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segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

Viagem Literária - 2018


2018 foi um ano eclético no que se refere à minha experiência literária. Tudo começou nas planícies do árido Planeta Arrakina (também chamado de Duna) na epopeia cósmica, mística e política de Frank Herbert no livro DUNA. Voltei à Terra para aprender sobre a vida intrauterina pelos olhos de um feto que narra sua história ao tentar salvar seu pai de um ardiloso plano de assassinato perpetrado pela sua mãe e seu tio (qualquer semelhança com Hamlet de William Shakespeare não é mera coincidência), em ENCLAUSURADO. Depois me voltei novamente para o céus levado pela mão do pesquisador Don Lincoln que investiga quais seriam as chances reais de existir vida inteligente fora da Terra no livro UNIVERSO ALIEN. Continuei no espaço para conhecer a história original de O PLANETA DOS MACACOS e, voltando à Terra, encontrei o relato místico-científico de Arthur C. Clarke em AS FONTES DO PARAÍSO. Retornei ao Universo de Duna na sequencia da história de Frank Herbert, O MESSIAS DE DUNA, e finalizei o ano conhecendo outro aspecto místico de nosso Mundo, o relato das Aparições de Nossa Senhora de Fátima, por meio do excelente FÁTIMA - MILAGRE OU CONSTRUÇÃO.


Se O Senhor dos Anéis de J.R.R Tolkien e A Saga da Fundação de Isaac Asimov estão entre as obras máximas da literatura fantástica/ficção de todos os tempos, DUNA de Frank Herbert as rivaliza de igual para igual. Ou talvez até avança para além do que é discutido nas duas obras acima. Em DUNA, Herbert elabora um universo ficcional mais profundo e místico. Política, sociologia, religião, misticismo, messianismo entre outros temas, que eram apenas citados em O Senhor dos Anéis e na Saga da Fundação, em DUNA permeiam todas as páginas do livro. Talvez por isso esta extraordinária Saga da família Atreides não seja tão conhecida do grande público. DUNA é sem dúvida uma leitura extraordinária e modificadora.


ENCLAUSURADO foi um livro que me chamou atenção a partir do que li a seu respeito em algumas críticas literárias. Praticamente uma adaptação de Hamlet de Shakespeare, porém tendo como personagem principal, no lugar do jovem príncipe, um feto. O livro não é ruim, no entanto confesso que esperava mais em função do que acredito que poderia ter sido explorado a partir de uma ideia tão original como essa. Na verdade as percepções do feto correspondem à visão que o autor tem do mundo, ou seja, o autor usa o pequeno ser ainda dentro do útero de sua mãe para ser seu porta-voz para comunicar muitas das suas ideias a respeito de nosso tempo. Isso não é ruim, mas acabou por retirar um pouco do brilho que os pensamentos de um feto realmente teria dentro de um útero. Vale, no entanto conferir.


Perdido entre os lançamentos das livrarias, encontrei UNIVERSO ALIEN. Você pode achar que este é apenas um livro para discutir o fenômeno pop dos aliens, mas não é. Nele, Don Lincoln (físico sênior do Fermilab, principal laboratório de física de partículas dos EUA), nos apresenta às reais chances de existir vida inteligente fora da Terra. Mas não só isso, Don vai além e discute as chances reais desta vida inteligente ser baseada em algum outro elemento químico diferente do nosso (o carbono). Ou seja, seria possível a existência de formas de vida tão diferentes de nós como visto em tantos filmes de ficção científica? A narrativa é simples e ajustada para o público leigo, sem perder de vista seu lastro na ciência de ponta. Em suma, um livro que você lê e passa a entender porque a vida é tão rara e porque o carbono é o elemento tão especial dentro da constituição da vida. Recomendo!


Na minha pilha de leitura já há algum tempo, a edição com a história original de O PLANETA DOS MACACOS da Editora Aleph estava me aguardando. Com um acabamento gráfico diferenciado a edição traz extras que emolduram a obra e a ressignificam de forma excelente, a saber: 1) uma entrevista dada por pelo autor Pierre Boulle em Fevereiro de 1972 à Revista Francesa Cinefantastique; 2) uma análise da obra do autor por Hugh Schofield da BBC News Paris; 3) um posfácio por Bráulio Tavares. A história original, e que deu origem ao filme de 1968, guarda importantes diferenças com sua contraparte cinematográfica, o que a torna realmente curiosa ao leitor já conhecedor dos filmes. Para aquele que não conhece as adaptações cinematográficas, o texto de Boulle é cheio de inferências antropológicas e até filosóficas acerca de nossas origens e de quem somos realmente enquanto espécie. Além de tudo, o livro é uma grande aventura de ficção científica. Recomendo!


Arthur C. Clarke é consagrado no universo literário como um dos grandes nomes da Hard Science Ficction. Mas para mim ele se consagrou depois que li 2001 - Uma Odisseia no Espaço e O Fim da Infância. Por isso, qualquer lançamento do autor em terras brasileiras está permanentemente em minha mira. AS FONTES DO PARAÍSO, lançado pela Editora Alpeph, seguiu essa curiosidade. Dono de uma narrativa que mescla muito bem conceitos científicos com filosóficos, Clarke não decepciona neste romance no qual um Engenheiro mundialmente conhecido busca a construção de um elevador para as estrelas a partir do maior pico da Terra no Sri-Lanka (antigo Ceilão). Gostei!


Como um ímã, a Saga Duna me atraiu para sua continuação em MESSIAS DE DUNA, a continuação direta do 1º livro. Neste segundo e mais hermético livro, Herbert mostra o destino do personagem principal, Paul Atreides. Elevado (e esmagado) à um nível de divindade, Paul enfrenta intrigas palacianas e cumpre seu destino no Planeta Duna. Toda mística, religiosidade e política estão presentes. Mas MESSIAS DE DUNA realmente é um livro para quem já tenha lido o primeiro.


