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sábado, 31 de março de 2018

Duna de Frank Herbert - Livro 1

Ilustração de Marc Simonetti - Editora Aleph

Alguns livros precisam ser conquistados, domados pelo leitor. Sua leitura torna-se uma epopeia, uma batalha que exige estratégia, força, e que, ao longo do tempo, vai se mostrando valer a pena cada minuto investido nesta solitária e íntima batalha que só você tem acesso. Uma batalha que não aparece a olhos vistos, mas é ferrenha em nossa mente. Duna, livro de 1965 de Frank Herbert é um desses livros que vale cada gota de sangue, suor e lágrima derramada sobre ele. Um marco da ficção científica vencedor de vários prêmios que transcende o gênero e alça vôos por outros nichos literários e temas tais como, religião, espiritualidade, poesia, ecologia, política, economia, guerra, vingança, sobrevivência, dor e porque não... vida. Um Universo Ficcional (e aqui talvez eu magoe algumas pessoas) tão rico e profundo que talvez até supere o Universo da Saga da Fundação de Isaac Asimov (até então o melhor para mim) e do Senhor das Anéis de J.R.R. Tolkien. Esta superação talvez ocorra porque Herbert alcança um tom de sacralidade e misticismo muito mais profundo e tocante que coloca sua obra em um nível de credibilidade nunca antes visto por mim. Bem vindos à um Universo de Castas, Religiosidade, Política, Profecias e Messianismo que te levará à uma profundidade interior para a qual a maioria de nós não está preparada. Bem vindo ao Universo de Duna.

Imagem Tradicional de uma Bene Gesserit - Casta de Mulheres iniciadas em Conhecimentos Psicanalíticos

O Universo de Duna é tão vasto que poderia conter centenas de livros, já que o período de tempo em que diversos acontecimentos aconteceram é vastíssimo. Frank Herbert, em seu 1º livro da Saga, começou por um destes eventos primordiais, A Queda da Casa Atreides e ascensão do Herdeiro Paul Atreides. Há 04 forças ao redor das quais o Universo de Duna se constrói: 1) As Grandes e Pequenas Casas, que nada mais são do que feudos familiares de grande ou menor poder; 2) A Irmandade das Bene Gesserit: Mulheres treinadas em rígidos preceitos psicanalíticos e mentais que fazem com que as pessoas cheguem a pensar que tal casta possui poderes místicos, daí o nome de "Bruxas" ou "Feiticeiras" que muitos atribuem às Bene Gesserits; 3) A Guilda Espacial: Um fechado monopólio que no passado dominou as viagens pelo espaço, o que consolidou a coesão do Império; 4) A CHOAM: Uma empresa que detém o comércio da principal e mais rica commoditie da Galáxia, o Melange, ou mais conhecido como a "Especiaria", uma substância que confere ao seu usuário maior longevidade, permitindo a manutenção de sua saúde. No comando deste intrincado equilíbrio encontra-se o Imperador Shaddam IV, da Casa Corrino.

O Planeta Arrakis - Também Conhecido como Duna - Ilustração Sam Weber

Duna, na verdade é o nome que se deu ao Planeta Arrakis, único lugar do Universo conhecido onde se pode encontrar a Especiaria. Duna, no entanto é totalmente árido e possui seus desertos quase infinitos habitados por imensos Vermes da Areia que possuem relação direta com o Melange. Além disso, o planeta possui uma população nativa chamada de Fremen. Homens e mulheres que aprenderam a sobreviver nas agruras do deserto profundo reciclando a umidade dos próprios corpos por meio de trajes altamente especiais (os chamados Trajestiladores). Tudo isso é palco para a história do 1º livro de Herbert, onde nas primeiras páginas ficamos sabendo que o governo de Arrakis foi cedido pelo Imperador à Casa Atreides. Os Atreides são inimigos mortais de outra Casa, a dos Harkonnen, antiga casa gestora de Arrakis. Nada do que coloco neste post é spoiler, já que logo nas primeiras páginas do livro percebe-se que a concessão de Arrakis para a Casa Atreides faz parte de um plano dos Harkonenn para assassinar o Duque Leto Atreides e assim varrer do mapa sua linhagem. Tudo isso poderia mesmo acontecer se não fosse algumas antigas profecias do arredios Fremens, que esperam a chegada de um Messias que um dia iluminará e trará prosperidade à Arrakis. Incrivelmente tais profecias parecem se encaixar totalmente ao perfil do menino Paul Atreides, filho de Leto.

