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quinta-feira, 4 de julho de 2019

Batman - O Messias


Batman já foi desconstruído muitas vezes. Talvez a mais famosa e emblemática vez foi em 1986 pelas habilidosas mãos de Frank Miller em seu Batman - O Cavaleiro das Trevas. Mas poderíamos citar também Asilo Arkham do polêmico Grant Morrison. Mas tanto Miller quanto Morrison fizeram esta desconstrução focando no "Mito" Batman, sem ferirem de forma profunda a psiquê do Morcego, quebrando suas barreiras psíquicas contra a dor e senso de realidade, levando-o para uma imobilizadora fragilidade. A coragem de fazer esta desconstrução mais visceral deve ser atribuída (em minha opinião) à Jim Starlin (sim, o criador do Thanos). Conhecido por suas psicodélicas e incríveis sagas cósmicas envolvendo o Capitão Marvel, Thanos, Warlock Gamora entre outros, Starlin ousou quebrar o Morcego no final da década de 80 em Batman - O Messias, desnudando sua infalibilidade tão conhecida, sua dureza e frieza, deixando-o de joelhos e colocando palavras nunca antes ouvidas na boca do Cruzado Encapuzado, tais como, "por favor", "socorro" e "pare". Mesmo sagas como A Queda do Morcego de Doug Moench e Jim Aparo quebraram Batman apenas em seu físico, não em sua mente. Mas que vilão Jim Starlin usou em O Messias para quebrar Batman neste nível? Que vilão teria conseguido este triunfo? O Coringa, em sua psicopatia lúdica? Bane, com sua anabolizada bestialidade? Ra´s al Ghul, em sua letal megalomania? Na verdade não... Este troféu foi para um homem "santo"... um religioso... o desconhecido Diácono Blackfire.


Lançada nos EUA em 1988, a minissérie O Messias levou Batman para locais nunca antes vistos (pelo menos por mim) até então. Quando li a história na época de seu lançamento no Brasil, entre maio e agosto de 1989 (eu tinha algo em torno de 17 anos), fiquei chocado com os níveis de brutalidade, crueldade e violência da história. Mas não apenas por isso, mas sobretudo pela fragilidade com que o autor expõe Batman. Não darei spoilers da história aqui, apenas linhas bem gerais do que se trata O Messias. A 1ª parte da minissérie já apresenta um Batman quebrado, algemado, machucado, drogado, com fome, sede e alucinando nas catacumbas de Gotham City. Neste estado Batman é levado a questionar os limites da realidade e se vê a mercê das palavras do Diácono que o converte à sua seita. Daí em diante o Diácono avança em seu plano de tomar Gotham a partir de seus fiéis, a maioria rejeitados, bêbados, mendigos e párias sociais. A opinião pública se divide quanto aos intentos de Blackfire já que sob o comando de seus fiéis, os crimes vão escasseando, tornando Gotham uma cidade enfim segura.


Batman é questionado inclusive sobre isso, já que seus métodos nunca conseguiram dar conta de quase 100% dos crimes, coisa que o Diácono consegue. Como somos leitores acostumados a encontrar um Batman na maioria das vezes infalível, que sempre possui "planos Bs" para tirar da "cartola", ficamos a todo momento durante esperando a "grande virada" do Morcego. Ou seja, o momento no qual Batman vira o jogo em toda sua glória investigativa e estratégica. Porém, em O Messias isso não ocorre. O Homem-Morcego tem que sair sozinho de seu estado. Embora receba algum apoio logístico do Robin da época (Jason Todd), o caminho por meio do qual Batman ressurge é o difícil e doloroso caminho da luta interior. Mesmo nas páginas finais da história, o Batman que aparece ainda é um homem alquebrado e cheio de dúvidas.