Após uma viagem que fiz à Portugal e, por conseguinte à cidade de Fátima, retornei ao Brasil determinado a conhecer o que realmente aconteceu nos meses de 1917 na pequena aldeia de Aljustrel na província de Leiria em Portugal. FÁTIMA - VERDADE OU CONSTRUÇÃO é um livro que saciou plenamente minha curiosidade. Escrito pela jornalista portuguesa Patrícia Carvalho, o livro transita entre os dois polos de opiniões (à favor e contra a veracidade de Fátima). Para mim o grande destaque do livro é termos acesso aos depoimentos originais de Lúcia (a vidente mas importante do trio de pastorinhos que presenciaram ao longo de 9 meses as aparições da "Senhora"). É correto que o mito de Fátima obteve sim uma dose de construção por parte da Igreja ao longo do Séc. XX, no entanto entrar em contato com os depoimentos originais de uma pequena pastora semianalfabeta nos faz aceitar que algo realmente sobrenatural aconteceu ali. Recomendo muito!

Bem amigos, esta foi minha viagem literária ao longo de 2018. E a sua? Por onde você viajou em sua poltrona!!??

segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

Destaques 2018


Olá amigos... Como faço tradicionalmente todo fim de ano, trarei nesta matéria as HQs que li e que foram destaques para mim em 2018. O post dirige-se às HQs que li, e não necessariamente àquelas lançadas este ano. Sendo assim, você encontrará algumas obras lançadas já há algum tempo, enquanto que outras realmente tiveram sua estréia no mercado brasileiro em 2018. A ordem em que as HQs aparecem abaixo obedecem minha ordem cronológica de leitura. Vamos lá?

Dezembro de 2016

Guerras Secretas (Ed. Especial da Panini) em janeiro de 2018. Há muito esta obra estava em meu radar. Não apenas por ser extremamente recomendada pelos leitores, mas porque estabeleceu um padrão quanto às grande sagas envolvendo super-seres ao ser lançada em 1984 nos EUA. A história é realmente cativante. Tanto que fiz uma matéria especial sobre ela no início deste ano. Quem quiser ler mais a respeito dela Clique Aqui para ser direcionado.

Outubro de 2017

Outubro de 2017

O criador de Thanos (Jim Starling) foi catapultado ao estrelato quadrinístico na década de 70 ao conceber uma verdadeira Epopeia Cósmica envolvendo o estranho, enigmático e cativante herói Warlock. O personagem é um misto de Messias e Super-Herói e teve seu destino entrelaçado ao de Thanos a partir desta Saga que saiu pela editora Salvat dentro da Coleção de Graphic Novels (apelidada de Coleção Salvat Capa Preta). A história é fantástica e traz toda psicodelia e misticismo dos anos 70. Recomendo fortemente sua leitura e aproveito e dou uma importante dica: leiam antes destes dois encadernados o encadernado de Nº 44 da Coleção (também da Salvat) Os Heróis Mais Poderosos da Marvel (apelidada de Coleção Salvat Capa Vermelha). Neste outro encadernado temos os eventos que antecedem a história apresentada nestes dois acima. Você terá uma excelente experiência de leitura ao realiza-la nesta ordem que proponho.

Abril de 2018

Lançada em Abril de 2018 "Fruto Estranho" traz um "conto", ou talvez uma "fábula de realismo fantástico" pelas mãos do aclamado roteirista Mark Waid. A história se passa dentro do micro-cosmo racista e impiedoso que foi (e talvez ainda seja) o sul dos EUA, aqui mais especificamente os anos 20. À beira de enfrentar uma enchente avassaladora, uma pequena comunidade se une para tentar conte-la. Ânimos aflorados e traumas escondidos vem à tona durante esta crise na forma de um profundo e violento racismo. A obra conta com uma arte estupenda de J.G. Jones. Há muito tempo que não me surpreendia tanto com uma arte como esta. Tive vontade de não virar as páginas, pois eu ficava com a sensação de não ter absorvido tudo que suas aquarelas mostravam. O nome "Fruto Estranho" vem do fato de que no sul dos EUA, era comum negros serem enforcados e ficarem durante dias pendurados nas árvores como se fossem estranhos frutos. Mark Waid não deixa, no entanto de trazer o elemento super-heróico para o quadrinho e o leitor terminará a leitura com a sensação de que, infelizmente, mesmo o super-heroísmo às vezes não é páreo para a maldade que reside no coração do homem. O prefácio é excelente e situa a obra dentro de uma trilogia temática escrita por Waid, dentro da qual a HQ "Imperdoável" seria a primeira.

Fevereiro de 2018

Setembro de 2018

O roteirista Tom King, ao lado de Jeff Lemire, tem sido a grande descoberta do mundo dos quadrinhos com histórias originais sintonizadas com o Zeitgeist de nosso tempo. Estes dois encadernados trazem uma leitura extremamente filosófica e cativante sobre o Vingador Sintozóide conhecido como Visão. Questões acerca do que nos define como seres humanos e sobre a natureza do "amor" permeiam toda história. A narrativa é extremamente atual, trazendo problemas como violência nas escolas, racismo, vida em família... sem deixar de lado o fato de que é um quadrinho de Super-herói. Ou seja, o leitor não se sentirá ludibriado ao comprar a HQ. Tom King (como ex-agente da CIA) sabe delinear uma história conduzindo o leitor para um suspense crescente. Excelente material!

Abril de 2018

Em 1667 o poeta e intelectual John Milton lançou Paraíso Perdido. A obra conta os acontecimentos que levaram Lúcifer à cair em desgraça, bem como os primeiros dias do homem (Adão) e sua queda. Extremamente popular entre os intelectuais e acadêmicos, Paraíso Perdido não chegou e ser uma obra totalmente popularizada em função (acredito eu) da forma escolhida por Milton para narra-la, a Poesia. Neste álbum maravilhoso (lançado pela Editora Darkside) este ano, o espanhol Pablo Auladell adaptou a obra para os quadrinhos. Mas fez mais que isso, conseguiu adaptar a história sem perder o elemento poético sobre o qual Milton a baseou. Parte desta façanha está na forma com que Pablo resolveu apresenta-la, ou seja, por meio de desenhos de xilogravuras e longas sequencias sem diálogo. Tudo leva o leitor à uma sensação de sacralidade, silêncio, poder, grandeza e fatalismo. Eu mais que recomendo sua leitura e convido o leitor a lê-la sob a perspectiva do épico, do sagrado e da introspecção. Um dos grande pontos altos para mim é o diálogo entre o Anjo Rafael e Adão, que procura entender os motivos de Satã ter optado por tão terrível destino. A participação de Jesus (como filho de Deus antes de sua encarnação) é incrível também. Bem como sua performance em combate contra as hordas de Lúcifer. Sobre esta obra gravei até um vídeo este ano.