Paul Atreides e o Gom Jabar das Bene Gesserit - Ilustração Sam Weber

Não há como descrever a profundidade com que cada personagem é construído e desenvolvido por Herbert no livro. O Universo de Duna parece-se muito com nossa realidade, no entanto é como se olhássemos por um espelho e enxergássemos um estranho destino para a humanidade. O leitor acompanhará a tragédia abater-se sobre Paul Atreides e ficará atônito com o processo pelo qual o garoto passará para se tornar Paul Muad´dib, o Guerreiro, o Kwisatz Haderach (aquele que pode estar em dois lugares ao mesmo tempo), a Lisan al Gaib (a voz do outro Mundo). Parte da estranheza que nos afeta durante a leitura do livro está na escolha de Frank Herbert em ancorar boa parte de sua mitologia na cultura Árabe ou Indiana. Nossa cultura ocidental acaba por maravilhar-se com a riqueza de termos e costumes dentro de Duna e seus paralelos com as culturas árabe e indu. Este maravilhamento/estranhamento torna-se palpável quando imaginamos que o ponto de partida para muito do que é vivido em Duna são conflitos existentes entre Ocidente e Oriente.

O Barão Harkonnen - Ilustração Sam Weber

Duna seduz e ao mesmo tempo afasta a muitos. Em suas adaptações para outras mídias foi assim também. Em 1975 o já reconhecido cineasta Chileno Alejandro Jodorowsky tentou adaptar para o cinema o Universo de Frank Herbert. Sua empreitada se mostraria um calvário que no final não teve êxito. Tal empenho rendeu um famoso documentário chamado Duna de Jodorowsky, filme biográfico de 2013 no qual é narrado as dificuldades, tentativas e fracassos para a produção de Duna. O cineasta David Linch levaria Duna ao cinema em 1984. Com visual marcante, estranho e em sintonia com os conceitos de Herbert, Linch trouxe atores muito interessantes para os papeis principais, dentre eles Kyle MacLachlan (de Twin Peaks, também de Linch) interpretando Paul Atreides, o músico Sting como o na-Barão Feyd‑Rautha Harkonnen (herdeiro do Barão Harkonnen) e até Patrick Stewart como o Guerreiro da Casa Atreides chamado Gurney Halleck. Embora capitaneado por um cineasta talentoso como David Linch, o filme Duna mostrou-se um Universo a ser conquistado mesmo para cineastas deste calibre, naufragando nas bilheterias na época.

Lady Jessica (Bene Gesserit mãe de Paul Atreides) ao beber da Água da Vida - Ilustração Sam Weber

Duna também foi adaptado na forma de minissérie pelo Canal Sci-fi Channel. A minissérie teve uma continuação chamada Filhos de Duna, produção englobando os dois livros subsequentes à Duna, Messias de Duna de 1969 e Filhos de Duna de 1976. Não assisti à estas minisséries, portanto não posso dizer se são boas. Minha maior expectativa no momento está voltada para uma possível nova produção de Duna para o cinema tendo à frente o cineasta Denis Villeneuve, diretor de Blade Runner - 2049, A Chegada e Sicario. O Universo Duna é tão rico que, além de cineastas, também chamou atenção de diversos ilustradores, que tentaram deixar sua visão dos lendários e estranhos personagens da Saga. Algumas destas interpretações já foram apresentadas acima (de Marc Simonetti e Sam Weber). Abaixo segue a visão do ilustrador Tom Kraky.

