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domingo, 21 de agosto de 2011

Crônica Invernal


"Nevava lá fora. Um vento frio e contínuo soprava vindo de um lugar distante e secreto. O silêncio da manhã era alto e profundo. Entrei na sinagoga como tantas outras vezes fiz e sentei-me ao lado de pessoas com as quais convivia todos os sábados ali, mas que me eram estranhas. As pedras e o chão eram muito frios.

Meu nome não importa, assim como a ida àquele lugar, sábado após sábado, também não importava, não tinha sentido algum mais. Tal qual minha mão direita, meu interior também havia se atrofiado com a vida. Talvez isso explicasse minha insistência em estar ali. Quem sabe o simples fato de andar e me envolver com eles poderia melhorar a atrofia.


Meus pensamentos estavam longe naquele dia. Sentado entre eles não ouvi as leituras nem as explicações. Fiquei apenas olhando pela janela a neve cair e sentindo o vento soprar dentro de mim. Queria ter ouvido e visto o que antecedeu a tudo, mas como disse, eu estava longe em meus pensamentos.
 

 Apesar de meus pensamentos estarem a centenas de quilometros dali eles foram rasgados por uma voz. Imediatamente eu estava ali de volta. Todos os meus sentidos ficaram em alerta! Em milésimos de segundos eu estava em total alerta. O sangue começou a pulsar forte em minhas têmporas e cada parte do meu corpo ficou absolutamente em atenção. Como se eu fosse ser atacado... O vento dentro de mim aumentou...

A voz, ou melhor o "Estrondo" em minha mente dizia para mim: "Levante-se e venha para o meio". O "Estrondo" tinha origem. Incompreensivelmente ele tinha partido de um homem sentado a alguns metros à minha esquerda.

À princípio pensei que tudo não passava de uma alucinação auditiva, já que aquela voz não poderia ter partido daquele homem. Não daqueles lábios simples e comuns. Todas as células do meu corpo pareciam que tinham vontade própria e queriam obedecê-lo. Eu tinha que obedecer; sob a pena de me arrepender para o resto da vida. Levantei-me e caminhei pelo chão frio de pedra e pela primeira vez desde que havia chegado eu percebi que o lugar estava lotado. Um pensamento cruzou minha mente: "Nunca tinha visto as bancadas de pedra tão cheias como naquele dia".
 
Parei no meio e me dei conta do estranho formato daquele lugar. Parecia uma arena, e eu estava sozinho no meio dela. O formato circular das arquibancadas de pedra fez com que eu me sentisse como um animal sendo observado. Talvez por isso eu rapidamente tenha econdido minha atrofiada mão direita por entre a orla de tecido de minha túnica. Fiquei com vergonha de olharem para ela.

Lembrei-me de minha infância, de quando era uma criança e de todas as vezes em que meus coleguinhas tinham feito piadas a meu respeito por causa de minha mão. Pensei em sair correndo:
"O que eu estava fazendo ali com todos aqueles olhos fixos em mim? Como deixei isso acontecer? Por que obedeci a voz daquele estranho?". O silêncio predominava e naquele momento ouvi passos atrás de mim. Ele vinha na minha direção no centro da arena. Talvez viesse fazer companhia ou se aproveitar de mim? Usar-me como exemplo?


Minha mão continuava escondida em minha túnica, assim como muita coisa dentro de mim. Ele ficou ao meu lado e percebi que, à princípio, pareceia não se importar com o público. Tive medo, pois sua presença parecia maior do que sua real figura. Pensei então que ia fazer um discurso e usar minha situação como exemplo. Com certeza ia me expor em público apenas para ganhar mais adeptos. Seria seu "show" particular às minhas custas.


Quando abriu a boca para falar apenas disse: "Estenda a mão". Nunca havia mostrado minha mão em público daquela forma. Minha vergonha não vinha apenas dela, mas também de dentro. Desenrolei meu braço direito de minha túnica e pela primeira vez em minha atrofiada vida contemplei meu interior... e os meus dedos".


Lucas 6:6-10

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