Maio de 2018

A Arte de Voar foi uma das grandes e gratas surpresas de 2018. Ao melhor estilo de Maus e o Árabe do Futuro, a obra conta a história do Sr. Antonio Altarriba ao longo do Século XX. Quem narra a história é o filho homônimo do Sr. Antonio. Sensível, cru, poético, visceral e sem concessões, a história do Sr. Antonio inicia-se quando criança na Espanha passando por eventos que moldaram a humanidade, a Guerra Civil Espanhola, a 2ª Guerra Mundial entre outros. Mas o mais importante de tudo é que o leitor torna-se amigo do personagem. A vida jogou duro com Antonio Altarriba, e toda sua experiência nos comove e nos mobiliza a pensar sobre o significado das coisas que vivemos. A história termina com o Sr. Antonio em um asilo já com 90 anos e é lá que o leitor descobrirá o significado do título "A Arte de Voar". A obra tem estatura para ser comparado à MAUS e isso não é pouca coisa!!

Abril de 2018

Se você leu a matéria até aqui, então já deve suspeitar que este encadernado é praticamente a sequência dos eventos narrados nos dois encadernados do Warlock que recomendo mais acima. Este volume da Panini apresenta duas minisséries na verdade. A Busca de Thanos (The Thanos Quest) de 1990 e Desafio Infinito (The Infinity Gauntlet) de 1991. As duas são muito boas e trazem a história que serviu de inspiração para Vingadores 4 - Guerra Infinita. Vale a pena ler e é sem sombra de dúvidas material obrigatório dentro da epopeia cósmica que envolve Thanos e Warlock.

Maio de 2018

A Editora Mythos simplesmente deu uma arrancada em 2018 com seus encadernados de luxo e com o lançamento de diversos personagens da Editora Italiana Bonelli. Nathan Never é um destes personagens que está saindo lentamente por aqui por meio de encadernados menores e sem periodicidade fixa. O que me chamou a atenção no personagem é sua inspiração: a estética Noir e de ficção científica estilo Blade Runner. No 1º encadernado "Os Olhos de Um Estranho", toda esta estética é apresentada. A atmosfera solitária, o clima quase sempre chuvoso e melancólico, a falta de esperança dos personagens... Tudo isso misturado dando uma atmosfera sutilmente filosófica à narrativa. Ficção de primeira que mostra um futuro que para nós (em pleno ano de 2018) já envelheceu, pois as histórias de Nathan Nerver foram concebidas sobretudo nos anos 90. Justamente por ser um futuro diferente daquele que imaginamos hoje, somos ainda mais assolados pelo clima melancólico e triste. Excelente material!!

Maio de 2010

Homem de Ferro - A Guerra das Armaduras foi uma leitura despretensiosa e com muito entretenimento. A títpica HQ que o fã de quadrinhos adora pelo tempo que passa lendo esquecendo as preocupações da vida. A função de entreter é um dos grandes objetivos da 9ª Arte, e esta prerrogativa pode ser cumprida sem necessariamente estar atrelada à enredos complicados e cheios de buracos. Aliás, muitos roteiristas se perderam em seus trabalhos ao quererem deixar suas obras interessantes servindo-se da ideia de que quanto mais complicado melhor. Homem de Ferro - A Guerra das Armaduras figura entre meus destaques de 2018 porque foi uma HQ que me fez desligar completamente do mundo à minha volta. Uma história ao melhor estilo das boas histórias da Marvel dos anos 80, tanto que escrevi até uma matéria sobre esta obra. Para lê-la clique aqui!

Maio de 2018

Imperdoável de Mark Waid quando a Editora Devir o lançou pela primeira vez no Brasil em Agosto de 2013. Gostei tanto desta HQ que na época (2013) fiz uma matéria a respeito. Infelizmente a Devir não publicou a continuação, o que me deixou extremamente frustrado. Em 2018, no entanto a editora retomou este projeto, lançando não apenas o encadernado inicial novamente (acima), mas publicando recentemente (dezembro de 2018) a continuação, Imperdoável - O Lugar Mais Seguro da Terra. Por conta de tudo isso reli o 1º encadernado. A história continua com todo poder e impacto que senti há 5 anos atrás. Simplesmente um trabalho inspirado de Waid que fez uma releitura primorosa do mito do Superman. Destaque total!

Maio de 2018

Citei Jeff Lemire acima como sendo um novo expoente da 9ª Arte. E Black Hammer, uma das suas obras lançadas no Brasil em 2018 comprova isso. Lançada pelo selo de quadrinhos da Editora Intrínseca, a obra conta o melancólico destino de um grupo de super-heróis que salvou a Terra no passado por meio do sacrifício máximo, ou seja, abrindo mão da própria liberdade. Desde então, o grupo vive aprisionado em um local, aparentemente uma fazenda próxima à uma pequena e pacata cidade. A narrativa lembra muito as obras de realismo fantástico do Alemão Michael Ende, autor de livros como A História Sem Fim, O Teatro de Sombras de Ofélia, O Espelho no Espelho. A premissa é de pessoas dissociadas do tempo duracional (aquele em que todos nós vivemos e que expressa eventos em sequencia). A perspectva de vida fora do tempo duracional é assustadora, pois nos coloca dentro da perspectiva do eterno. Recentemente a Intrínseca publicou a sequencia da história, Black Hammer - O Evento.