Casa Atreides

Casa Harkonnen

Homens do Círculo Interno dos Atreides

Homens Fremen

Aqui fica meu testemunho da beleza, estranheza, riqueza e profundidade do Mundo criado por Frank Herbert. A Editora Aleph lançou no Brasil os 04 primeiros livros da Saga em excelente acabamento: Duna (1965), Messias de Duna (1969), Filhos de Duna (1976) e O Imperador Deus de Duna (1981). Faltaria ainda Os Hereges de Duna (1984) e As Herdeiras de Duna (1985). Todos estes livros são de autoria do criador Frank Herbert. Posteriormente ao falecimento do autor em 1986, seu filho Brian Herbert publicou outros livros em parceria com Kevin J. Anderson expandindo mais ainda o Universo criado por seu pai. Tais livros não possuem publicação no Brasil, são eles: House Atreides; House Harkonnen; House Corrino (Prelude to Dune 3); The Bluterian Jihad; Dune: The Machine Cruzade; The Battle of Corrin.

Grande abraço à todos!

domingo, 25 de março de 2018

Miniatura Marvel Nº 58 - Jaqueta Amarela

Miniatura Marvel Nº 58 - Jaqueta Amarela

Em que mundo vive Henry (Hank) Pym (o alter ego do Homem-Formiga e do Jaqueta Amarela)? Hank sempre viveu no mundo dos livros e das pequenas coisas. Mas não só ali... o Dr. Pym também habita em obscuros lugares da psiquê humana. Arrastado por questões que envolvem autoestima, autodepreciarão e ao mesmo tempo uma dificuldade muito grande de enxergar seu próprio valor, Hank foi sendo corroído em sua brilhante mente. Uma mente que rivaliza com outras grandes mentes do Universo Marvel, como por exemplo Reed Richards, Tony Stark e Victor Von Doom. Hoje revisaremos um pouco do passado deste que é um dos Vingadores fundadores e participou direta ou indiretamente de vários momentos cruciais da mitologia Marvel como um todo.

Miniatura Marvel Nº 58 - Jaqueta Amarela

Talvez justamente em função de sua personalidade cheia de facetas, Hank foi um dos homens que mais mudou de codinome em sua vida heroica, tendo sido chamado de Homem-Formiga, Gigante, Golias e Jaqueta Amarela. A Coleção de Miniaturas Marvel da Eaglemoss representa Hank Pym em duas de suas encarnações: Jaqueta Amarela e Gigante, este último dentro do segmento especial da coleção. A representação de Jaqueta Amarela ficou bem interessante. Aliás, seu uniforme sempre me chamou muito a atenção. É impossível não observar linhas e  acessórios que nos lembram um inseto (talvez a grande fonte de inspiração da vida de Hank), em especial a formiga. A grande aba que se projeta a partir do cinto ganhando altura e volume ao longo do tórax, ombro e costas é arrojada e totalmente vinculada à época (final da década de 60). Época em que trajes futuristas deste tipo eram criados para representar exploradores, viagens espaciais e psicodelia. Por isso, embora possa nos parecer estranho um traje como este atualmente, ele era perfeitamente ajustado às intenções da época.

Miniatura Marvel Nº 58 - Jaqueta Amarela

A máscara cobre parte do rosto e conjuga um par de antenas favorecendo a vinculação ao estereotipo do inseto. Luvas e botas negras e lustrosas nos dão a impressão de serem de borracha, algo compatível com o resto da indumentária. Há alguns deslizes na pintura da peça, deixando os contornos e os limites entre as cores não muito bem delimitados, isto poderia ter sido melhor realizado. No entanto, a modelagem da musculatura é bem correta, tanto de membros inferiores (quadríceps e panturrilhas) quanto de membros superiores (deltóides, bíceps, tríceps, peitorais e abdominais). A presença da heroína e ex-eposa de Hank, a Vespa, sobre o ombro esquerdo do herói traz um toque bem interessante e, apesar de sua versão diminuta, a heroína aparece bem. Gosto desta peça como um todo e na estante ela tem boa presença.