O Diácono Blackfire, embora tenha conseguido a façanha de dobrar Batman em seu psiclógico, é (em minha opinião) um vilão "clichê". Em nenhum momento da história ele explicita concretamente seu evangelho. Na verdade apenas evoca continuamente um discurso messiânico genérico. Talvez Starlin não quisesse causar polêmica nesse aspecto. Há partes da narrativa em que Blackfire lança mão de recursos retóricos como "martírio pessoal", "círculo pessoal de seguidores", como se quisesse emular os passos de Jesus. Estranhamente, no entanto, Starlin caracteriza Blackfire com feições indígenas norte-americanas. Nas poucas páginas em que a origem do diácono é contada, se observa que ele tem centenas de anos, e estava vivo mesmo antes do estabelecimento das primeiras colônias britânicas na região da Nova Inglaterra nos EUA. Em alguns momentos da leitura tive um lampejo de que Starlin talvez quisesse usar Blackfire como uma metáfora de "vingança" dos povos indígenas contra a usurpação que o homem branco fez. Porém, isso seria apenas especulação de minha parte.


O novo encadernado da Panini traz uma interessante introdução com texto do próprio Jim Starlin, no qual o roteirista situa a trama de O Messias dentro de uma temática bem real da história humana: a censura. Starlin destaca que em vários momentos no passado antigo e recente dos quadrinhos, sobretudo nos EUA, ocorreram tentativas sistemáticas de se censurar as histórias. O exemplo mais conhecido e destacado por Starlin, obviamente, foi o que ocorreu na década de 50 a partir da publicação do livro A Sedução do Inocente de Fredric Wertham em 1954. Setores conservadores da sociedade conseguiram aval do governo da época para implantarem um selo de censura nos quadrinhos, o Comics Code Authority. O resultado foi uma longa fase de HQs infantilizadas, o que fez com que talentosos quadrinistas tivessem que mudar de ramo. No final de década de 80 porém, com a maior profundidade dada aos Super-heróis a partir de histórias como as de Frank Miller, Alan Moore e Neil Gaiman, houve nova tentativa de setores da sociedade para restringir a liberdade de roteiristas. Starlin diz que Batman - O Messias foi seu grito contestatório contra esta nova onda de censura. Sua tentativa de se posicionar firmemente contra este tipo de movimento.


A arte de Batman - O Messias ficou por conta do saudoso Bernie Wrightson. Vetereno de revistas voltadas para o terror como Eerie e Creepy (publicadas no Brasil na revista Kripta), Wrightson faleceu recentemente em 2017. A importância do desenhista extrapola seu ofício, já que foi co-criador do personagem Monstro do Pântano. Particularmente achei que a forma como a HQ foi colorizada por  Bill Wray fez desmerecer a arte de Wrightson. O aspecto final da história em sua estrutura artística fez com que ficasse datada, muito embora o enredo seja altamente atual. Ao lê-la, o leitor mais experiente lembrará muito de histórias da década de 90, tais como Batman - Shaman, Batman - O Filho do Demônio e Batman - Mestres do Futuro, continuação de Batman 1889.

Capas da Minissérie lançada no Brasil em 1989

A versão de Batman - O Messias de 1989 da Ed. Abril é uma das pérolas da minha coleção. Apesar do tempo, consegui manter os 4 fascículos da minissérie original comigo (acima). Mesmo assim, comprei o novo encadernado da Panini. Achei que era uma história que merecia ter em minha coleção em um outro formato. Bem amigos, recomendo a HQ e ficaria contente de receber as opiniões de vocês sobre a história.

Arte de Bernie Wrightson em Batman - O Messias.

Um grande abraço à todos!

8 comentários:

  1. Olá grande amigo Fabiano...

    Muito bom ver novamente seu comentário por aqui! Olha... Não sei se essa história estará naquela coleção viu. No entanto, o relançamento da PANINI está sendo vendido e na AMAZON sempre há boas promoções. Acabei de checar aqui e o preço está de 71,00 por 56,00. Comprei esse encadernado da PANINI e achei com ótimo acabamento. SE eu ficar sabendo se esta história vai constar na coleção da Planeta eu te aviso.

    Abcs!