Agosto de 2018

O nome Jack Kirby está associado à alcunha máxima de "Rei". E ele foi mesmo Rei dos Quadrinhos. Kirby viu nascer  o fenômeno dos quadrinhos em plena Era de Ouro dos Super-heróis (1938 - 1956). Suas criações permearam o mundo ficcional e seu grande parceiro, Stan Lee, nos deixou recentemente. Etrigan é um dos inúmeros personagens criados por Kirby. Talvez o mais enigmático, pois trata-se de um Demônio. Um personagem que, apesar da origem e natureza obscura, traz o contraditório dentro de si, pois luta pela humanidade. Criado nos anos 70, Etrigan subverte o gênero no qual se insere ao trazer consigo o conflito de um ente demoníaco que acaba sendo reprogramado. O Hellboy de Mike Mignola seguiria pelo mesmo caminho no futuro. Acontece que muitos fãs da DC já tinham lido histórias de outros autores com a participação de Etrigan, no entanto nunca suas histórias primordiais, escritas pelo seu próprio criador, haviam sido publicadas desta forma em solo brasileiro, ou seja, respeitando a cronologia do personagem. A Panini lançou esta fase Kirbyana do Demônio Etrigan em dois encadernados dentro de seu selo Lendas do Universo DC. Um registro fantástico das histórias originais deste soturno personagem do Rei Kitby.

Dezembro de 2017

Sempre senti falta na Marvel de uma bússola moral da envergadura do Superman da DC. Embora o Capitão América possua parte desta evocação mítica, Superman literalmente demonstra ser o deus que resolveu viver pelas nossas regras e sofrer o que o homem comum sofre. Isso, aliado ao seu incrível poder, fez dele uma Bússola Moral para todo o universo ficcional ao qual eles está inserido. Mas e se a Marvel tivesse herói semelhante? Pois é a esta pergunta que o roteirista Paul Jenkins consegue responder de forma excelente neste encadernado lançado dentro da Coleção Capa Vermelha da Salvat. Li de forma despretensiosa esta HQ, e fui surpreendido por uma avassaladora enxurrada de sentimentos e reflexões permeando os principais personagens da editora. Minha satisfação foi tal que rendeu uma matéria exclusiva sobre esta material. Para lê-la clique aqui.

Setembro de 2007

Supremo foi um personagem genérico criado em meio ao Tsunami de personagens inexpressivos que invadiram os quadrinhos na década de 90. E teria passado para o limbo do esquecimento caso um certo Alan Moore não tivesse escrito a brilhante quadrilogia Supremo 1) A Era de Ouro, 2) A Era de Prata, 3) A Era de Bronze, 4) A Era Moderna. Moore usa do personagem para apresentar em 4 encadernados as principais características de cada uma das Eras dos Quadrinhos. Eu já havia lido Supremo - A Era de Prata em 2015 e, por um erro na minha pilha de leitura, acabei relendo a obra em 2018. É incrível como ela continua fantástica. Se você é um fã de quadrinhos, com certeza precisa conhecer esta quadrilogia. Posso dizer sem medo de errar que Alan Moore escreve um tratado acerca das Eras dos Comics usando o personagem Supremo. As histórias são inteligentes e cheias de reflexões acerca do que é a "realidade". Tudo isso usando o Non-Sense tão característico das HQs da Era de Prata. Este encadernado valeu na época uma matéria aqui no Blog (clique aqui).

Maio de 2018

A Editora Pipoca e Nanquim surgiu há cerca de dois anos a partir do Canal homônimo no Youtube. Desde seu nascimento as obras lançadas pela editora primam pela excelência no acebamento gráfico e editoração. Outro ponto da editora é lançar obras de fã para fã, ou seja, que sejam obras com verdadeiro impacto de qualidade. Um Pedaço de Madeira e Aço foi lançado neste perspectiva. A obra do francês Chabouté é uma HQ sem diálogos e que claramente possui como foco principal discutir o comportamento humano sob a perspectiva de alguém fora da esfera humana. Para conseguir esse efeito o autor coloca como personagem principal um banco de praça. Com isso o leitor é levado a refletir sobre nossas idiossincrasias, angustias, mesquinharias, belezas e relacionamentos. Acabamos por nos sentir no lugar do banco da praça, e com isso conseguimos nos afastar dos nossos julgamentos tão entranhados e rápidos. É desta forma que o autor consegue apresentar uma representação peculiar sobre nós mesmos.

Agosto de 2018

John Byrne é um mito dentro dos quadrinhos dos anos 70/80. Sua passagem pelo Quarteto Fantástico e X-Men na Marvel, e pelo Superman na DC, lhe valeram um lugar eterno no coração dos fãs. Seu traço característico fez escola para uma grande parcela de desenhistas. A Tropa Alfa foi um grupo canadense criado pelo próprio Byrne em seu auge durante sua parceria com Chris Claremont nos X-Men. Havia lido algumas histórias do grupo nos anos 80 durante minha adolescência e me lembro de ter me encantado com aquele grupo tão interessante. Deparar-me com este encadernado dentro da Coleção Salvat de Capa Vermelha foi uma grande alegria. A Tropa Alfa de Byrne é realmente algo maravilhoso. A dinâmica entre os personagens e a riqueza dramática de cada um é algo incrível. Só tenho uma crítica, o encadernado traz apenas as histórias da Revista Alfha Flight de 01 à 06 (revista criada para Byrne desenvolver suas ideias com o grupo). Isso quer dizer que o leitor termina o encadernado literalmente pedindo para que ele não acabe. Byrne ficaria à frente de Alfa Flight até o Nº 28. Isso quer dizer que o encadernado dá apenas um "gostinho" do grupo. Todos deveriam conhecer este material para pedi-lo à Panini.