Miniatura Marvel Nº 58 - Jaqueta Amarela

Falemos então do Dr. Pym a partir dos acontecimentos mais longínquos de seu passado, seu casamento com a Húngara Maria Trovaya. Maria era emigrante da Hungria comunista e os eventos que envolveram este primeiro e curto casamento de Hank não são tão claros. O casal resolveu passar a Lua de Mel no país natal de Maria, sem perceberem o perigo que isso representava, pois em represália à deserção de Maria ela foi assassinada pela polícia Húngara (possivelmente para prevenir futuras deserções). De volta aos EUA, um arrasado e impotente Hank jurou lutar contra injustiças como a que sofrera, e assim assumiu seu lado científico, tornando-se um dos maiores bioquímicos do mundo, também especializado em robótica. A primeira grande descoberta de Pym foram as partículas subatômicas que foram batizadas com seu nome (Partículas Pym). As partículas permitiam que Hank manobrasse massa para uma dimensão paralela, daí a capacidade que ele ganharia tornando-se diminuto (em sua carreira como Jaqueta Amarela e Homem-Formiga) ou enorme (em sua carreira como Gigante e Golias). Não sabemos exatamente se foi o assassinato de Maria que trouxe à alma de Hank suas desconfianças a respeito de si mesmo, mas sabemos que desde sua primeira investida no mundo dos heróis como Homem-Formiga ela já estava presente.

Miniatura Marvel Nº 58 - Jaqueta Amarela

Dentre seus primeiros atos heroicos, ainda como Homem-Formiga, Hank salvou a jovem recém órfã, herdeira e socialite Janet van Dyne de um raptor alienígena. Janet era um misto de "patricinha", aventureira e dama da alta sociedade e, talvez por isso tudo, encantadora. Hank e Janet passaram a namorar a não tardou para que ela também passasse a utilizar as partículas de Pym, assumindo o codinome de Vespa. Hank e Janet participaram da formação original dos Vingadores, sendo considerados membros fundadores ao lado de Thor, Homem de Ferro e Hulk. Talvez o maior ponto de inflexão na vida de Hank tenha acontecido logo à frente, ou seja, o que foi seu maior triunfo também foi seu maior e eterno pesadelo, a criação da Inteligência Artificial Ultron. Instalado dentro de um robô à princípio rudimentar, Ultron logo evoluiu para outras formas que o contivesse. Com um profundo ódio pela humanidade e um total "complexo de Édipo", Ultron tem como único objetivo exterminar a humanidade e fazer Hank sofrer. A raiva de Ultron pelo pai se deve ao fato de seu genitor não ter compartilhado sua terrível visão a respeito da humanidade, gerando no robô um enorme sentimento de abandono.

Miniatura Marvel Nº 58 - Jaqueta Amarela

Hank Pym sofreria o resto de sua vida o tormento por ter criado a coisa mais letal já feita pelo homem. É difícil para nós entendermos como alguém que é um super-herói, rico, casado com uma linda mulher e reconhecidamente um gênio científico, tenha um olhar sobre si mesmo autodepreciativo. Mas isso é mais comum do que pensamos. Quando somos crianças, construímos crenças a respeito de nós mesmos que se consolidam quando crescemos. Caso em nossa infância e juventude não tenhamos o apoio, o reconhecimento e a validação de nossos pais ou responsáveis, possivelmente cresceremos e teremos dificuldade em acreditar que somos funcionais, que o que fazemos tem valor, que aquilo que decidimos deve ser respeitado. Na verdade ficaremos o resto da vida buscando validação para nossos atos e decisões, esperando que as pessoas (geralmente nossos cônjuges, amigos ou chefes) validem quem somos. Lidar com isso é uma das coisas mais doloridas, pois mexe com crenças matriciais que temos a nosso respeito. Em relação a Hank Pym, não temos dados acerca de sua infância ou juventude, mas independente disso sua personalidade amargurada, frustrada e triste por não se sentir à altura dos demais, é um alerta à todos nós. Não é questão de fazermos apologia à soberba ou orgulho (o que está na verdade no outro extremo deste problema), mas sim buscarmos entender que temos nosso valor inerente à nós mesmos, nem mais, mas também nem menos.

