativos até hoje descritos e, aproximadamente 01 ano depois, desapareceu. O livro deve ser lido sob a perspectiva do humano e da nossa pequenez diante do insondável.

3 comentários:

  1. "todos lutaram até o último minuto para dizer que era uma fraude"

    Hoje em dia, em plena "pandemia por coronavírus", me deparo com grandes entusiastas da Ciência. Nunca vi tanto #ConfieNaCiência como neste ano, escrito até mesmo por pessoas que sequer conhecem os estados da água.

    Como disse Pondè numa entrevista a que assisti, hoje zombamos da fé e do oculto para acreditarmos piamente apenas na conduta cética e "científica".

    Aliás, o próprio ceticismo deveria ser a base para que algumas pessoas tentassem encontrar no sobrenatural o que as ciências naturais (ou ao menos o que conhecemos delas até então) não conseguem explicar.

    Há séculos, Kant e tantos outros pensadores que moldaram o pensamento ocidental contemporâneo reconheceram mansamente que há limites intransponíveis para o conhecimento humano sobre a existência.

    Existir e não-existir são bastantes complexos para serem resumidos em explicações ditas científicas, APENAS.

    É o velho chavão, mas bem válido: "pés nos chão, cabeça nas estrelas".

    Ótima postagem, Marcelo.

    Abraços!

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    Respostas
    1. Prezado amigo Kleiton!

      Concordo totalmente com você. Acrescentaria ainda algumas reflexões. Vivemos em um mundo de superficialidades, utilitarismos e, mais recentemente, de Cientificismo. Este último termo tem me chamado atenção como uma linha de pensamento que tem se consolidado cada vez mais, ou seja, a "Ciência" como deidade. Criminalizou-se muito o conceito de fé (a genuína eu me refiro) e potencializou-se a ciência à um status que tem substituído os corações no mesmo nível das crenças que tanto a própria ciência tripudiou.

      Acredito que a ideia (mais humilde) de reconhecermos nossas limitações é salutar, pedagógica e acima de tudo saudável. A visão mecanicista torna o mundo realmente um local sem lugar para o imaginário, para o mítico e para o poético.

      O livro alvo deste post, nos mostra o quanto nossa compreensão é vaga. E na ausência de explicações dentro dos limites da ciência simplesmente acaba-se recorrendo à busca incessante e inquestionável por fraude.

      Um filme que gostaria de lhe recomendar é "A Ghost Story". Obra dirigida por David Lowery e lançada em 2017. O filme fez muito sentido para mim acerca dos mistérios que envolvem nossa existência. Caso o conheça gostaria de saber sua opinião.

      Gde. Abc!

      Marcelo

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