Dezembro de 2018

A CCXP é uma excelente oportunidade para muitas coisas. Uma delas é passear pelos Stands da Galeria dos Artistas (Artists Alley) que, nesta edição de 2018 estava gigante. Como um garimpeiro procurando por pérolas me deparei com esta HQ Nacional recém-lançada por 3 autores nacionais. A temática da história me fisgou na hora: um professor universitário (Alex) que frustrado com o rumo das coisas no Brasil, e não suportando mais a pressão, decide largar tudo e transformar-se em um Andarilho. Nesta jornada, ele entrará em contato com um mundo místico brasileiro sobre o qual mal sabia que existia. Alex baterá de frente com um sistema político corrupto ao mesmo tempo que descobrirá o sentido da realidade. O destaque da HQ, além da própria história, é a arte que é simplesmente excelente, lembrando as aquarelas de Monet, o que acentua a temática onírica ao qual Alex está inserido. Só pela arte já vale a pena a obra, mas ela é muito mais ao desvendar para o leitor brasileiro o poder de nossa Terra e de suas origens místicas.

Junho de 2018

Junho de 2018

Uma pérola preciosa que encontrei na CCXP foi os dois livros da amiga Talessa Kuguimiya. Desenhista e roteirista com uma sensibilidade acima da média, e dona de um traço eclético que transcende a página, Talessa é verdadeiramente um expoente no quadrinho nacional. Os dois livros acima da série Minski podem ser categorizados para um leitor desavisado como livros infantis, mas na verdade são muito mais pois escondem elementos fantásticos nas entrelinhas. A começar pela magia... Minski é uma pequena menina criada acidentalmente por uma bruxa da floresta. A poesia transborda das páginas e a forma como os livros foram diagramados permitem uma fluidez no acompanhamento da narrativa que eu nunca tinha visto antes. Achei sensacional. Mas uma das grandes surpresas são os QRs Codes que aparecem nas páginas do livro. Ao acessa-los pelo celular o leitor é direcionado à vídeos musicais no Youtube sobre a Minski. Assistir os vídeos, ouvir a música de fundo e ler o livro ao mesmo tempo é uma experiência que transcende nossa experiência de leitura, permitindo que nossa alma verdadeiramente se eleve. Minski é simplesmente sensacional!

Janeiro de 2009

Como mencionei acima ao escrever sobre o encadernado da Tropa Alfa, terminei sua leitura frustrado ao perceber que o volume trazia um material excelente, porém apenas até o Nº 06 da Revista Alfha Flight, enquanto John Byrne havia encabeçado a publicação até o Nº 28. Vasculhando na minha estante eu sabia que tinha os dois encadernados da antiga coleção da Panini "Os Maiores Clássicos..." da Tropa Alfa. Percebi que o vol. 01 trazia exatamente o mesmo material do encadernado da Salvat, porém o segundo (capa acima) trazia Alfha Flight de 07 à 12 (continuação direta do encadernado da Capa Vermelha da Salvat!!). Nem preciso dizer que iniciei a leitura imediatamente. Um verdadeiro show de John Byrne. Assim, se você tiver acesso a este encadernado acima, leia-o na sequencia do encadernado de capa vermelha.

Dezembro de 2018

Finalmente a Editora Devir lançou a tão esperada (por mim pelo menos) continuação de Imperdoável de Mark Waid (também destaque acima). Nesta continuação (Imperdoável - O Lugar Mais Seguro da Terra) a história que já havia me cativado é elevada à um patamar ainda mais eletrizante e visceral. Tony (O Plutoniano), versão alternativa do Superman, desce ainda mais na sua escalada de loucura. Na verdade, Waid faz um excelente estudo da psique humana frente à falta de amor e reconhecimento. Até onde um mundo cheio de superficialidades e falta de amor nos afeta? O encadernado possui um ritmo excelente de leitura, e a inserção de flashbacks dos personagens nos faz pensar que, no final, ninguém é inocente. Mesmo aqueles que pareciam "amigos" possuem sua parcela de culpa ao vilipendiar aquele que só queria ser aceito pela humanidade. Destaque total! Uma HQ que você precisa conhecer!!

Li muito mais HQs em 2018 obviamente, mas estes são meus destaques. Obras que recomendo partindo do princípio de terem me tocado profundamente, seja apenas como entretenimento ou algo mais transcendente. É isso aí amigos! E você? Quais são os seus destaques de 2018?

domingo, 16 de dezembro de 2018

Miniatura Marvel Série Especial Nº 15 - Ka-Zar e Zabu

Miniatura Marvel Especial Nº 14 - Ka-Zar e Zabu

Ka-Zar é o homem selvagem da Marvel... Criado na década de 30, o personagem foi remodelado nos anos 60 por Stan Lee e Jack Kirby para integrar o panteão de heróis que naquela época se formava na Marvel e brilhar ao lado de pesos pesados da Editora tais como, Hulk, X-Men, Shield e até Thanos. O personagem saiu na linha Especial da Coleção de Miniaturas de Metal da Eaglemoss, e não podia ser lançado sem seu inseparável Tigre Dentes-de-Sabre, Zabu. Embora a existência de um homem das selvas descendente de uma rica família europeia não fosse novidade mesmo quando o personagem foi criado em 1936 (Edgar Rice Burroughs já havia criado seu John Clayton III (mais conhecido como Tarzan) em 1912), isso não implica que a ideia e as histórias envolvendo este selvagem da Marvel não sejam interessantes e significativas dentro do Universo da Editora. Hoje viajaremos à Terra Selvagem, lar de Ka-Zar e dissecaremos um pouco da origem deste personagem.

Miniatura Marvel Especial Nº 14 - Ka-Zar e Zabu

As miniaturas Double-Pack de Ka-Zar e Zabu são muito interessantes e, sobretudo a do Tigre não deixa nada a desejar. O Tigre é pesado e feito totalmente em metal. Sua pelagem é bem minuciosa e podemos distinguir reentrâncias perfeitas ao toque. As patas são bem modeladas e trazem o detalhe das garras de forma perfeita, levando-se em consideração o tamanho da peça. Podemos perceber, inclusive pequenos tufos de pelos que se acumulam nas articulações das patas, algo que é comumente visto em felinos de grande porte. A característica mais marcante de Zabu, seus grande dentes, estão visíveis e inconfundíveis, formando um diorama perfeito ao lado de seu protegido, Ka-Zar. Embora visto como a contraparte inseparável de Ka-Zar, a peça que representa Zabu funcionaria sozinha em uma estante, tendo brilho e excelência próprias.