Miniatura Marvel Nº 58 - Jaqueta Amarela

O Jaqueta Amarela nasceu dentro de Hank Pym a partir de uma cisão de personalidade. Toda frustração e dúvidas a respeito de seu valor culminaram com a liberação de uma personalidade rebelde, ousada, confiante e impertinente. O deflagrador desta cisão foi um acidente no laboratório de Hank que o fez inalar alguns gases que ajudaram a liberar esta força interna dentro dele. Foi nesta época que Hank (Jaqueta Amarela) e Janet (Vespa) se casaram. Os dois se amavam, mas como em geral acontece, toda frustração e dor de uma pessoa é liberada sobre aquele (a) que está mais próximo (a), e assim foi que Janet foi a primeira heroína dos quadrinhos a receber maus tratos do marido e a protagonizar um terrível e dolorido caso de violência doméstica (isso aconteceu na década de 70 dentro das revistas dos Vingadores). Tudo isso resultou na expulsão de Hank dos Vingadores e no difícil e longo caminho de sua recuperação. Hank e Janet, no entanto se separariam e viveriam suas vidas separadas apesar do amor mútuo.

Miniatura Marvel Nº 58 - Jaqueta Amarela

Em junho de 2016 a Panini-Brasil lançou uma HQ chamada Vingadores - A Ira de Ultron. O encadernado tem roteiro de Rick Remender e está inserido no selo Original Graphic Novel, o chamado selo OGN. A proposta deste selo é resgatar o conceito inicial de uma Graphic Novel, ou seja, uma história fechada que apresente um tema importante e de grande influência, e não apenas uma coletânea de HQs quaisquer. Vingadores - A Ira de Ultron traz o destino atual de Hank Pym. Distante de Janet, e consumido por mágoas, frustrações e decepções, Hank tenta lutar contra a oferta de Ultron, que sempre foi que se juntasse a ele na cruzada contra as incoerências e pecados da humanidade. O encadernado é excelente e recomendo sua leitura para entender Hank Pym e seu trágico e, por enquanto, atual destino!!

Ok amigos... Um forte abraço à todos vocês!!

sábado, 17 de março de 2018

Pantera Negra


Infelizmente não sou antropólogo, sociólogo ou historiador como a maioria dos usuários do Facebook, por isso gostaria de fazer alguns comentários sobre o filme Pantera Negra (EUA 2018) sob a perspectiva de um simples fã que procura não perder aquela velha "chama" que brilhou a 1ª vez que viu este fantástico mundo ficcional dos quadrinhos. Muitas vezes as teorias, academicismos e análises dentro de análises acabam por enterrar aquele brilho que todos nós "nerds" temos dentro de nós, acabando por restar apenas pessoas que não são mais capazes de enxergar o simples, o encantador e o catártico nestas histórias. São "nerds" que se perdem no caminho e se transformam em peças ocas nas quais um dia habitou o brilho que mencionei acima. Pantera Negra atendeu todas as expectativas que eu tinha e as superou, entendendo que minhas expectativas estavam ancoradas na perspectiva que mencionei acima, ou seja, de alguém que não quer se perder no mundo virulento das agressividades tão vigentes hoje em dia nas redes sociais, mas quer apenas ver seus personagens amados representados na tela.


Dito isto, eu gostaria de citar características que, para mim, fizeram do filme um manifesto da rica, milenar, sofrida e poderosa cultura negra. Uma das coisas que mais gostei foi o fato do Diretor ter conseguido construir Wakandanos realmente livres e que nunca sequer se sentiram marginalizados. Eles apenas eram o que eram, ou seja, pessoas como qualquer outra. Tanto que para muitos deles a ideia de existir um mundo onde o quesito "raça" promova certas divergências soa até patética. Com isso o Diretor Ryan Coogler transcendeu a discussão racial (muitas vezes superficial) que toma conta de incontáveis páginas do Facebook. Um ser humano é um ser humano, e ponto. Por outro lado, Coogler não cai na fantasia utópica também, uma vez que traz para o palco alguém que viveu a segregação e a dor, o "vilão" Killmonger. A pergunta aliás, que me ocorreu ao ver as motivações de Killmonger foi: É possível que depois de tanta dor, humilhação e frustração uma raça possa simplesmente mudar uma "chave" mágica e se torne um povo como os Wakandanos, com todos os predicados mencionados acima? Esta é uma das muitas questões que se apresentam diante do espectador ao longo da obra, um verdadeiro choque de irmãos com destinos diferentes.