    Marcelo

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  2. blz marcelo?

    gosto bastante desta HQ do batman (top 5 provavelmente), tanto texto quanto arte são excelentes.
    a situação em que o batman se encontra nos lembra muito mais uma HQ da marvel (o herói fragilizado) do que da DC (um deus) e acho que isso é o grande atrativo da mesma.
    também tenho a versão em quatro partes da abril e a grandes clássicos DC 11 da panini e vou ficar só com estas mesmo.
    a gourmetização das HQs está foda, HQ nunca foi baratinho mais atualmente está difícil, cultura mais simples (HQS, cinema, shows entre outros) no nosso país de maneira geral é só pra endinheirados, moro em santa rita do sapucaí, sul de minas gerais, e no mês passado teve show acústico dos titãs (que agora é composta somente por três membros originais) e o ingresso custava "somente" R$ 180 mangos, é claro que não fui, até gostaria, mais por esta grana num rola.

    abraço

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    Respostas
    1. Oi Gustavo!

      Tudo bem amigo??!! Legal ter novamente seu comentário por aqui!

      Tem razão sobre a forma como o Batman é tratado. Li a história na época em que foi lançada no Brasil e na época me chamou mais a atenção a questão da violência. Ao lê-la agora, mais velho, pude sacar outras nuances como por exemplo a forma com que Batman é tratado, ou seja, de forma totalmente diferente da infalibilidade característica que todos os roteiristas o tratam.

      Eu tenho a minissérie da Abril com a capas que pus acima. São meu orgulho. Não apenas por terem sobrevivido ao longo da minha vida ao meu lado, mas porque é uma material excelente.

      Agora... Sua observação a acerca da elitização é totalmente verdade. Há dois dias fui ver Homem-Aranha: Longe de Casa e quando fui pagar o ingresso era R$ 20,00. Até perguntei para a moça que havia pedido "meia" e queria confirmar se 20 reais era meia mesmo e ela falou que sim! Daí pensei... CARACA!!!! Isso quer dizer que se eu não tiver benefício algum teria que pagar 40 paus!!!! 40 reais por um ingresso de cinema!! Quem pode pagar isso por diversão em um país com alta taxa de pessoas que ganham salário mínimo!!!???

      Tem toda razão. Triste situação! Ser nerd virou coisa para rico agora?? Fica minha pergunta...

      Abração amigo!


      Marcelo

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  3. Gostei muito da análise Marcelo, também tinha essa idade quando li a minissérie e tenho guardada ainda essa versão da Abril. Acompanhava os lançamentos de quadrinhos no Caderno 2 do Estadão que tinha uma qualidade incrível nesse aspecto. Foi por ali aliás que conheci o Príncipe Valente e o Tarzan de Burne Hoghart. Fiquei animado com a perspectiva de um material do Batman com desenho do B.W. depois de conhecer o trabalho dele em Homem-Aranha Marandi mas lembro-me da imensa decepção com a colorização desleixada, talvez o único senão da obra. Abraços!

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    Respostas
    1. Olá amigo!!! Tudo bem? Seja bem vindo!

      Fico contente que tenha gostado!! Você cita o falecido CADERNO 2 do Estadão. Adorava tanto o formato como a forma que o conteúdo era abordado nele.

      Você cita trabalhos que eu não conhecia (Homem-Aranha Marandi e o Tarzan de Burne Hoghart). Entraram no meu radar!

      O Messias do BW é um exemplo de como a colorização pode deixar uma obra menor do que ela é.

      Apareça mais vezes amigo!

      Forte abraço!

      Marcelo

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    2. marandi do homem aranha é bem legal, o BW arregaça na arte, tem uns monstros bem legais na HQ, se não me engano é a graphic novel número 4.
      a panini bem que poderia republicar, já republicou várias GN mesmo.

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    3. Valeu pela dica Gustavo... Com certeza entrou para meu radar!!

      Forte abraço!

      Marcelo

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  4. Olá, Amigo. Li na mesma época em que você e ainda tenho os fascículos originais na minha coleção. concordo plenamente com seu artigo e também considero esta uma das melhores histórias do Batman. Abraço.

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