Miniatura Marvel Especial Nº 14 - Ka-Zar e Zabu

Ka-Zar aparece com sua tradicional tanga (ao melhor estilo "Homem-das-Selvas) e com seus poucos, mas tradicionais acessórios: faca, bainha e munhequeiras em couro de animal. Não posso deixar de dizer que diante da robustez de Zabu, Ka-Zar fica até diminuído em sua simples aparência. A modelagem do rosto do jovem selvagem mostra traços agressivos e rudes. Os olhos poderiam ter sido melhor modelados em minha opinião, já que pelo menos nesta minha peça eles ficaram um pouco estrábicos. Mas no geral Ka-Zar está bem representado.

Miniatura Marvel Especial Nº 14 - Ka-Zar e Zabu

O Ka-Zar moderno, reintroduzido por Lee e Kirby nos anos 60 é na verdade Kevin Reginald Plunder, filho do milionário britânico Lorde Robert Plunder. O pai de Ka-Zar era um Engenheiro famoso e dedicara sua vida à busca de uma Terra esquecida e oculta da humanidade no Polo Sul. Robert descobre e visita esta Terra quando Kevin era ainda uma criancinha, trazendo de lá um estranho metal com características e propriedades estranhas, ao qual deu o nome de Vibranium ou Antimetal. Embora, a maciça maioria da comunidade científica tenha considerado a experiência de Robert Plunder uma farsa, potências estrangeiras reconheceram naquele metal e na Terra Selvagem uma fonte de exploração. Para proteger sua descoberta, Robert esconde a localização da Terra Selvagem em um medalhão que parte ao meio, dando uma metade ao pequenino Kevin e a outra metade ao seu irmãozinho menor, Parnival Plunder. Infelizmente, Robert toma uma decisão equivocada, deixando seu filho menor na Inglaterra e viajando com Kevin para a Terra Selvagem. Lá, uma tribo de selvagens mata Robert e o pequeno Kevin é salvo pela intervenção de um imenso Tigre Dentes-de-Sabre (Zabu).

Miniatura Marvel Especial Nº 14 - Ka-Zar e Zabu

Kevin e Zabu desenvolveram uma relação de amizade profunda e quase mística, e a pequena criança cresceu tornando-se um jovem de força e habilidades incríveis na Selva, o agora Ka-Zar. Tudo continuaria assim não fosse os X-Men começarem a investigar relatos a respeito de um jovem que sobrevivia aos rigores do inverno polar apenas de tanga. Obviamente pensaram que ele seria um mutante. Isso motivou a ida do grupo à Terra Selvagem para, no fim, descobrirem que Ka-Zar na verdade era um humano normal. Os X-Men seriam os primeiros, mas não os últimos heróis a adentrarem a Terra Selvagem, Hulk e Demolidor também viveriam aventuras ao lado do Senhor da Terra Selvagem. O 1º ajudou Ka-Zar a derrotar o Gigante conhecido como Umbu. Já o Homem Sem Medo visitou o lar do nosso homem das selvas ao ser raptado por um vilão chamado Saqueador. O Saqueador era na verdade Parnival Plunder (irmão de Ka-Zar), cujo plano era encontrar seu irmão e com isso localizar a reserva de Vibranium para fins nefastos. O confronto entre os dois irmãos foi muito violento, sendo que Ka-Zar contou com a ajuda do Demolidor para vence-lo.

Miniatura Marvel Especial Nº 14 - Ka-Zar e Zabu

Além de Hulk e Demolidor, outros heróis tiveram suas aventuras ligadas à Terra Selvagem e à Ka-Zar, e um deles foi ninguém menos que o Homem-Aranha, que ajudou Ka-Zar a recuperar Zabu que havia sido vítima de uma caçada de Kraven. Embora Ka-Zar parecesse um jovem selvagem, na verdade ele conseguia falar e se relacionar de forma muito adequada com a civilização fora da Terra Selvagem. Isso se mostrou verdadeiro quando ele conheceu duas pretendentes à namorada, Bobbi Morse (uma superespiã da Shield e também heroína conhecida como Harpia) e Shanna, uma aventureira com grande experiência na selva e amiga dos animais. Shanna era conhecida como A Mulher-Demônio. E foi com esta última que Ka-Zar formaria uma família. Os anos se passaram e Ka-Zar viveu aventuras ao lado de Shanna, inclusive descobriu uma 2ª Terra Selvagem chamada Pangea (um posto avançado da antiga Atlântida).  Esta misteriosa Terra ficava bem próxima, porém oculta à Terra Selvagem original. A grande descoberta na verdade era a de que o clima temperado das duas Terras Selvagens, em meio ao frio polar, era mantido por uma avançada tecnologia alienígena. Esta tecnologia avançada foi alvo da cobiça do vilão Terminus, que arquitetou uma forma de rouba-la, levando as duas Terras Selvagens a perderem seu clima ameno, o que matou milhões de pessoas e animais congelados.

Miniatura Marvel Especial Nº 14 - Ka-Zar e Zabu

Os Vingadores derrotaram Terminus e salvaram muitos habitantes do local evacuando a área. Ka-Zar, Shanna e Zabu estavam entre estes sobreviventes salvos pelos Vingadores. A Terra Selvagem seria restabelecida a partir do auxílio de dois personagens, o Bio-Engenheiro cósmico chamado Alto-Evolucionário e o Semi-Deus Garokk, uma entidade adorada pelo povo da Terra Selvagem. O Alto-Evolucionário usaria um Cubo Cósmico Terraformador para manter a Terra Selvagem. Este artefato gerou até a cobiça de Thanos, contra quem Ka-Zar lutou e venceu. Após o combate Ka-Zar descobriria que este era na verdade um clone de Thanos, mas mesmo assim Ka-Zar lutou e venceu para proteger o Cubo. As Nações Unidas reconheceriam a Terra Selvagem como local a ser respeitado e como uma reserva selvagem, e Ka-Zar se tornaria reconhecidamente seu protetor. A vida familiar de Ka-Zar também frutificaria em um filho, o bebê Mathew. 