Outro ponto maravilhoso no filme foi o orgulho com que foi interpretado e apresentado a cultura africana. Poderosa, colorida, profunda e antiga. Muitos já passaram pela experiência de assistir um filme e querer se parecer com os personagens apresentados na tela. Pois foi assim que me senti, quis ser negro, ser detentor daquela força, poder, ginga e alegria. Em meu post no Facebook mencionei que o filme transcendia seu gênero ao apresentar esse elemento, e acredito que ao proporcionar tais sensações, é isso mesmo que ocorra, ou seja, o gênero de "super-heróis" tem um incrível potencial de fortalecer culturas, inspira-las e produzir padrões elevados a serem seguidos. Tudo isso sem perder de vista o Universo ficcional e canônico no qual os personagens estão inseridos. Cabe dizer, aliás que o gênero "super-herói" sempre será relevante se ele fizer o que algumas importantes obras de fantasia fizeram no passado (Star Trek, Star Wars...), ou seja, mantiveram-se fiéis ao humano e não deixaram o "efeito especial", as explosões, violência e a pancadaria serem o prato principal. O principal sempre terá que ser o homem, suas incoerências, discrepâncias, idiossincrasias e dores.


Todas as mulheres do filme estavam excelentes em minha opinião. Todas mostraram-se à altura do papel que tinham, sem perder a feminilidade e charme. Cito também um aspecto que me deixou extremamente interessado, que foi o sotaque dos Wakandanos. Percebe-se uma entonação própria que os diferencia. Talvez isto tenha contribuído para serem vistos com o distanciamento necessário para serem considerados uma nação distinta. Não pareciam Norte-Americanos, mas sim homens e mulheres vindos de um outro lugar. Este detalhe trouxe credibilidade e identidade distinta ao povo, diferenciando-os do norte americano. Acredito que isso foi proposital para gerar este efeito.


Gostei muito do fato de Martin Freeman (o personagem que representava o ocidental típico no filme) ter tido um papel relevante mas ao mesmo tempo secundário, ou seja, os protagonistas eram os Wakandanos. Digo isso porque sempre foi "lugar comum" nos filmes a trama ser resolvida por um herói tipicamente americano ou europeu. Nada contra isso, mas poucas vezes se viu o contrário no cinema, ou seja, quem chega para salvar o dia em Pantera Negra, ou que tem a força para mudar as coisas não são os típicos ocidentais, mas os próprios africanos habitantes de sua terra. A Marvel teve a sensibilidade de empoderar quem deveria efetivamente ser empoderado no filme. Lembro, por exemplo, da crítica de Muhammad Ali quando, em uma entrevista, ele mostrou sua estranheza frente ao fato do Homem das Selvas (no caso Tarzan) ser um homem branco que trazia a habilidade de se comunicar com os animais e liderar as tribos africanas. Seria muito mais plausível imaginar que o detentor de tais habilidades fosse um homem negro africano, uma vez que seu povo habita aquele continente há centenas de milhares de anos. Este tipo de inconsistência não existe em Pantera Negra.


Um dos momentos mais importantes para mim foi a cena de morte de Killmonger ao lado do Pantera Negra ao por do sol Wakandano. Estranhamente durante a cena foi possível perceber a formação de um vínculo entre os dois personagens. Algo que só se forma quando há um grande respeito entre dois oponentes. A frase de Killmonger resume muito a epopeia do seu povo quando ele diz que preferia "pular do navio" e morrer no mar (referência aos negros que preferiam pular dos navios negreiros a serem conduzidos para uma morte lenta como escravos) do que ser preso novamente. O comentário do Killmonger dá a dimensão da tragédia de todo um povo.


Por fim, não posso deixar de mencionar as várias "alfinetadas" que o filme dá em alguns líderes mundiais, dentre elas a citação sobre a necessidade da "construção de pontes" e não de "muros" entre nações. Em um mundo em que seus líderes apelam cada vez mais para expedientes separatistas, protecionistas e algumas vezes xenófobos é muito importante termos filmes e obras que se coloquem contra isso.

Bom amigos... É isso aí... Deixo meu grande abraço à todos vocês e Wakanda Forever!!
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