Miniatura Marvel Especial Nº 14 - Ka-Zar e Zabu

A história de Ka-Zar tem seu lugar dentro do Universo Marvel, e suas aventuras ao lado de importantes personagens da Editora mostram que ele é conhecido e reconhecido por todos os heróis e vilões da Casa das Ideias. Para mim ele seria um ótimo personagem para ser utilizado em histórias com cunho ambientalista. Um tema muito importante e que precisa ser colocado na pauta das histórias da Marvel.

É isso aí amigos! Forte abraço!

sexta-feira, 16 de novembro de 2018

Fátima - Milagre ou Construção?


Em Julho de 2018 visitei Portugal e não pude deixar de ir à cidade de Fátima e à aldeia de Aljustrel. Conhecido ao redor do Mundo, o Santuário de Fátima possui forte apelo no imaginário coletivo de católicos, estudiosos e pessoas em geral. Minha ida ao Santuário foi motivada por um misto de curiosidade (já que em minha infância eu ouvia muito sobre as aparições de Nossa Senhora no local) e vontade de proporcionar à minha mãe esta viagem e experiência única. Sou cristão, mas minhas raízes católicas ficaram para trás há 3 décadas. Tudo teria sido mais uma experiência turística para mim não fosse uma sensação que me acometeu quando iniciei minha visita pelo Santuário. Confesso que, apesar de já ter se passado alguns meses da visita, ainda não consigo definir o que senti durante a manhã e início da tarde que passei ali. Um misto de uma grande vontade de ficar em silêncio associado à uma sensação profunda de contato com algo diferente, que transcendia meu entendimento. Ao voltar para meu hotel em Lisboa tive muita dificuldade para dormir naquela noite, assolado por uma sensação de "presença". Ainda naquele quarto de hotel decidi que precisava saber o que tinha acontecido de fato em Fátima em 1917. No entanto, queria ler algo que não fosse contaminado por seus detratores ou defensores. Queria um relato destituído dos vieses dos dois lados.

Basília do Santuário de Fátima

Em minha busca (ainda no quarto de hotel) deparei-me com o livro "Fátima: Milagre ou Construção?" da Jornalista Portuguesa Patrícia Carvalho. Comprei-o-o e não via a hora de retornar ao Brasil para lê-lo. Concluída a leitura do livro posso dizer que consigo responder a pergunta do título: "MILAGRE ou CONSTRUÇÃO?". Para mim fica a seguinte resposta: "As duas coisas". Algo sobrenatural realmente parece ter acontecido com os três pequenos pastorinhos (Lúcia dos Santos e os irmãos Jacinta e Francisco Marto), todos abaixo dos 10 anos de idade no dia 13 de Maio de 1917 na região da Cova da Iria. Local que os pequenos usavam para apascentar as ovelhas pertencentes à família de Lúcia. O avistamento relatado por Lúcia em 13 de Maio se repetiria ao longo dos cinco meses seguintes daquele ano, sempre nos dias 13 de cada mês, sendo 13 de Outubro de 1917 a data da última aparição. Portugal vivia à época uma ferrenha perseguição à Igreja Católica fruto de uma Governo Republicano que queria romper definitivamente com dogmas religiosos que, em sua concepção, atrasava o desenvolvimento do país. Missas em lugares públicos e até trajes religiosos (usados por padres e freiras) eram alvo do governo na época.

Da esquerda para direita: Lúcia, Francisco e Jacinta.

Embora o governo central de Lisboa ligasse a religiosidade ao atraso do povo, este por sua vez era pobre e entendia (instintivamente) sua religiosidade como uma forma de ser acolhido e ter esperança diante das agruras cotidianas. Este povo, portanto não entendia este conflito político-religioso que se instituía em plena aurora do novo século. Foi neste cenário, portanto que se deu as Aparições na Cova da Iria próximo à aldeia de Aljustrel. Um povoado pobre onde a maioria das pessoas não sabia ler, e as poucas mães alfabetizadas eram vistas como detentoras de grande sabedoria. A mãe de Lúcia, Maria Rosa, era uma destas mães que sabia ler e sempre lera para seus filhos os catecismos católicos todas as noites. Era, portanto do conhecimento de Lúcia (a principal vidente do trio, com 10 anos de idade em 1917) os relatos das aparições na cidade de Lourdes na França e de outros relatos de milagres que a mãe lia para ela e seus irmãos. Muitos detratores das Aparições de Fátima veriam nestas experiências domésticas de Lúcia, a fonte dos relatos da menina. Mas o que exatamente aconteceu com essas crianças?

Cova da Iria à Época das Aparições - Hoje Local do Santuário de Fátima

No dia 13 de maio de 1917 as 3 crianças estavam da Cova da Iria pastoreando o rebanho e, após terminarem de rezar o terço como de costume, começaram a brincar. Segundo o relato das 3 (mas principalmente de Lúcia) elas foram surpreendidas por um relâmpago acima de uma Azinheira (pequena árvore comum naquela região). Apesar do medo elas observaram um clarão acima da pequena árvore dentro do qual se podia divisar a figura de uma Menina. O relato inicial de Lúcia descreve que era uma menina por volta de seus 15 anos. Estava vestida com sapatinhos, meias, saia, blusa e um cinto com detalhes em ouro (algo que chamou muito a atenção de Lúcia). Lúcia conversou com a "Menina", travando uma conversa (descrita no Livro de Patrícia Carvalho), oscilando entre perguntas sobre sua identidade e o que ela queria. A Aparição não diria à Lúcia (em um primeiro momento) exatamente sua identidade ou mesmo seu desejo, limitando-se à informar que apareceria novamente dali há um mês naquele local. O relato dos pastorinhos aos pais rendeu uma ida à igreja onde eles repetiram tudo ao padre local, que por sua vez (e sabiamente) não emitiu julgamentos. Mantendo esta postura discreta ao longo de 1917 durante as outras aparições. A mãe de Lúcia seria uma das pessoas que mais a desencorajaria a continuar afirmando o que vira. Talvez com medo de estimular uma mentira da filha.


Seria imprudente de minha parte tentar reproduzir todos os diálogos relatados por Lúcia entre ela e a "Menina" (que logo passaria, ao longo dos meses, a ser chamada de "Senhora"). O fato é que apesar de toda discrição do padre local e das palavras contrárias da mãe, o relato de Lúcia ganhou vulto. Isso fez com que a cada 13 de maio ao longo de 1917 o número de pessoas afluindo à Cova da Iria só aumentasse. A imprensa Republicana passou a noticiar os relatos das Aparições condenando-os e explicando-os à luz da histeria coletiva e imaginação fértil e mirabolante de Lúcia. O fato é que mesmo esses artigos fizeram os relatos de Lúcia se expandirem. Foi neste cenário que uma importante figura chegou em Aljustrel, o Padre Manuel Nunes Formigão. Seria ele o responsável por tornar Fátima, ao lado do Bispo Dom José Correia da Silva, um local de adoração divulgando os relatos de Lúcia. Dom José percebeu o difícil momento em que a Igreja se encontrava em Portugal, e Fátima seria talvez a resposta que poderia ser dada ao Governo Laico que ora se impunha. A última Aparição se deu em 13 de outubro de 1917, quando a Senhora prometera realizar um grande milagre nesse dia. A população que afluiu à Cova da Iria nesse dia foi muito grande, e muitos dos presentes realmente relataram o que ficou conhecido como o "Milagre do Sol". Durante algum tempo muitos presenciaram movimentos aleatórios e mudanças de cores no Sol. Um fenômeno que emocionou à muitos no dia, muito embora alguns relatassem não terem conseguido visualizar tal fenômeno. A esta discrepância de relatos se diria que talvez fosse fruto de falta de fé de muitos.

Padre Manuel Nunes Formigão

Bispo Dom José Correia da Silva

E as crianças? O que aconteceu com elas? Jacinta e Francisco morreriam pouco depois do fim das Aparições vítimas de um surto de doenças pulmonares que acometeria Portugal. Lúcia, no entanto teria sua vida controlada pelo Bispo Dom José, que a afasta de Aljustrel e a coloca em um Convento. Não podemos dizer que isso foi contra a vontade de Lúcia, já que ela mesmo descreve em suas cartas sua anuência. Foi à pedido de Dom José que a vidente escreveria o que ficou conhecido como suas Memórias Parte 1, 2, 3 e 4. Nas quais uma Lúcia mais adulta refaz muitos de seus relatos inciais. Dando inclusive mais consistência ao que viria a ser conhecido como Segredos de Fátima. A imagem que conhecemos hoje da Senhora de Fátima foi concebida por um artesão local à pedido do Padre Formigão a partir de ajustes nos relatos inciais de Lúcia, daí as diferenças entre a imagem que conhecemos e os relatos iniciais da vidente sobre uma "Menina".

Jacinta (no colo) pouco antes de seu falecimento

O livro de Patrícia Carvalho traz vários depoimentos de pessoas que estiveram presentes nos dias 13 de cada mês durante as aparições. É interessante notar algumas coincidências entre estes relatos. Por exemplo a presença de um zumbido (como de abelhas) que acompanhava os momentos nos quais a Senhora falava com os Pastorinhos. Vale lembrar que durante as conversas com a Senhora, apenas os 3 viam a Aparição. Um outro aspecto coincidente nestes relatos de terceiros é a existência de uma aura de luz que circundava os 3 pequenos enquanto conversavam com a Senhora. Estes, entre outros aspectos retirados dos relatos de testemunhas oculares dos eventos daquela estranho ano de 1917 nos faz pensar que realmente algo aconteceu naquele local. Porém, não podemos negar que a Igreja também entendeu o potencial para a fé em tudo aquilo e a oportunidade de manutenção de sua existência em terras portuguesas.

Dom José e Lúcia anos depois, próximo à ordenação da vidente

A Igreja Católica reconheceria na década de 30 as Aparições como legítimas a partir de um relatório elaborado por uma comissão tendo o Padre Formigão à frente. Fátima já estava se tornando na época a "Lourdes Portuguesa". O livro de Patrícia Carvalho se encerra com algumas opiniões muito interessantes de estudiosos, leigos e religiosos acerca de Fátima. Um deles me chamou especial atenção. Nele um dos estudiosos diz que podemos considerar a existência de duas "Fátimas". Uma que advém dos relatos originais de uma pequena pastora que sustentou sua experiência mesmo diante de diversas pessoas que pediam para que ela a negasse. Esta seria a "Fátima Original", aquela que se ancora em testemunhos originais dos 3 pastores e de pessoas que estiveram presentes nos locais das Aparições. Há, no entanto uma segunda Fátima, uma que cresceu ancorada sobre relatos de uma Lúcia já adulta. Relatos estes que eram supervisionados diretamente pelo Bispo Dom José e se articulavam com o Mundo em plena transformação (2ª Guerra Mundial, surgimento da Rússia como potência militar...). É curioso notar que nestas memórias posteriores de Lúcia há uma íntima associação entre o que a "Senhora" disse em 1917 e os eventos Mundiais posteriores que, em 1917 nem tinham acontecido ainda. Daí a conclusão, da qual compartilho, de que há duas "Fátimas". Uma primeira, cheia de relatos interessantes, ingênuos e honestos, e uma segunda, já sob supervisão de Dom José e do Padre Formigão.

Jacinta, Lúcia e Francisco
Acontecimentos assim sempre escaparão ao entendimento completo, como sempre acontece ao que é sobrenatural. A ciência não pode trazer respostas cabais quando temos o elemento "fé" dentro da equação e, como é costumeiramente falado nas Missas católicas... Este é o Mistério da Fé.
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